A polémica sobre os metadados


Os direitos fundamentais à privacidade e à protecção dos dados pessoais têm que ser defendidos no nosso país, sob pena de este deixar de ser um Estado de Direito.


A decisão do Tribunal Constitucional no seu Acórdão 268/2022 que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de várias disposições da Lei 32/2008, de 17 de Julho, relativa à conservação e transmissão de dados às autoridades para fins de investigação criminal, era inevitável e há muito esperada.

Efectivamente essa lei resultou da transposição da Directiva 2006/24/CE, a qual no entanto foi julgada inválida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no seu acórdão de 8 de Abril de 2014 (processos C 293/12 e C 594/12) precisamente por atentar contra os direitos à privacidade e à protecção dos dados pessoais, previstos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Essa decisão ocorreu por consulta do High Court irlandês e do Tribunal Constitucional austríaco, sabendo-se assim pelo menos desde 2014 que as disposições legais publicadas em aplicação da Directiva violavam direitos fundamentais, sendo consequentemente inconstitucionais.

Em consequência, e perante a clara disposição do art. 32º, n.º8 da Constituição, que considera nulas todas as provas obtidas em violação da vida privada e das telecomunicações, a prova resultante do recurso a metadados é nula e nunca poderia ser utilizada em tribunal.

Em Portugal, no entanto, não houve qualquer iniciativa para alterar uma legislação claramente desconforme com o quadro constitucional. Agora, no entanto, perante a óbvia decisão do Tribunal Constitucional, a Procuradora-Geral da República requereu que o mesmo limitasse os efeitos desta decisão para manter a validade da prova existente nos processos criminais em que tenha havido recurso a metadados.

É manifesto, no entanto, que tal pedido era absolutamente inviável, tendo por isso sido indeferido pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão 382/2022. Na verdade, a Directiva 2006/24 também tinha sido declarada inválida pelo TJUE sem qualquer limitação dos efeitos da sua invalidade e, no seu acórdão de 5 de Abril de 2022, este Tribunal já tinha esclarecido que o Direito da União Europeia impede que um órgão jurisdicional nacional limite no tempo os efeitos de uma declaração de invalidade que lhe incumbe, por força do direito nacional, relativamente a uma legislação nacional que impõe aos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas uma conservação generalizada e indiferenciada dos dados de tráfego e dos dados de localização.

O que a Procuradora-Geral da República requereu ao Tribunal Constitucional foi assim que este violasse o Direito da União Europeia, o que este manifestamente nunca poderia fazer.

Também não faz qualquer sentido defender uma alteração da Constituição para legalizar o recurso a estes metadados, conforme chegou a ser proposto pelo Primeiro-Ministro. Essa eventual revisão constitucional colocaria a Constituição portuguesa em desconformidade com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, podendo até Portugal ser acusado de violar o princípio do Estado de Direito reconhecido no art. 7º do Tratado da União Europeia. Portugal ficaria colocado numa posição idêntica à da Polónia e da Hungria, o que não é seguramente algo que o nosso país deva fazer.

E muito menos faz sentido anunciar uma reunião do Conselho de Segurança Interna, para adoptar medidas em resposta à decisão do Tribunal Constitucional, quando o que o art. 210º, n.º2 da Constituição determina é que “as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades”.

O que há assim a fazer é respeitar a decisão do Tribunal Constitucional e reconhecer que a investigação criminal não pode fazer-se à margem do Estado de Direito, não sendo assim permitida a recolha generalizada de metadados da população e a sua utilização para fins de investigação criminal sem que o visado tenha sequer disso conhecimento. Os direitos fundamentais à privacidade e à protecção dos dados pessoais têm que ser defendidos no nosso país, sob pena de este deixar de ser um Estado de Direito.

A polémica sobre os metadados


Os direitos fundamentais à privacidade e à protecção dos dados pessoais têm que ser defendidos no nosso país, sob pena de este deixar de ser um Estado de Direito.


A decisão do Tribunal Constitucional no seu Acórdão 268/2022 que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de várias disposições da Lei 32/2008, de 17 de Julho, relativa à conservação e transmissão de dados às autoridades para fins de investigação criminal, era inevitável e há muito esperada.

Efectivamente essa lei resultou da transposição da Directiva 2006/24/CE, a qual no entanto foi julgada inválida pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no seu acórdão de 8 de Abril de 2014 (processos C 293/12 e C 594/12) precisamente por atentar contra os direitos à privacidade e à protecção dos dados pessoais, previstos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Essa decisão ocorreu por consulta do High Court irlandês e do Tribunal Constitucional austríaco, sabendo-se assim pelo menos desde 2014 que as disposições legais publicadas em aplicação da Directiva violavam direitos fundamentais, sendo consequentemente inconstitucionais.

Em consequência, e perante a clara disposição do art. 32º, n.º8 da Constituição, que considera nulas todas as provas obtidas em violação da vida privada e das telecomunicações, a prova resultante do recurso a metadados é nula e nunca poderia ser utilizada em tribunal.

Em Portugal, no entanto, não houve qualquer iniciativa para alterar uma legislação claramente desconforme com o quadro constitucional. Agora, no entanto, perante a óbvia decisão do Tribunal Constitucional, a Procuradora-Geral da República requereu que o mesmo limitasse os efeitos desta decisão para manter a validade da prova existente nos processos criminais em que tenha havido recurso a metadados.

É manifesto, no entanto, que tal pedido era absolutamente inviável, tendo por isso sido indeferido pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão 382/2022. Na verdade, a Directiva 2006/24 também tinha sido declarada inválida pelo TJUE sem qualquer limitação dos efeitos da sua invalidade e, no seu acórdão de 5 de Abril de 2022, este Tribunal já tinha esclarecido que o Direito da União Europeia impede que um órgão jurisdicional nacional limite no tempo os efeitos de uma declaração de invalidade que lhe incumbe, por força do direito nacional, relativamente a uma legislação nacional que impõe aos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas uma conservação generalizada e indiferenciada dos dados de tráfego e dos dados de localização.

O que a Procuradora-Geral da República requereu ao Tribunal Constitucional foi assim que este violasse o Direito da União Europeia, o que este manifestamente nunca poderia fazer.

Também não faz qualquer sentido defender uma alteração da Constituição para legalizar o recurso a estes metadados, conforme chegou a ser proposto pelo Primeiro-Ministro. Essa eventual revisão constitucional colocaria a Constituição portuguesa em desconformidade com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, podendo até Portugal ser acusado de violar o princípio do Estado de Direito reconhecido no art. 7º do Tratado da União Europeia. Portugal ficaria colocado numa posição idêntica à da Polónia e da Hungria, o que não é seguramente algo que o nosso país deva fazer.

E muito menos faz sentido anunciar uma reunião do Conselho de Segurança Interna, para adoptar medidas em resposta à decisão do Tribunal Constitucional, quando o que o art. 210º, n.º2 da Constituição determina é que “as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades”.

O que há assim a fazer é respeitar a decisão do Tribunal Constitucional e reconhecer que a investigação criminal não pode fazer-se à margem do Estado de Direito, não sendo assim permitida a recolha generalizada de metadados da população e a sua utilização para fins de investigação criminal sem que o visado tenha sequer disso conhecimento. Os direitos fundamentais à privacidade e à protecção dos dados pessoais têm que ser defendidos no nosso país, sob pena de este deixar de ser um Estado de Direito.