1) Portugal, como todos os países sem cultura reformista, é um carrossel de factos apenas com pequenas variações. No verão, ardem milhares de hectares, redescobrem-se negócios ruinosos de aluguer de aviões e helicópteros (conhecidos pelo curioso sinónimo de meio aéreo). Há acidentes, por vezes trágicos – como o de há dias -, onde se perdem corajosos pilotos humanitários a cujas famílias se promete uma ajuda que, depois, leva anos para chegar, quando chega. Despistam-se carros de bombeiros, que ferem e matam soldados da paz no combate a inexplicáveis fogos, muitas vezes com ignição à meia-noite. Os ministros de turno dizem que as coisas estão menos más, provavelmente porque já há pouco para arder. Fazem-se comparações demagógicas com 2017, o pior ano de sempre em termos de mortes. Já se sabe de antemão que as reconstruções darão origem a controvérsias e a uma ou outra roubalheira, enquanto os subsídios prometidos aos agricultores não vão passar do papel. Por esta altura aumentam os falecimentos, sendo que este ano se constata que o crescimento é de tal ordem que a explicação climática já não é suficiente (temos cerca de 10 mil mortes mês). Fala-se de misteriosas causas complementares, que mais não são do que o desmoronar do SNS, cheio de bloqueios sobretudo ideológicos. Convenientemente, invoca-se a eventual responsabilidade retroativa da covid-19, havendo agora a fantástica desculpa suplementar da invasão da Ucrânia que ajuda a explicar problemas em todas as áreas, designadamente a inflação que vai numa média de 9% com picos de 29% em alguns bens alimentares básicos. Antes de começar oficialmente a época estival, confirmou-se a habitual questão das mortes nas praias de mar e fluviais. Apesar do calor tórrido, não havia nadadores-salvadores suficientes, lacuna só resolvida a partir do fim dos exames dos jovens. Lá para agosto virão as pancadarias nos bares de Montechoro e acidentes de trânsito com emigrantes. Para alertar, o secretário de Estado afeto às comunidades irá a uma fronteira dar boas vindas, umas beijocas e recomendações. Terá é de fugir a sete pés quando um compatriota espoliado lhe perguntar quando é que lhe pagam o dinheiro roubado no BES/GES, BPP, BPN ou Banif sem que o Banco de Portugal e a CMVM tenham dado conta disso. Não faltará alguém a justificar o facto com a eterna culpa do Passos ou da falta de meios na justiça e na investigação. Mais adiante vem setembro e a rentrée política. Isso porá termo oficial à “Silly Season” que agora bate o pleno. Virão os professores de Mário Nogueira com os seus sempre não resolvidos problemas, de que muitos tratam metendo baixa ou arranjando requisições para tudo e mais uma coisa, menos essa vida horrível de dar aulas. De seguida, vai-se a falar do Orçamento do Estado. Ouviremos o governo garantir que vai compensar, aumentar, multiplicar, contratar, fixar para mais x e y, mas só para aqueles que ganham, por exemplo, até 622 euros e 30 cêntimos, os quais já têm subsídios e isenções acumulados que os colocam acima da classe média nacional (uma das mais miseráveis da União Europeia). Vai ser um maná e um bodo aos pobres verbal, o qual possivelmente começará a ser antecipado por António Costa já hoje no debate do Estado da Nação. Jornais e TVs serão, depois de agosto, infestados de notícias sobre grandes benfeitorias. Vai-se proclamar bem alto mais uma baixa de impostos, certamente daquelas que só foram sentidas por quem dispõe de um golden visa, viva no Algarve e se abasteça em Ayamonte de combustíveis e alimentos. É bem possível, em contrapartida, que haja boas novidades sobre a exploração da CP, Carris, Transtejo e Soflusa, dado o número de dias em que estiveram paradas em greves e plenários. António Costa vai explicar que a culpa do que está menos bem é do povo, havendo agora grande vontade para dialogar com carinho com Montenegro, desaparecida que está a geringonça. O que não puder ser imputado ao povo será subliminarmente atribuído pela imprensa afeta a Costa a Pedro Nuno Santos, criatura que teve o desplante de apresentar um plano para um aeroporto não apenas provisório como inevitavelmente será o Montijo. O presidente Marcelo dará diligentemente umas explicações sobre os temas mais embaraçosos, a fim de passar para fora uma imagem positiva da estabilidade do país. O PSD fará o seu caminho “Fénix”, voltando em festa a partir do Algarve e não de Viana do Castelo como Rio tinha sonhado. O partido irá subindo nas sondagens dado que passou a ter um líder e uma equipa competentes. Para compensar, Ventura terá de ser ainda mais radical, falará de novas vergonhas e pedirá mais tempo de prisão para toda a gente; Catarina lembrará que há ainda 235 questões fraturantes a merecer legislação; Jerónimo irá anunciar a Festa do Avante como uma gigantesca manifestação popular contra o nazismo ucraniano e da NATO e Cotrim vai enunciar as vantagens de privatizar a PSP. Nessa altura, o Almirante Melo dará uma importante entrevista sobre os livros que leu nas férias (terão sido biografias de improváveis figuras que mudaram o destino de nações inteiras). Até lá espera-se que esteja resolvida a complexa questão de saber se o método de escolha dos árbitros de futebol volta a mudar pela vigésima sétima vez e para onde vai jogar Ronaldo. Afinal trata-se (mesmo) do português mais conhecido de sempre e que mais alegrias deu à Pátria, ultrapassando Eusébio, Figo, Fernando Pessoa, Vasco da Gama e Magalhães (que o mundo inteiro persiste em considerar espanhol). Já houve e haverá, portanto, muito déjà vu, talvez até mesmo uma nova derrocada económica para a qual já faltou mais. Mas haja calma porque será nomeada uma comissão para estudar um plano de contingência quando isso suceder, a qual se juntará às mais de mil que existem e nunca produziram qualquer documento, desde logo porque não têm sede nem todos os seus membros tomaram posse, panorama que não impede que alguns recebam as respetivas prebendas.
2) Mais de 130 universidades e politécnicos estiveram reunidos no âmbito da Associação de Universidades de Língua Portuguesa (AULP), sendo anfitriã e organizadora a Universidade de Coimbra. O tema foi a Globalização da Saúde e participaram instituições de todos os países lusófonos e de Macau. Nos últimos anos, a UC tem feito um trabalho gigantesco e planeado, a fim de voltar a ser o elo principal de ligação entre academias de língua matricial portuguesa, o que, naturalmente, induz a expansão a outras áreas essenciais. Enquanto uns cantam como as cigarras, a UC e sua Reitoria – com destaque para o Reitor, Amílcar Falcão, e o Vice-Reitor, João Nuno Calvão da Silva, que é também o atual presidente da AULP – lançam e executam projetos, aumentando ainda mais a rede de Alumni por todo o mundo. A Universidade de Coimbra é a formiga que não para no pico do verão. Um exemplo!
3) Já aqui se referiu na semana passada a agitação que reina no mundo dos media com tomadas de posição de novos parceiros, o que pode indiciar que o mundo da comunicação não está de rastos e até interessa. Oxalá seja por motivos nobres e não para jogos de influência. No meio das movimentações que ocorrem há uma, mais antiga, a que os poderes escrutinadores pouco ligaram, apesar de ser estratégica. Trata-se da Lusa que está agora 49% nas mãos de um grupo económico com muitos ramos, liderado por Marco Galinha, e que, entre muitas coisas, detém a Global Média que controla o DN, JN, Dinheiro Vivo e TSF. Por essa via, detinha cerca de 23% do capital da Lusa, sendo que comprou a posição do grupo de Balsemão, que era sensivelmente igual. Uma operação eficaz em termos de influência. Há investimentos discretos que valem a pena, sobretudo quando alguns dos principais responsáveis editoriais se pelam por opinar nas televisões, em vez de cultivarem o anonimato própria dos “agencistas”, a escola jornalística mais rigorosa e isenta.