O indivíduo saltava de telhado em telhado, segundo dizem. Entortou caleiras e o diabo a quatro entre a Rua do Norte e a Travessa da Queimada. A notícia de jornal resumia: “Um homem completamente nu e visivelmente alterado ameaçava atirar-se de um prédio de quatro andares no Bairro Alto, em Lisboa, esta terça-feira de manhã”. De manhã, ainda por cima? Imagino que possa ser um daqueles amantes de mulheres a dias que são surpreendidos ao acordar pelo marido que é guarda-noturno. Um pesadelo, portanto. A completa nudez da personagem dá à notícia aquele toque pícaro de quem foi apanhado antes até de ter as calças na mão. Escapou-se, talvez, de alguma água-furtada e andou de telhado em telhado a ver como conseguia resolver o problema de se meter, em pêlo, no meio da rua e dos seus concidadãos. Ou seja, o facto de estar alterado não me surpreende. Qualquer um ficaria alterado numa figurinha daquelas no topo de um prédio de quatro andares, seja em que bairro for. Calhou ser aqui, neste, onde escrevo quando estou em Lisboa, e no qual já vi tudo e mais alguma coisa ao longo de mais de quarenta anos que, mais homem nu menos homem nu, não me abala particularmente o pífaro, como se costuma dizer. Imagino-o de cócoras, como um babuíno de Nagarkot, a mexer nas intimidades e pronto a atirar pedaços de excremento a quem resolva aproximar-se demasiado. De rabo coçado, talvez com crostas, foi, segundo a curta notícia, salvo por membros dos bombeiros e da esquadra mais próxima da PSP. Esta agora! Mas salvo de quê? Da fúria do guarda-noturno enganado? Do seu destino de homem transformado em macaco? Da nudez que choca os passantes mas certamente não a ele? Do alto da sua sabedoria, Goethe dizia: “Se conhecessem o tédio, os macacos poderiam ser gente”. O que me faz pensar que o homem nu nos telhados do Bairro Alto talvez seja um macaco. Pelo menos não conhece o tédio.