Aguentar tudo o que lá vem?


Os responsáveis políticos e os poderes económicos devem ter consciência que o facto de os portugueses terem paciência de santo não significa que estejam disponíveis para serem martirizados.


É cada vez mais evidente que avançamos no sentido de uma grave crise económica de natureza recessiva. Inicialmente, os nossos sábios económicos e políticos, reguladores, analistas e jornalistas especializados ou não procuraram um termo técnico alternativo e atiraram-nos à cara com a estagflação. A palavra saiu primeiro da boca do genial Mário Centeno, governador do Banco de Portugal. Logo de seguida, dezenas de outros falaram da coisa com impressionantes detalhes técnicos de toda a espécie. Foi um fartote! Mas durou pouco. Hoje, já ninguém cita o fenómeno e não vale a pena perder tempo a explicá-lo. Estamos é em pleno processo de grande inflação. Os preços disparam às vezes até mais de 50% e não há hipótese dos salários e pensões acompanharem ou compensarem minimamente esse ritmo, desde logo porque as causas são, em grande medida, decorrentes da conjuntura bélica internacional, embora já houvesse sinais de escalada antes da invasão da Ucrânia. Qualquer consumidor medianamente atento o sabia. Agora, o que está à vista é um período de profunda recessão, com as consequências que já conhecemos: mais desemprego, mais pobreza, menos apoios sociais, mais desigualdade entre ricos e pobres, mais sobrecarga em cima das classes médias e falências no setor privado, enquanto o estatal tenderá a crescer em termos de despesa e meios. A certa altura é provável que esse engordar do Estado tenha de ser cortado a eito, através de uma intervenção externa. Voltaríamos assim a um período de objetiva austeridade semelhante ao que atravessámos no tempo da troika. Em Portugal, essa probabilidade é novamente maior do que noutros países, na medida em que o Estado continua a inchar, ao ponto de ser ele que vai engolir mais de 70% dos milhões do PRR. E para quê, afinal? Só uma mais do que improvável reviravolta súbita na guerra da Ucrânia, o restabelecimento de um período de acalmia na Europa e uma reativação dinâmica das economias chinesa, americana e alemã podem ainda permitir evitar um ciclo recessivo profundo. Isto porque, ao contrário da crise de 2008, o que temos hoje não resulta de falhas estruturais do sistema económico e financeiro, sendo antes o resultado direto de uma ação política humana premeditada feita a partir do Kremlin. Sem a alteração deste panorama há pouco a fazer. Os países, independentemente de ações comuns como compras em bloco, vão procurar defender-se cada um da melhor forma possível num cenário sem crescimento ou em que este será incipiente. Cada um tem de potenciar os recursos internos e oferecer o que tem de melhor e mais concorrencial. Nesta matéria Portugal não pode voltar a atrasar-se! Mesmo existindo uma maioria absoluta, o clima social português vai-se degradando por via da radicalização política imposta pelo PCP ao seu setor sindical. É, portanto, essencial a procura de bases de entendimento ao nível dos parceiros sociais que não estejam sujeitos a subordinações ideológicas e se movam em função do bem comum, encontrando equilíbrios sensatos entre empregadores e empregados, sem que sejam sempre estes últimos a pagar a fatura nas remunerações, pensões ou pela penalização do custo de vida. Sabemos, à priori, que a probabilidade de isso acontecer é baixa. Mesmo assim, há que tentar encontrar bases de consenso, potenciando a nossa estabilidade política, que é uma raridade na Europa. Poucos países contam com um chefe de Estado e um governo em funções para quatro anos. Há, porém, que ter consciência que esse trunfo se perderia de imediato se houvesse uma transferência da contestação social da área sindical para o cidadão comum como sucedeu em França e, pontualmente, noutros países europeus, juntando gente normal a arruaceiros e movimentos populistas inorgânicos radicais de esquerda e de direita. Somos, supostamente, um país de brandos costumes, mas é bom que os principais responsáveis políticos e económicos atuem com extremo bom senso para evitar uma súbita alteração da paz social que nos caracteriza. Esmagar sistematicamente a classe média portuguesa é destruir a capacidade de crescimento, contribuir para a desaceleração e para a fuga dos mais capazes. Há um empobrecimento sistemático do cidadão comum que aumenta o fosso entre ricos e pobres no nosso retângulo. Somos sovados diariamente com notícias, dando conta de ordenados faraónicos de banqueiros que se limitam a despedir e aumentar comissões e com lucros, por exemplo, de gasolineiras e fornecedores de energia que só podem ter caráter especulativo. Há que ter cuidado porque até a paciência dos santos pode ter limites. E nem todos eles estão dispostos a serem martirizados pela tirania do lucro, quanto mais os comuns mortais. Sabemos que vamos enfrentar dificuldades agravadas e estamos habituados a isso, aguentando mais do pensávamos, sobretudo num momento em que a pandemia tende a desaparecer (embora com hipótese de ter picos momentâneos e perigosos) e todos temos vontade de nos movimentar, viver e confraternizar um pouco mais. O tempo é de sol, cheira a verão e a férias, mas devemos exigir o maior respeito por parte de quem governa e conduz os destinos do país, no Governo ou na oposição. Em momentos como este a responsabilidade política aumenta substancialmente. À escala planetária há muita coisa inquietante. Face à degradação ambiental, à guerra e aos seus efeitos humanos e económicos, a não temos muito para nos orgulharmos do comportamento humano. Não estamos a ser dignos da circunstância divina ou acidental de ser dotados de inteligência. É um dom que nos destrói mais do que ajuda. Já vai ser difícil ter tempo de fazer qualquer coisa de útil com ele, a fim de evitar o caminho do suicídio coletivo, seja por via do definhamento do planeta que nos alimenta, seja pela da autodestruição através da guerra.

Aguentar tudo o que lá vem?


Os responsáveis políticos e os poderes económicos devem ter consciência que o facto de os portugueses terem paciência de santo não significa que estejam disponíveis para serem martirizados.


É cada vez mais evidente que avançamos no sentido de uma grave crise económica de natureza recessiva. Inicialmente, os nossos sábios económicos e políticos, reguladores, analistas e jornalistas especializados ou não procuraram um termo técnico alternativo e atiraram-nos à cara com a estagflação. A palavra saiu primeiro da boca do genial Mário Centeno, governador do Banco de Portugal. Logo de seguida, dezenas de outros falaram da coisa com impressionantes detalhes técnicos de toda a espécie. Foi um fartote! Mas durou pouco. Hoje, já ninguém cita o fenómeno e não vale a pena perder tempo a explicá-lo. Estamos é em pleno processo de grande inflação. Os preços disparam às vezes até mais de 50% e não há hipótese dos salários e pensões acompanharem ou compensarem minimamente esse ritmo, desde logo porque as causas são, em grande medida, decorrentes da conjuntura bélica internacional, embora já houvesse sinais de escalada antes da invasão da Ucrânia. Qualquer consumidor medianamente atento o sabia. Agora, o que está à vista é um período de profunda recessão, com as consequências que já conhecemos: mais desemprego, mais pobreza, menos apoios sociais, mais desigualdade entre ricos e pobres, mais sobrecarga em cima das classes médias e falências no setor privado, enquanto o estatal tenderá a crescer em termos de despesa e meios. A certa altura é provável que esse engordar do Estado tenha de ser cortado a eito, através de uma intervenção externa. Voltaríamos assim a um período de objetiva austeridade semelhante ao que atravessámos no tempo da troika. Em Portugal, essa probabilidade é novamente maior do que noutros países, na medida em que o Estado continua a inchar, ao ponto de ser ele que vai engolir mais de 70% dos milhões do PRR. E para quê, afinal? Só uma mais do que improvável reviravolta súbita na guerra da Ucrânia, o restabelecimento de um período de acalmia na Europa e uma reativação dinâmica das economias chinesa, americana e alemã podem ainda permitir evitar um ciclo recessivo profundo. Isto porque, ao contrário da crise de 2008, o que temos hoje não resulta de falhas estruturais do sistema económico e financeiro, sendo antes o resultado direto de uma ação política humana premeditada feita a partir do Kremlin. Sem a alteração deste panorama há pouco a fazer. Os países, independentemente de ações comuns como compras em bloco, vão procurar defender-se cada um da melhor forma possível num cenário sem crescimento ou em que este será incipiente. Cada um tem de potenciar os recursos internos e oferecer o que tem de melhor e mais concorrencial. Nesta matéria Portugal não pode voltar a atrasar-se! Mesmo existindo uma maioria absoluta, o clima social português vai-se degradando por via da radicalização política imposta pelo PCP ao seu setor sindical. É, portanto, essencial a procura de bases de entendimento ao nível dos parceiros sociais que não estejam sujeitos a subordinações ideológicas e se movam em função do bem comum, encontrando equilíbrios sensatos entre empregadores e empregados, sem que sejam sempre estes últimos a pagar a fatura nas remunerações, pensões ou pela penalização do custo de vida. Sabemos, à priori, que a probabilidade de isso acontecer é baixa. Mesmo assim, há que tentar encontrar bases de consenso, potenciando a nossa estabilidade política, que é uma raridade na Europa. Poucos países contam com um chefe de Estado e um governo em funções para quatro anos. Há, porém, que ter consciência que esse trunfo se perderia de imediato se houvesse uma transferência da contestação social da área sindical para o cidadão comum como sucedeu em França e, pontualmente, noutros países europeus, juntando gente normal a arruaceiros e movimentos populistas inorgânicos radicais de esquerda e de direita. Somos, supostamente, um país de brandos costumes, mas é bom que os principais responsáveis políticos e económicos atuem com extremo bom senso para evitar uma súbita alteração da paz social que nos caracteriza. Esmagar sistematicamente a classe média portuguesa é destruir a capacidade de crescimento, contribuir para a desaceleração e para a fuga dos mais capazes. Há um empobrecimento sistemático do cidadão comum que aumenta o fosso entre ricos e pobres no nosso retângulo. Somos sovados diariamente com notícias, dando conta de ordenados faraónicos de banqueiros que se limitam a despedir e aumentar comissões e com lucros, por exemplo, de gasolineiras e fornecedores de energia que só podem ter caráter especulativo. Há que ter cuidado porque até a paciência dos santos pode ter limites. E nem todos eles estão dispostos a serem martirizados pela tirania do lucro, quanto mais os comuns mortais. Sabemos que vamos enfrentar dificuldades agravadas e estamos habituados a isso, aguentando mais do pensávamos, sobretudo num momento em que a pandemia tende a desaparecer (embora com hipótese de ter picos momentâneos e perigosos) e todos temos vontade de nos movimentar, viver e confraternizar um pouco mais. O tempo é de sol, cheira a verão e a férias, mas devemos exigir o maior respeito por parte de quem governa e conduz os destinos do país, no Governo ou na oposição. Em momentos como este a responsabilidade política aumenta substancialmente. À escala planetária há muita coisa inquietante. Face à degradação ambiental, à guerra e aos seus efeitos humanos e económicos, a não temos muito para nos orgulharmos do comportamento humano. Não estamos a ser dignos da circunstância divina ou acidental de ser dotados de inteligência. É um dom que nos destrói mais do que ajuda. Já vai ser difícil ter tempo de fazer qualquer coisa de útil com ele, a fim de evitar o caminho do suicídio coletivo, seja por via do definhamento do planeta que nos alimenta, seja pela da autodestruição através da guerra.