Pela ranhura do amarelo


Gosto de que os meus amigos gostem dos meus lugares. 


As hidrângeas da minha mãe estão em flor, enchendo o jardim de azuis e roxos, o limoeiro da entrada tem os ramos dobrados até ao chão com o peso dos limões grandes de um amarelo-repousante, claro e límpido, não como os amarelos de Van Gogh que nos provocam inquietações difíceis de conter e que tanto podem levar um homem a abraçar-se ao pescoço de um cavalo chorando amargamente como Nietzche ou a cortar uma orelha para oferecer a uma prostituta.

Depois, o mestre-dos-amarelos diria, quase envergonhado: “Era uma coisa que eu tinha de fazer…” O meu querido Bernardo Trindade, o Nuno Miguel Guedes, a Sara e a Rosinha, sentam-se na varanda da madeira por onde costuma entrar um cheiro intenso de laranjas e o zumbido de alguma abelha confusa, também ela amarela às riscas pretas, entontecida pelo polén das rosas de Santa-Teresinha que se apoiam na parede branca da antiga cocheira que agora serve de armazém ao Maia, mesmo em frente de três vidraças grandes carregadas com um brique-à-braque infinito de objetos de plástico para os quais alguém encontrará uma utilidade qualquer.

Recordo de o Osvaldinho tomar conta do stand que aí havia, há tantos anos já, e de irmos dar umas voltas até ao adro montado em cada novo trator que ele acabava de receber; recordo a figueira-pingo-de-mel que se apertava no canto, junto à porta onde se amontoavam a Laura e o Armando (e os filhos, os Matateus) vá lá saber-se como, do sol a pino do meio-dia, também ele de uma amarelidão total no momento em que soava a buzina da fábrica da telha a anunciar a hora do almoço.

Gosto de que os meus amigos gostem dos meus lugares. Deste lugar luminoso que parece vir directamente da infância para o domingo que corre plácido, deste tempo que parece não ter tempo e da velha frase de Neruda quando viu a silhueta de um gato: “Seus olhos amarelos deixaram  uma só ranhura para pôr as moedas da noite”. Uma cor raramente é só uma cor.

Pela ranhura do amarelo


Gosto de que os meus amigos gostem dos meus lugares. 


As hidrângeas da minha mãe estão em flor, enchendo o jardim de azuis e roxos, o limoeiro da entrada tem os ramos dobrados até ao chão com o peso dos limões grandes de um amarelo-repousante, claro e límpido, não como os amarelos de Van Gogh que nos provocam inquietações difíceis de conter e que tanto podem levar um homem a abraçar-se ao pescoço de um cavalo chorando amargamente como Nietzche ou a cortar uma orelha para oferecer a uma prostituta.

Depois, o mestre-dos-amarelos diria, quase envergonhado: “Era uma coisa que eu tinha de fazer…” O meu querido Bernardo Trindade, o Nuno Miguel Guedes, a Sara e a Rosinha, sentam-se na varanda da madeira por onde costuma entrar um cheiro intenso de laranjas e o zumbido de alguma abelha confusa, também ela amarela às riscas pretas, entontecida pelo polén das rosas de Santa-Teresinha que se apoiam na parede branca da antiga cocheira que agora serve de armazém ao Maia, mesmo em frente de três vidraças grandes carregadas com um brique-à-braque infinito de objetos de plástico para os quais alguém encontrará uma utilidade qualquer.

Recordo de o Osvaldinho tomar conta do stand que aí havia, há tantos anos já, e de irmos dar umas voltas até ao adro montado em cada novo trator que ele acabava de receber; recordo a figueira-pingo-de-mel que se apertava no canto, junto à porta onde se amontoavam a Laura e o Armando (e os filhos, os Matateus) vá lá saber-se como, do sol a pino do meio-dia, também ele de uma amarelidão total no momento em que soava a buzina da fábrica da telha a anunciar a hora do almoço.

Gosto de que os meus amigos gostem dos meus lugares. Deste lugar luminoso que parece vir directamente da infância para o domingo que corre plácido, deste tempo que parece não ter tempo e da velha frase de Neruda quando viu a silhueta de um gato: “Seus olhos amarelos deixaram  uma só ranhura para pôr as moedas da noite”. Uma cor raramente é só uma cor.