Muller sem ¨


O Muller jogava como ninguém, mas a defesa do Samora Correia era feita de papel vegetal. Nunca ganhar uma aposta foi tão fácil. 


O Hugo, que conduz o bolt que me devolve aos Olivais-Sul pela noite dentro, é ele próprio dos Olivais-Sul. Viveu na Rua do Dondo, que tinha a alcunha de Bairro dos Índios, e na qual viviam muitos agentes da GNR, nesse hábito muito olivalense de haver prédios de professores, de militares, de juízes e o diabo a quatro.

É mais novo do que eu dez anos, não conhece muita gente do meu tempo adolescente, mas sabe quem é o Janeca, esse moço excelente ao qual a tropa destruiu a vida num tempo sem guerra, e o Manel Padeiro, pai do meu amigo Rui Ribeiro, aquele que jogava melhor à bola do que todos nós e gastava os intervalos (e as baldas às aulas), nos Viveiros, a massacrar toda a gente com fintas, deixando a equipa adversária toda para trás até que, frente à baliza, esperava por algum mais atolado que viesse a correr para lhe chutar a bola contras as pernas e o obrigar a fazer auto-golo.

Eu não gostava de fintas. Quero dizer, gostava de as ver nos outros, mas a minha ideia de jogar à bola era a de meter golos, golos e mais golos, de todas as maneiras e feitios, de preferência em pontapés-de-bicicleta. Onde o Rui usava a estética, eu preferia a prática. Não sei como ganhou o nome de Muller, assim mesmo, Muller sem ¨, um Muller à Olivais, nunca ninguém teve dúvidas que iria ser jogador, andou pelo Portimonense, Académico de Viseu, Beja, Alverca, Oriental e Olivais e Moscavide.

Às vezes aparecia na redação de A Bola e íamos, com o João Matias (por extenso Facadas), por sua vez o melhor guarda-redes dos Olivais, dar à taramela a um tasco qualquer. Depois fomos – A Bola tinha uma equipa quase profissional que jogava por todos os lugares do país às segundas-feiras – visitá-lo a Samora Correia.

O Muller já era treinador, afinal tem a mesma idade do que eu, apenas quatro meses mais novo, e eu prometi que fazia pelo menos três golos. Meteu aposta e tudo. O Muller jogava como ninguém, mas a defesa do Samora Correia era feita de papel vegetal. Nunca ganhar uma aposta foi tão fácil. Pena não ter havido lugar à desforra. Desculpa lá Rui, mas os joelhos já não deixam… Agora não prometo nada.

Muller sem ¨


O Muller jogava como ninguém, mas a defesa do Samora Correia era feita de papel vegetal. Nunca ganhar uma aposta foi tão fácil. 


O Hugo, que conduz o bolt que me devolve aos Olivais-Sul pela noite dentro, é ele próprio dos Olivais-Sul. Viveu na Rua do Dondo, que tinha a alcunha de Bairro dos Índios, e na qual viviam muitos agentes da GNR, nesse hábito muito olivalense de haver prédios de professores, de militares, de juízes e o diabo a quatro.

É mais novo do que eu dez anos, não conhece muita gente do meu tempo adolescente, mas sabe quem é o Janeca, esse moço excelente ao qual a tropa destruiu a vida num tempo sem guerra, e o Manel Padeiro, pai do meu amigo Rui Ribeiro, aquele que jogava melhor à bola do que todos nós e gastava os intervalos (e as baldas às aulas), nos Viveiros, a massacrar toda a gente com fintas, deixando a equipa adversária toda para trás até que, frente à baliza, esperava por algum mais atolado que viesse a correr para lhe chutar a bola contras as pernas e o obrigar a fazer auto-golo.

Eu não gostava de fintas. Quero dizer, gostava de as ver nos outros, mas a minha ideia de jogar à bola era a de meter golos, golos e mais golos, de todas as maneiras e feitios, de preferência em pontapés-de-bicicleta. Onde o Rui usava a estética, eu preferia a prática. Não sei como ganhou o nome de Muller, assim mesmo, Muller sem ¨, um Muller à Olivais, nunca ninguém teve dúvidas que iria ser jogador, andou pelo Portimonense, Académico de Viseu, Beja, Alverca, Oriental e Olivais e Moscavide.

Às vezes aparecia na redação de A Bola e íamos, com o João Matias (por extenso Facadas), por sua vez o melhor guarda-redes dos Olivais, dar à taramela a um tasco qualquer. Depois fomos – A Bola tinha uma equipa quase profissional que jogava por todos os lugares do país às segundas-feiras – visitá-lo a Samora Correia.

O Muller já era treinador, afinal tem a mesma idade do que eu, apenas quatro meses mais novo, e eu prometi que fazia pelo menos três golos. Meteu aposta e tudo. O Muller jogava como ninguém, mas a defesa do Samora Correia era feita de papel vegetal. Nunca ganhar uma aposta foi tão fácil. Pena não ter havido lugar à desforra. Desculpa lá Rui, mas os joelhos já não deixam… Agora não prometo nada.