Morreu na prisão “o jogador de xadrez” do narcotráfico, Gilberto Rodríguez Orejuela

Morreu na prisão “o jogador de xadrez” do narcotráfico, Gilberto Rodríguez Orejuela


Morreu na prisão, aos 83 anos, o narcotraficante que controlou, com a ajuda do irmão mais novo, Miguel, um autêntico império da cocaína que se estendia a diversos países e operava segundo uma filosofia empresarial, estando a operação sediada na cidade de Cali, na Colômbia, terra natal dos dois. 


Embora nenhuma causa da morte tenha sido avançada pelo advogado de Gilberto, o seu estado de saúde tinha vindo a deteriorar-se nos últimos anos, tendo sofrido dois ataques cardíacos, e já antes se debatera com cancro no cólon e na próstata. Em 2020, foi interposto um pedido para que, atendendo ao seu estado, lhe fosse mostrada compaixão para que pudesse esperar a morte noutras condições, mas o juiz negou o pedido.

Embora Gilberto Rodríguez Orejuela tenha sido o arquiteto de uma operação de produção e tráfico de cocaína que superou na dimensão e nos lucros a do cartel rival liderado por Pablo Escobar, o reinado de terror que este impôs, numa guerra aberta a quem quer que o desafiasse, fez com que, até aos nossos dias, tenha sido o cartel de Medellín a assumir protagonismo sempre que se fala nas redes de narcotráfico que operam a partir da Colômbia. Mas enquanto Escobar investia na excentricidade e mergulhava o país num banho de sangue, conquistando o imaginário popular e imortalizando a sua lenda, os irmãos Orejuela preferiram aprender com o diabo a sua lição essencial que, segundo se diz, terá passado por nos convencer de que não existe. E se a morte de Gilberto foi noticiada de forma bem mais discreta, nem tendo agraciado as capas dos jornais, isto diz-nos muito da sua estratégia de discrição, contrariando a abordagem do seu arqui-inimigo, que fez guerra aberta às autoridades, e matou centenas de polícias, preferindo trazer as pessoas para a sua esfera de influência, através de subornos e de uma série de alianças, investindo e operando em simultâneo uma série de negócios legítimos. Assim, a maioria dos lucros obtidos com o tráfico eram depois canalizados para um vasto portefólio de instituições financeiras, drogarias e até uma equipa de futebol, funcionando todas em rede de forma a lavar o dinheiro e penetrar em todas as esferas do poder, evitando travar conflitos desnecessários. O certo é que não demoraria muito para que esta visão do tráfico como um jogo de xadrez levou o cartel de Cali a assumir depressa proeminência, com Gilberto a tecer uma vastíssima e sensível teia empregando uma série de informadores, centenas de taxistas, funcionários de hotéis e trabalhadores da construção civil, isto para ter olhos e ouvidos em toda a parte, e conhecer de antemão qualquer ação que fosse tomada pelas autoridades e que pudesse prejudicar os seus interesses. Gilberto foi mesmo ao ponto de manter os telefones da embaixada norte-americana sob escuta. Enquanto a abordagem brutal de Escobar cedo levou o cartel de Medellín a desmoronar-se, o de Cali apostou em perpetuar-se, conhecendo o tabuleiro, as peças, as regras, e prevendo as jogadas dos inimigos. Em 1994, os irmãos Orejuela contribuíram com milhões para a campanha presidencial de Ernesto Samper Pizano, que viria a alcançar a vitória, tendo depois negado saber a proveniência daquele dinheiro.

Se Escobar continua a reinar nas tantas produções que, de forma mais ou menos realista, não evitam produzir uma imagem romântica destes grandes barões do narcotráfico, à medida que a ficção estuda em detalhe os aspetos desta realidade, começa a ser extraído das sombras o perfil desse líder que prefere não atrair as atenções, e Gilberto é o artigo original, a figura que foi emergindo como o cérebro, aquele que preferia uma abordagem sedutora, que chegava a citar poesia e preferia ocupar-se dos negócios legais, deixando para o irmão a gestão do outro lado daquela imensa operação. E se estava longe de ser um pacifista, ou sequer de recorrer à violência apenas em última instância, a razão porque era conhecido como o “xadrezista” era porque Gilberto sabia que esta não só atraía a atenção das autoridades como é difícil de prever ou controlar, tornando-se um convite ao caos. Se a política de Escobar era a de ordenar o assassinato de um inimigo em plena luz do dia e num sítio bastante movimentado, o cartel de Cali preferia que as peças saíssem do tabuleiro sem estardalhaço. Os seus inimigos simplesmente desapareciam. E o facto é que, graças a esta perspetiva bem mais pragmática e estratégica, o cartel de Cali conseguiu manter uma lucrativa relação com a Camorra em Itália, e, a partir da década de 1980, superou Medellín no domínio do mercado global de cocaína. Para se ter uma ideia do sucesso da operação, no seu auge, em meados dos anos 1990, depois de Escobar ser abatido numa troca de tiros com a polícia, Cali controlava cerca de 80% do tráfico nos EUA e 90% na Europa. As autoridades norte-americanas estimavam que, nesses anos, o cartel registasse lucros de 7 mil milhões de dólares só com a cocaína que punha a circular nos EUA. Mas se a morte de Escobar inicialmente foi um triunfo para o cartel rival, a verdade é que este servia de para-raios. Tendo às tantas assumida a postura do “quem não está connosco está contra nós”, Escobar ordenou que várias bombas atingissem os negócios legais do seu rival, e provocou 27 mortes entre os funcionários de Gilberto, mas a partir do momento em que saiu de cena, o governo virou a sua atenção para sul, para Cali, e depois de anos a esconder-se, em 1995, Gilberto foi preso pela primeira vez, depois de ser descoberto num compartimento secreto por trás da televisão de uma das suas muitas casas. Miguel seria preso pouco depois, e os dois foram condenados por tráfico de droga, mas as penas eram relativamente leves, e foram colocados, juntamente com tantos dos seus associados, na mesma prisão, o que lhes permitiu continuar a operar o cartel. Depois de serem libertados em 2002, os EUA pediram a sua extradição com base em novas acusações, e obtiveram-na. Em 2006, os irmãos Orejuela viriam a dar-se como culpados num tribunal de Miami dos crimes de conspiração para importar cocaína e lavar os proventos do tráfico, sendo condenados cada um a 30 anos de prisão.