De tempos a tempos Portugal parece esquecer o mar e, de repente, surpreende-se ao reencontrá-lo. Reparem neste pedaço de texto que fui arrancar a um vespertino lisboeta do dia 2 de Agosto de 1954, já lá vai a ninharia de 68 anos: “Constitui surpresa para nós e, decerto, constituirá para muita gente, a revelação de que a Pesca Desportiva é, na ordem de número de praticantes, a terceira modalidade no nosso país. Os números apresentados à Direcção Geral dos Desportos durante os primeiros contactos que aquela entidade teve com os dirigentes daquela que mais tarde teve o nome de Associação Regional do_Centro de Pesca Desportiva tiveram de conciliar imediatamente todos os interesses para que a modalidade, sob orientação de identidade competente, começasse a sua vida organizada dentro dos moldes que ao desporto convém”.
Surpreendente porquê, vamos lá ver? Qualquer um, com a sua cana, o seu carreto (ou mesmo sem ele) e uns metros de sediela e uma minhoca se colocava à beira mar ou à beira rio na expectativa que o peixe picasse, ou não seria assim? E de água não podia, nesse tempo, Portugal queixar-se de falta, sobretudo a que nos é oferecida pelo Atlântico que, mesmo nos dias que correm, continua a ser generoso com as nossas duzentas e tal mil milhas marítimas.
Mas, de repente, os números faziam fila: 1 500 praticantes de pesca desportiva, distribuídos por 48 clubes! Claro que, a partir do momento em que passavam a ser federados, entravam em provas com regras que tinham de ser respeitadas. Ainda assim, a surpresa causa-nos surpresa. Afinal sempre fomos um país de pescadores, à rede ou à cana. Mas a imprensa maravilhava-se com a quantidade de provas que estavam a ser postas em marcha: prova de mar, organizada pelo Sporting das Caldas na Foz do Arelho no dia 19 de Setembro; outra prova de mar, pelo Clube de Vela de Lagos, marcada para 31 de Outubro na Costa Algarvia; mais uma prova de mar, ainda sem data marcada, mas prometida pelo Clube dos Amadores de Pesca de Portugal. Agosto estava a começar, dava-se espaço aos banhistas sazonais, esperava-se pelo fim das férias de Verão para colocar a competição em marcha.
Primeira!
A primeira competição de Pesca de Desportiva desse ano tivera lugar em Évora. Pouco depois, na Azambuja, batera-se o recorde de concorrentes – 280: “Número bastante apreciável que dá bem ideia do grande movimento que está a ser desenvolvido em redor da Pesca Desportiva!”
Os portugueses gostavam de pescar e gostavam de competir. Juntava-se a fome à vontade de comer (peixe, neste caso particular). A vontade de tornar as coisas regularizadas partira dos próprios pescadores e da sua aproximação à DGD. Com apenas quatro anos de existência, a Associação de Pesca Desportiva desenvolvera-se mais depressa do que qualquer outra. Não que a pressa seja boa conselheira seja de que pescador for, mas os passos tinham sido dados com largueza e precisão. Honravam-se os clubes fundadores: Clube dos Amadores, Algés e Dafundo, Benfica, Sintrense, Dramático de Cascais e Grupo de Futebol Operário Vilafranquense. Eram os pioneiros!
O interesse pela Pesca Desportiva em Portugal era coisa antiga. Mesmo bastante antiga. O primeiro clube a dedicar-se exclusivamente à modalidade no país foi o Clube dos Amadores de Pesca de Portugal. Justiça feita também ao Clube União Sintrense, que desenvolvera a sua secção mais ou menos na mesma altura, mas que se dividia por outras modalidades. Não admirava, portanto, que o Clube de Amadores arrebanhasse como sócios algumas das mais proeminentes figuras da pesca nacional. As suas instalações roçavam a excelência e mereciam elogios, agora que a Pesca Desportiva atingia o seu máximo esplendor. Por alguma razão, o jornalista referido, deixava em letra de imprensa, uma expectativa prometedora: “O incremento dado à modalidade exprime a previsão de que, em futuro muito breve, se atinja incalculável atividade!” Afinal, de tempos a tempo, os portugueses prestavam atenção ao mar.