Dia 31 de março de 1883. Antes de dar início ao encontro da 13.ª Final da Taça de Inglaterra entre o Blackburn Olympic e o Old Etonians, no Kennington Oval, em Londres, envolvido por uma razoável multidão, para a época, de oito mil espetadores, o major Francis Marindin não fazia ideia de que estaria no centro de um dos jogos mais marcantes da história do futebol inglês de todos os tempos. Se os rapazes do Colégio de Eton, uma instituição fundada em 1440 pelo Rei Henrique VI, eram a personificação do elitismo, os homens que vinham do norte eram devotados ao desprezo, de tal forma que, na véspera, um jornal de Londres tinha feito referência “às hordas de selvagens que se deslocaram à capital, vestidos grosseiramente e fritando palavrões”. Vale que, tal como sucedera no ano anterior, em que se tinham encontrado igualmente no encontro decisivo da FA_Cup (vitória por 1-0 do Old Etonians), regressariam a casa de rabo entre as pernas, submetidos à superioridade de gente mais firme, mais disciplinada e, sobretudo, mais bem educada.
Não estavam, apenas, frente-a-frente, duas conceções sociais díspares. Também no estilo de jogo praticado, uns e outros eram significativamente diferentes. Comandado por um banqueiro excêntrico, Lord Kinnaird, verdadeiramente o primeiro grande ídolo do futebol nas ilhas britânicas, os jogadores do Old Etonians eram adeptos de um jogo mais individual, bem ao género daquele que era ensinado nas chamadas public schools, enquanto o Blackburn assumia a solidariedade operária dos empregados das fábricas da região, adotara o passing game trazido pelos escoceses que, entretanto, tinham caminhado para sul em busca de melhores condições de trabalho nas cidades industriais inglesas. Na sua habitual farronca, a imprensa londrina considerava o Blackburn um pobre adversário para os meninos ricos de Eton. Mas acabou por ter de engolir as suas palavras pouco refletidas.
O grito dos operários!
É com naturalidade que os Etonians inauguram o marcador ao passar da meia-hora com um golo de Goodhart, mas no segundo tempo Matthews aboté o empate. A disputa está rija. “Sob o olhar atónito do público, o Blackburn Olympic espalha um jogo de passes colectivos, pondo em cena a entreajudo própria da sua condição operária”, escreve um cronista presente, sem abdicar de sublinhar com um toque de condescendência a condição operária dos nortenhos.
O jogo obrigou a um prolongamento e foi decidido a favor do Blackburn através de um golo de Costley aos 107 minutos. Jimmy Costley, um fiador de apenas 21 anos, com um remate colocado, bate o guarda-redes John Rawlinson, grande advogado de Londres e futuro deputado pelo Partido Conservador.
Ah! Pois… Eram assim as coisas…
Pela primeira vez uma equipa de raízes profundas no operariado conquistava a Taça de Inglaterra pondo em causa a superioridade revelada até então pelo futebol da grande burguesia. Os habitantes de Blackburn estão orgulhosos da sua rapaziada, obrigam-na a desfilar pela cidade e preparam uma receção oficial nos paços do concelho. Albert Warburton, o capitão que erguera o troféu, levanta a sua voz firme de canalizador sobre o zunir das conversas: “Aqui é o lugar verdadeiro da Taça de Inglaterra. No centro do trabalho duro deste país. Nunca mais voltará a Londres!” É evidentemente um exagero. Mas expresso com firmeza. Os clubes operários da Grande Ilha recusavam-se, a partir daí, a assumir um papel secundário.