Bastaram 50,44% dos votos dos colombianos para que Gustavo Petro chegasse, à terceira vez (já se tinha candidatado em 2010 e 2018), à Presidência da República colombiana. Para trás ficaram as figuras que combateu durante largos anos, entre elas o milionário Rodolfo Hernández, de 77 anos, conhecido por alguns como o ‘Trump colombiano’.
Nascido em 1960 na pequena cidade de Ciénaga de Oro, não muito longe da pitoresca Montería, acabou por crescer em Bogotá e, mais tarde, em Zipaquirá. Conta com um percurso recheado de peripécias e encontros polémicos no mundo da política sul-americana, ocupando ao longo da sua carreira os cargos de senador, membro da Câmara de Representantes e presidente da autarquia da capital do país, entre 2012 e 2015. Agora, sobe ao lugar máximo do Governo colombiano.
Petro – cujo bisavô emigrou para a Colômbia desde o sul de Itália em 1870, o que lhe valeu um passaporte italiano na atualidade – é filho de pai conservador e mãe liberal, acabando por ser educado por padres lassalistas num ambiente de classe média. É casado e tem seis filhos, a miopia é uma constante na sua vida, e os estudos levaram-no à Universidad Externado de Colombia, onde se tornou economista.
Isto, no entanto, depois de a sua vida ter dado uma curva que a marcaria para sempre, e que deixaria uma bagagem que até hoje o persegue. Aos 17 anos, Petro juntou-se ao Movimento 19 de Abril (M-19), uma organização guerrilheira que contestava a alegada fraude eleitoral que, em 1970, levou Misael Pastrana Borrero ao poder.
‘Aureliano’ era o seu nome dentro da guerrilha, em homenagem ao coronel Aureliano Buendía, personagem da novela Cem Anos de Solidão, do colombiano Gabriel García Márquez. Só em 1984, no entanto, é que Petro tornaria pública a sua militância nesta guerrilha, numa altura em que a mesma se encontrava num período de conversações de paz.
Mas pouco duraram essas conversações e, em 1985, Petro acabou capturado pelo Exército colombiano, por porte ilegal de armas, acabando condenado por conspiração. A sua detenção durou até 1987, ano em que acabou por se juntar a outros guerrilheiros do M-19 em mais uma série de conversas de paz com o Governo então liderado por Virgilio Barco. A paz seria, finalmente, alcançada em 1990.
Da guerrilha à política Depois vieram os anos da política: Petro fundou o partido político Alianza Democrática M-19 (AD M-19), e sob esse nome participou na Assembleia Constituinte colombiana de 1991, berço da Constituição desse país. É nesta época que tem o primeiro contacto com um dos homens que mais têm servido como ‘carne para canhão’ aos seus opositores nestas últimas eleições presidenciais: em 1994, Petro encontrava-se com Hugo Chávez, que apenas dois anos havia liderado o golpe de Estado na vizinha Venezuela.
Na altura, o mote do encontro prendia-se com um evento sobre o ‘pensamento bolivariano’ na Fundação Cultural Simón Rodríguez, em Bogotá, mas a correlação entre Chávez e Petro não se ficou por aí. A oposição ao agora eleito Presidente da Colômbia bateu-se por criar um paralelismo entre os dois políticos latino-americanos, acusando Petro de querer tornar a Colômbia numa “segunda Venezuela” e numa “terceira Cuba”. Se é certo que ambos estiveram reunidos naquele evento de 1994, e que Petro já elogiou publicamente Chávez, o discurso variou ao longo dos anos.
“Conheci Chávez há 19 anos, ele não era presidente e eu também não era autarca, descemos a Sétima Avenida e conversámos sobre os sonhos do Libertador [Simón Bolívar], construímos uma ilusão política de como se constrói a justiça social e como Bolívar pode reviver unindo a diversidade latino-americana. Vou despedir-me de um homem imenso que conseguiu reduzir a pobreza como nenhum outro governante latino-americano”, declarou Petro quando se dirigia a Caracas para o funeral de Chávez. Nem sempre foi, no entanto, tão elogioso.
Numa entrevista ao jornal colombiano Semana, Petro acusou Chávez de ter falhado na tentativa de “desligar a Venezuela do petróleo”. E mais: num livro autobiográfico, Petro disparou: “Chávez foi meu amigo e respeitei o seu processo, mas fiquei com muitas dúvidas quando, na fase final, tentou imitar o modelo cubano”.
Obstinação Desde sempre que o próprio Gustavo Petro se define a si mesmo como um “revolucionário obstinado”, e a sua ascensão ao poder na Colômbia tem causado uma onda de reações várias de uma ponta à outra do país. Ora o enaltecem como o homem indicado para resolver todos os problemas do país, ora o comparam a Chávez e Fidel, augurando os mesmos resultados de inflação e escassez que as políticas destes presidentes tiveram ao longo dos anos na Venezuela e em Cuba.
Mas Petro prefere o termo “progressista” a “esquerdista”, até para se afastar das guerrilhas marxistas que assombram a Colômbia há décadas.
Isto depois de uma carreira já por si polémica, que resultou, conforme o próprio já revelou, em várias ameaças de morte e até num exílio na Europa que durou três anos.
No seu programa, o que não faltam são propostas polémicas: Petro quer, por exemplo, reformar a polícia colombiana, envolvida em alegadas violações dos direitos humanos, bem como regular as promoções nas Forças Armadas, que considera serem classistas. Aliás, esta será a primeira vez que as Forças Armadas colombianas vão jurar lealdade a um ex-guerrilheiro.
Petro quer ainda colocar um travão na exploração de petróleo na Colômbia, cujo comércio representa 4% do PIB, num passo a caminho da transição energética para energias renováveis; bem como criar um Estado mais forte e aumentar os impostos cobrados aos mais ricos.