O baú das fotos


É curioso como a experiência de vasculhar no baú é muito mais sensorial do que o monitor de qualquer dispositivo eletrónico.


Por Paulo Romão, designer

O baú das fotos é um lugar que eu revisito de vez em quando. Tal como a velha máquina fotográfica analógica, que guardava bem os seus segredos até vermos as imagens reveladas, também ele nos reserva surpresas. Independentemente do número de vezes que lá formos. Existe sempre um envelope ou uma foto que escapou à visita anterior e que nos surpreende, como se fosse descoberta pela primeira vez.

Estou a ser literal quando lhe chamo o “baú”. É uma caixa de cartão grande onde fui guardando, com uma aparente desorganização arrumada, as fotografias que ilustram muitos momentos felizes. Ali se juntam amigos, viagens, lugares, amores, família, filhos…

A partir de dado momento, com o aparecimento da fotografia digital, a cadência de alimentação do baú foi decaindo. Até parar definitivamente. Continuo a ter as minhas fotos organizadas, talvez até mais bem organizadas. Estão no disco do computador, em discos de backup e na cloud. Organizadas em álbuns digitais, por anos, viagens e outros temas. A qualidade das imagens melhorou. Com as novas máquinas e telemóveis é quase impossível tirar fotos com má qualidade. Algumas foram até retocadas e reenquadradas. Bonitas! É muito fácil encontrá-las, partilhá-las e revê-las.

Mas aos poucos fui deixando de imprimir as fotos. Com fortes reclamações da minha mãe que agora só vê as fotos dos filhos e dos netos no telemóvel. Não dá para colocar em molduras, diz ela. E tem razão. Perdeu-se aquela relação física com as imagens impressas. Com o conteúdo do baú.

É curioso como a experiência de vasculhar no baú é muito mais sensorial do que o monitor de qualquer dispositivo eletrónico. É diferente até de um álbum fotográfico, com as fotografias organizadamente coladas e legendadas. As cores, o cheiro e as texturas das fotos, são muito diferentes de ano para ano, de década para década. Têm um ADN próprio. Contam as suas próprias histórias, independentemente das imagens que lhes estão impressas. O preto e branco da infância, as cores descoloradas e o gão das imagens dos anos 70 e 80 que nos testemunharam a adolescência. As Polaroids antigas, as já mais recentes fotos plastificadas das máquinas de revelação automática.

Tocar nas fotos do baú é como se viajássemos no tempo. Como se voltássemos a emergir naquela época e naqueles lugares. Voltam os cheiros, os sons, os sabores e as sensações de então. Voltam os beijos e os abraços. Voltam os amigos e sentamo-nos todos juntos à volta do baú, à volta da fogueira, à volta das mesas. E encontramos momentos, pessoas e lugares que estavam temporariamente esquecidos. Mesmo que os tivéssemos visto pessoalmente há pouco tempo, ou na última visita ao baú. É um bom lugar para os guardar para sempre. No baú… e em mim.

 

 

 

 

 

O baú das fotos


É curioso como a experiência de vasculhar no baú é muito mais sensorial do que o monitor de qualquer dispositivo eletrónico.


Por Paulo Romão, designer

O baú das fotos é um lugar que eu revisito de vez em quando. Tal como a velha máquina fotográfica analógica, que guardava bem os seus segredos até vermos as imagens reveladas, também ele nos reserva surpresas. Independentemente do número de vezes que lá formos. Existe sempre um envelope ou uma foto que escapou à visita anterior e que nos surpreende, como se fosse descoberta pela primeira vez.

Estou a ser literal quando lhe chamo o “baú”. É uma caixa de cartão grande onde fui guardando, com uma aparente desorganização arrumada, as fotografias que ilustram muitos momentos felizes. Ali se juntam amigos, viagens, lugares, amores, família, filhos…

A partir de dado momento, com o aparecimento da fotografia digital, a cadência de alimentação do baú foi decaindo. Até parar definitivamente. Continuo a ter as minhas fotos organizadas, talvez até mais bem organizadas. Estão no disco do computador, em discos de backup e na cloud. Organizadas em álbuns digitais, por anos, viagens e outros temas. A qualidade das imagens melhorou. Com as novas máquinas e telemóveis é quase impossível tirar fotos com má qualidade. Algumas foram até retocadas e reenquadradas. Bonitas! É muito fácil encontrá-las, partilhá-las e revê-las.

Mas aos poucos fui deixando de imprimir as fotos. Com fortes reclamações da minha mãe que agora só vê as fotos dos filhos e dos netos no telemóvel. Não dá para colocar em molduras, diz ela. E tem razão. Perdeu-se aquela relação física com as imagens impressas. Com o conteúdo do baú.

É curioso como a experiência de vasculhar no baú é muito mais sensorial do que o monitor de qualquer dispositivo eletrónico. É diferente até de um álbum fotográfico, com as fotografias organizadamente coladas e legendadas. As cores, o cheiro e as texturas das fotos, são muito diferentes de ano para ano, de década para década. Têm um ADN próprio. Contam as suas próprias histórias, independentemente das imagens que lhes estão impressas. O preto e branco da infância, as cores descoloradas e o gão das imagens dos anos 70 e 80 que nos testemunharam a adolescência. As Polaroids antigas, as já mais recentes fotos plastificadas das máquinas de revelação automática.

Tocar nas fotos do baú é como se viajássemos no tempo. Como se voltássemos a emergir naquela época e naqueles lugares. Voltam os cheiros, os sons, os sabores e as sensações de então. Voltam os beijos e os abraços. Voltam os amigos e sentamo-nos todos juntos à volta do baú, à volta da fogueira, à volta das mesas. E encontramos momentos, pessoas e lugares que estavam temporariamente esquecidos. Mesmo que os tivéssemos visto pessoalmente há pouco tempo, ou na última visita ao baú. É um bom lugar para os guardar para sempre. No baú… e em mim.