Por Pedro Sampaio Nunes, Ex-Diretor da Comissão Europeia das Novas Tecnologias de Energia e das Energias Convencionais, Ex-Secretário de Estado da Ciência e Inovação. Consultor. Subscritor do “Manifesto: Por Uma Democracia de Qualidade”
A máquina de guerra russa, que invadiu e agride diariamente um povo inocente que defende o que é seu de direito e de facto, e por isso mereceu a condenação do Ocidente que procura auxiliar essa resistência, é alimentada pelas receitas obtidas desse mesmo Ocidente, que cresceram, entretanto, para o dobro do valor anterior ao conflito, devido ao aumento das cotações das matérias-primas energéticas importadas.
Uma situação parecida vivemos mutatis mutandis no nosso País. A máquina burocrática da administração pública, cada vez mais pesada, e exigindo sempre mais e mais recursos – complicando, atrasando, bloqueando tudo no seu caminho –, vive de uma cada vez espessa selva legislativa e regulamentar confusa, impenetrável e em tantos aspetos incoerente ou mesmo contraditória, que funciona como uma verdadeira máquina de guerra contra o desenvolvimento económico e social do país, sendo ironicamente financiada pelos impostos de quem deveria beneficiar dela.
Isto a propósito, por exemplo, da entrada em vigor dia 9 deste mês do Regulamento da União Europeia, que requer aos Estados-Membros que reduzam o seu consumo de gás natural. Desde 14 de Dezembro passado que está para ser publicada uma Portaria que regulamenta o Decreto-lei que permitirá uma efetiva e importante redução do consumo de energia por parte do Estado central e local. Apesar do empenho dos principais responsáveis, que testemunhei, estamos em agosto e esta Portaria ainda não saiu! Ou ainda de pedidos de reunião que estão há dois anos a aguardar agendamento, ou requerimentos e exposições que ficam meses e meses sem qualquer resposta.
Apesar dos discursos a anunciar simplificações administrativas, os processos de licenciamento levam sempre anos, quando não são dezenas de anos, mesmo para os projetos do maior interesse económico, social e ambiental. E esta complicação autoinfligida, não se pense que é sempre inocente, porque é alimentada por gabinetes de advogados que vêm na litigância decorrente da complicação legislativa o seu ganha-pão, cobrando honorários escandalosos, a quem a eles recorre. Seja em que setor for, o relacionamento com a administração rapidamente se torna num pesadelo cujo fim não se vislumbra e as mudanças permanentes de regras e de procedimentos, bem como os constantes atrasos, para não falar das faltas de resposta, anquilosantes.
E sou testemunha de que muitas vezes isto acontece contra a vontade dos próprios responsáveis, que se vêm limitados na sua vontade de fazer acontecer, pela resistência de não se sabe exatamente de quem, tão bem descrito na saudosa série “Yes Minister”.
Quando crescíamos a 7 % ao ano durante mais de uma década nos anos 60-70, Portugal tinha menos de 200 000 funcionários públicos, a despesa pública era menor de 20 % do PIB, e tenho a sensação de que apesar de não existirem fundos europeus, tudo era mais bem planeado e executado. Agora que temos mais de 700 000 funcionários públicos, a despesa publica toca os 50 % do PIB, não crescemos há duas décadas, discutimos ad eternum projetos vitais para o nosso presente e o nosso futuro, e os serviços essenciais à nossa vida coletiva falham de forma escandalosa.
Ora esta máquina de guerra contra o desenvolvimento de Portugal é totalmente alimentada pelos nossos próprios impostos! É tempo de mudarmos este estado de coisas e exigir que a administração pública se coloque de vez ao serviço dos cidadãos que serve, respondendo atempadamente às suas solicitações, facilitando as formas de se criar riqueza, emprego, e exportação de bens transacionáveis.
Adotando uma atitude de colaboração proativa com quem a procura para desenvolver o país. É essa a situação da Irlanda, que acompanho desde a sua entrada na Comunidade Europeia. Uma administração pública ao serviço do cidadão e do País, proativa em resolver os seus problemas e ajudar o país a crescer, e não fechada nas suas torres de marfim, com a atitude permanentemente negativa para evitar trabalho e maçadas, ou mais grave ainda, procurar meios ilegais e obscuros para facilitar os processos.
Não há que inventar nada, basta copiar os bons exemplos. Mas para isso seria necessário que os nossos eleitos fossem mais próximos dos problemas reais que afetam as regiões que representam, e não meras escolhas das hierarquias do partido. Assim poderiam, com melhor conhecimento de causa exigir, que as administrações funcionassem de forma mais célere, solícita e eficiente.