Mobilidade. Carro elétrico só compensa se carregar em casa

Mobilidade. Carro elétrico só compensa se carregar em casa


Comprar um elétrico continua a ser melhor negócio do que um carro a combustão. Mas, no panorama atual, só compensa se carregar em casa. Com taxas e impostos, o carregamento na rede pública pode surpreender os utilizadores com valores exorbitantes.


Desde outubro do ano passado que os preços da eletricidade no mercado grossista têm sofrido aumentos consecutivos a reboque das variações no preço do petróleo, do gás natural e do carvão. Cenário que se tem prolongado no tempo dada a guerra na Ucrânia e a grande imprevisibilidade sobre a duração deste conflito e de outros fatores dele decorrentes como, por exemplo, a imposição de sanções, que tem grande impacto sobre os preços do gás e por consequência no preço da eletricidade.

Em Portugal, o Governo aprovou esta semana uma legislação que estabelece um teto no valor do gás natural que é usado na definição dos preços da eletricidade, o que permitirá baixar o custo da energia para os consumidores expostos à variação dos valores no mercado.

Contudo, e apesar dos vários esforços do Governo através de um desconto nas faturas pago pelo Fundo Ambiental, a situação não tem dado tréguas à mobilidade elétrica e os utilizadores de veículos elétricos têm sentido na carteira o encarecimento dos carregamentos, especialmente na rede pública.

Segundo cálculos da Deco Proteste sobre o custo do carregamento, tendo por base um consumo médio de 18 kWh (quilowatt hora) por 100 quilómetros e preços de energia da Galp, ao final de um ano o custo do carregamento na rua por 15 mil quilómetros ficaria nos 1188 euros.

Em comparação, carregar em casa ao final de um ano pode traduzir-se numa poupança abismal. Em seis cenários distintos, que já contemplam a compra de um carregador wallbox com ligação à Mobi.E, designada como Entidade Gestora da Rede de Mobilidade Elétrica (EGME), com a comparticipação do Estado, a Deco Proteste chega à conclusão que sai sempre mais barato o carregamento em casa.

Para quem tem uma wallbox sem entrar na rede Mobi.e, ou seja sem a ajuda do Governo, em horas de vazio – período mais barato na tarifa bi-horária –, carregar 15 mil quilómetros terá um custo de 428 euros. Se for em horas fora de vazio, o consumidor irá pagar 748 euros.

Caso, tenha instalado uma wallbox com ligação à Mobi.E, no primeiro e segundo ano de contrato, vai pagar 585 euros em horas de vazio e 738 euros em horas fora de vazio. Depois desses dois anos, no período mais barato este valor aumenta para os 607 euros e no período mais caro para os 748 euros.

Feitas as contas, em qualquer um destes cenários, o custo fica a umas largas centenas de euros dos 1188 euros que os utilizadores da rede pública são obrigados a pagar.

 

Carregamentos em número recorde

Apesar de tudo, os preços acrescidos não têm afastado os consumidores. Segundo dados divulgados na segunda-feira, a rede nacional de carregamento de veículos elétricos Mobi.E registou mais de 717 mil carregamentos, nos primeiros quatro meses do ano, o que se traduz numa subida de 79% face ao período homólogo de 2021. Abril foi o melhor mês de sempre, com mais de 188 mil carregamentos efetuados por cerca de 28 mil utilizadores.

Já em termos de energia, registou-se um consumo de quase 10 mil megawatts-hora (MWh), um aumento de 112%, em relação ao mesmo período do ano passado.

 A rede tem vindo a crescer em número de postos, mas também no número de entidades que disponibilizam serviços aos utilizadores. Em março deste ano, a Mobi.e colocou 27 novos postos de carregamento ativos em Portugal, contando assim com mais de 2.500 postos e mais de 5 mil tomadas em todo o país, sendo que mais de 600 são de carregamento rápido ou ultrarrápido (potência superior a 22 kW).

Embora haja uma aparente facilidade em carregar o automóvel na rua, esta não é a opção que mais compense aos utilizadores, tal como já tinha explicado ao i o presidente da UVE – Associação de Utilizadores de Veículos Elétricos. E por uma razão simples: “Para ter eletricidade na rua é preciso um posto, que pode custar 2 mil euros, um posto normal, 20 mil euros, um posto rápido, ou 40 mil euros, um posto super rápido. Ou seja, há um custo adicional do investimento no equipamento”.

Ou seja, os operadores têm um custo adicional , quer com o equipamento, na sua aquisição, quer com a sua instalação e ligação à rede energética nacional, quer depois com a necessidade de fazerem a manutenção desse equipamento, que, no caso dos carregadores ultra-rápidos, obriga ainda à refrigeração líquida do próprio posto tal é a sua potência.

Portanto, para amortizar o custo do equipamento e para garantir a manutenção do mesmo “nos carregamentos na rede pública, há uma taxa de operação ou de ativação que depende do operador” e é essa taxa que faz também disparar o preço dos carregamentos na rede pública, apontava Henrique Sanchéz a este jornal em outubro do ano passado.

Para Alexandre Marvão, coordenador dos estudos de mobilidade da Deco Proteste, acresce que a rede pública ainda padece de algumas fragilidades que exigem a atenção da Mobi.e.

“Nas áreas fora dos grandes centros urbanos, a disponibilidade de carregadores continua a estar bastante limitada”, indica, acrescentando que para agravar a situação os consumidores denunciam a falta de informação relevante. “A rede pública carece de maiores desenvolvimentos, quer através de informação no local, quer de outros sistemas de informação que ajudem os condutores a escolher o posto e a perceber quanto vão efetivamente gastar em cada carregamento”, sinaliza o responsável.

 

Fim dos carros a combustão?

Com uma autonomia cada vez maior, há elétricos para todas as carteiras. Em Portugal, nos primeiros três meses do ano, venderam-se mais de 4300 carros deste segmento. Só no mês de março, nos automóveis ligeiros de passageiros, as vendas de elétricos ultrapassaram os veículos a gasóleo, segundo dados da UVE.

 Portugal parece estar efetivamente empenhado na descarbonização e esta meta é acompanhada pela União Europeia (UE). Na passada terça-feira, a proposta que a Comissão Europeia apresentou aos 27 Estados-membros, em julho de 2021, para banir, a partir de 2035, a comercialização de veículos equipados com motores de combustão, sejam eles a gasolina, gasóleo, GPL ou gás natural, aplicados em mecânicas eletrificadas (híbridas, híbridas ligeiras e híbridas plug-in), foi finalmente debatida e aprovada pelo Parlamento Europeu.

Partindo do pressuposto que um veículo circula, em média, durante 10 a 15 anos, dependendo do país, isto permitirá que a UE bana por completo a circulação de modelos com motores de combustão em 2050. Tal garantirá, como está previsto, que apenas circularão veículos totalmente elétricos a partir dessa data nas estradas da UE.

Em cima da mesa, estava igualmente reduzir em 55% as emissões de dióxido de carbono (CO2) em 2030, face aos valores de 2021, um salto considerável face aos atuais 37%. Mas os eurodeputados decidiram não apoiar esta proposta.

Apesar da maioria ter decidido não apertar ainda mais o controlo de emissões de CO2, resta saber qual será a posição em relação à forma de determinar emissões e consumos dos híbridos plug-in que, segundo o sistema em vigor, saem beneficiados, uma vez que as medições de consumo e emissões em condições reais de utilização estão desfasadas da realidade por um fator que varia entre 6 e 8, consoante o modelo.

O Parlamento Europeu votará as propostas sobre as emissões de CO2 nos próximos meses para negociar as regras finais.

Ao acelerar a mudança para veículos com zero emissões, a UE pretende combater um quarto das emissões provenientes dos transportes, que nos últimos anos têm vindo a aumentar.

Grandes fabricantes automóveis, como a Volkswagen e a Volvo, já anunciaram planos para parar a comercialização de carros com motor a combustão na Europa até 2035, mas alguns grupos do setor automóvel alertaram que metas tão ambiciosas só podem ser alcançadas se as instituições europeias apoiarem um investimento massivo na construção de infraestruturas de carregamento e no desenvolvimento tecnológico.

“Ao criarmos limites aos padrões de CO2, estimulamos a inovação e os investimentos para os fabricantes de automóveis”, defendeu, na sessão do Parlamento Europeu, Jan Huitema, um dos eurodeputados responsáveis pelas políticas de mobilidade, acrescentando que a ambição da UE deve ser igualmente tornar a condução de veículos elétricos mais barata.

Na agenda da UE constam também propostas, que deverão ser negociadas nos próximos meses, para exigir que os países instalem pontos de carregamento públicos em pequenos intervalos ao longo das principais estradas.