Sinto o cheiro da salsugem, ouço o miado das gaivotas, espreguiço-me dentro daquele limbo que existe entre o que já foi e o que ainda há. Durante muitos anos, na praia da Barra, fazíamos disputar o Campeonato do Mundo dos Finos entre o Café Farol e o Márito. O fino não é coisa com que se brinque e aqui nunca ninguém brincou com eles. Têm mais gás do que em qualquer outro lugar do planeta, assim que eu me lembre de repente, sem filtros. Uns dizem que é por os copos serem lavados com água salgada, outros afirmam que é por via de uns riscos que fazem no fundo dos copos. A verdade é que fervem. Um borbulhar intenso que deleita a vista e provoca um prazer impossível de descrever à medida que, de golada, o fino se esvazia. Houve um escritor francês que teve a ideia de escrever um livro intitulado La Première Gorgée de Bière et Autres Plaisirs Minuscules. Philippe Delerm: cheguei a conhecê-lo, fazia crónicas para o L’Équipe. Lembro-me bem do meu primeiro golo de cerveja e estou em completo desacordo com Philippe: é um prazer com nada de minúsculo.
Ou melhor, foi um prazer maiúsculo. Tinha saído da praia com o meu pai, levava a garganta seca de uma futebolada na areia molhada (outro prazer maiúsculo) e fomos almoçar ao Sol-e-Mar ou ao Mar-e-Sol, existiam ambos, ficavam mais ou menos em frente um do outro, de cada lado da rua que sai da Barra em direção à Costa Nova. Era fedelho mas o meu pai, com toda aquela generosidade que o preenche, deixou-me beber um fino para acompanhar o bitoque. Podia, como Philippe, escrever um livro inteiro sobre o assunto mas não sei como começar. Não há nada que valha um golo de cerveja quando o calor sobe nos termómetros como uma lagartixa pelas paredes. Este nada, para mim é definitivo! Aliás, recomponho a frase: não há nada que valha um golo de cerveja. Só, talvez, o primeiro de todos. Desculpem mas contra argumentos não há factos.