parece que manuel bandeira, que adorava as crónicas de Ruben Braga, costumava perguntar-lhe, volta e meia: “Como é? Hoje tem assunto para escrever a crônica?” Com acento circunflexo, pois então, em brasileiro crônica é crônica e não há como um brasileiro para escrever crônicas. Depois, esfregava as mãos de contente: “Ah! Não tem assunto? Então vai sair óptima!”
Dizia-se à boca cheia que Ruben não lia quase nada. Os sermões do Padre António Vieira (ora Rilhafoles!, só isto já é ler muito!), jornais, revistas e a lista telefónica. Talvez o inspirasse para dar nome às personagens. José Lins do Rego, outro cronista de grandíssimo calibre, afirmava sobre o colega: “O diabo que o carregue.
Diz que não lê nada, mas sabe de tudo!” Se não tinha assunto, Ruben Braga escrevia, por exemplo, sobre o lombo de porco: “O lombo era o essencial, e a sua essência era sublime. A faca penetrava nele tão docemente como a alma de uma virgem pura entra no céu. A polpa se abria, levemente enfibrada, muito branquinha, desse branco leitoso e doce que têm certas nuvens às quatro e meia da tarde na Primavera”.
Não é Primavera, mas são quatro e meia da tarde, e o céu dos Olivais Sul não tem nuvens que me façam lembrar lombos de porco ou escrever sobre lombos de porco. É por isso que não posso ser Ruben Braga, a quem chamaram o Sabiá da Crônica (sempre com ^), exatamente porque escrevia com a leveza de um passarinho.
Tenho sempre uma ligeira inveja (muito ligeira, quase vegetal) destes cronistas de mão-cheia, destes velhos jornalistas que correram o mundo reportando os acontecimentos, entrevistando os protagonistas.
Ruben Braga, que viu cair os nazis em Itália, assistiu às eleições de Perón e Eisenhower, entrevistou Picasso e Evita, escreveu de si próprio: “Como Quincas Cigano (meu tio), eu também só tenho caçado brisas e tristezas”. Ah! Não vale esquecer o lombo! Não se pode esquecer o lombo!