Com uma cimitarra de couve


Sei que, na maioria, a gente de Águeda já não se importa, deixou de se importar. Aceitou a destruição dos lugares que eram seus com a naturalidade irreversível do tempo que passa e não volta mais. Tenho pena que  o meu querido Zé Cura Mariano tenha decidido ir tão cedo à procura dos segredos da…


Este meu lugar que foi Águeda e é, como diria O’Neill, cada vez mais uma coisa em forma de Águeda, faz-me mergulhar na nostalgia de um tempo em que o betão ainda não tinha tomado conta de tudo, quando havia regras que controlavam a ávida ambição dos empreiteiros e as velhas casas, dispostas em cascata até ao rio, fizeram com que Adolfo Portela lhe desse o nome de Águeda-a-Linda que entretanto deixou de merecer.

A casa dos meus avós tornou-se, para mim, um emblema da resistência. No fundo do jardim, o edifício do CEFAS, que pertence à igreja, cresceu como um prédio nas costas do antigo cinema, apagando o sol dos pessegueiros, as duas casas do outro lado da rua estão ao abandono e não tardarão, certamente, a ruir para que cresçam edifícios modernos em seu lugar, Alta Vila rendeu-se aos arranha-céus, o Adro foi selvaticamente invadido por andares que têm uma alegre vista sobre o cemitério onde, na nossa infância, o Ernestinho Ruella, sempre elegante no seu fato enlutado, ia todos os fins de tarde ler o Primeiro de Janeiro junto à campa da mulher.

Ouço, como disse o meu amigo Chico Buarque, o barulho dos cabelos a embranquecer e sei que, depois de mim, não virá mais ninguém para se entrincheirar na Casa de São Bernardo e erguer a bandeira da independência contra o avanço do cimento ao som metálico e sinistro dos guindastes. Não estarei cá para doer a perda, mas vou doendo por dentro só de imaginar o que o futuro trará.

Sei que, na maioria, a gente de Águeda já não se importa, deixou de se importar. Aceitou a destruição dos lugares que eram seus com a naturalidade irreversível do tempo que passa e não volta mais. Tenho pena que  o meu querido Zé Cura Mariano tenha decidido ir tão cedo à procura dos segredos da eterna saudade.

Sei que estaria ali, na minha frente, na sua casa também de conselheiros, erguendo a sua cimitarra de talo de couve como Sandokan enfrentando os cipaios que surgiam por toda a parte vindos do jardim de baixo onde a água do poço ainda obedece à nora. Aos 12 anos tinha uma ligeira desconfiança de que acabaria por envelhecer. Ele não. Continua menino. Seja aonde for.

Com uma cimitarra de couve


Sei que, na maioria, a gente de Águeda já não se importa, deixou de se importar. Aceitou a destruição dos lugares que eram seus com a naturalidade irreversível do tempo que passa e não volta mais. Tenho pena que  o meu querido Zé Cura Mariano tenha decidido ir tão cedo à procura dos segredos da…


Este meu lugar que foi Águeda e é, como diria O’Neill, cada vez mais uma coisa em forma de Águeda, faz-me mergulhar na nostalgia de um tempo em que o betão ainda não tinha tomado conta de tudo, quando havia regras que controlavam a ávida ambição dos empreiteiros e as velhas casas, dispostas em cascata até ao rio, fizeram com que Adolfo Portela lhe desse o nome de Águeda-a-Linda que entretanto deixou de merecer.

A casa dos meus avós tornou-se, para mim, um emblema da resistência. No fundo do jardim, o edifício do CEFAS, que pertence à igreja, cresceu como um prédio nas costas do antigo cinema, apagando o sol dos pessegueiros, as duas casas do outro lado da rua estão ao abandono e não tardarão, certamente, a ruir para que cresçam edifícios modernos em seu lugar, Alta Vila rendeu-se aos arranha-céus, o Adro foi selvaticamente invadido por andares que têm uma alegre vista sobre o cemitério onde, na nossa infância, o Ernestinho Ruella, sempre elegante no seu fato enlutado, ia todos os fins de tarde ler o Primeiro de Janeiro junto à campa da mulher.

Ouço, como disse o meu amigo Chico Buarque, o barulho dos cabelos a embranquecer e sei que, depois de mim, não virá mais ninguém para se entrincheirar na Casa de São Bernardo e erguer a bandeira da independência contra o avanço do cimento ao som metálico e sinistro dos guindastes. Não estarei cá para doer a perda, mas vou doendo por dentro só de imaginar o que o futuro trará.

Sei que, na maioria, a gente de Águeda já não se importa, deixou de se importar. Aceitou a destruição dos lugares que eram seus com a naturalidade irreversível do tempo que passa e não volta mais. Tenho pena que  o meu querido Zé Cura Mariano tenha decidido ir tão cedo à procura dos segredos da eterna saudade.

Sei que estaria ali, na minha frente, na sua casa também de conselheiros, erguendo a sua cimitarra de talo de couve como Sandokan enfrentando os cipaios que surgiam por toda a parte vindos do jardim de baixo onde a água do poço ainda obedece à nora. Aos 12 anos tinha uma ligeira desconfiança de que acabaria por envelhecer. Ele não. Continua menino. Seja aonde for.