Fatorda. O sonho goês de Monte D’Cruz

Fatorda. O sonho goês de Monte D’Cruz


Ergueu-se em Margão, em 1989, por vontade do ministro indiano dos Desportos na altura, o único estádio digno desse nome que existe em Goa.


MARGÃO – Para quem vem de leste, do lado do mar, o bairro de Fatorda é fácil de encontrar, logo depois da grande rotunda que marca a entrada (e saída) de Margão. Inicialmente construído como uma espécie de bairro social, cresceu imenso nos últimos vinte anos. Houve um tempo em que a concha do estádio era bem visível, de quase toda a parte, mas os edifícios foram crescendo em altura no seu redor.

De certa forma, podemos dizer que conquistou a sua independência como pequena cidade suburbana desde o tempo em que Mama Cardozo, de seu nome de baptismo e, Luiz Alex Cardozo, instalou aqui a sua comunidade aborígene, os gawda (os portugueses que chegaram com a armada do Gama encontraram a zona costeira de Goa habitada por dois povos diferentes, os gawda e os kunbi), que demoraram o seu tempo a ser absorvidos pela colonização portuguesa e resistiram bravamente contra a sua catolicização. 

Hoje em dia o município orgulha-se de ser sede de organizações educativas como a Sociedade Diocesana de Educação (também conhecida pela Universidade de Nossa Senhora do Rosário), o liceu Jawaharlal Nehru, a Escola de Engenharia Dom João Bosco, ou a Sociedade dos Salesianos e a Parvatibai & Chowgule College, reservado para hindus.

Houve tempos em que, no caminho para o estádio, que se chama Pandita Jawaharlal Nehru, os quiosques de venda de pakoras e bajis eram rodeadas por gente excitada, tal e qual como as nossas rulotes de bifanas, e um aroma agradável a fritos pairava no ar à medida que tomávamos os nossos lugares numa arena que parecia uma cópia do velho Maracanã, em pequenino. Mas, em seguida, vinha o silêncio. Estranho silêncio, para nós que estamos habituados que futebol e barulho sejam sinónimos.

Os espetadores que rodeavam os jogos do Estádio Nehru só soltavam as vozes quando algo de verdadeiramente significativo acontecia. Entretanto ouviam-se os berros de treinadores e jogadores e os gritos dos vendedores de gelados, Rajah, pois então, de limão, manga ou laranja e água gelada quase por inteiro. Depois da partida, cabia sempre mais uma cervejinha, Kingfisher ou Belo’s que é coisa que já não há.

Se Panjim é capital política de Goa, Margão continua a ser a sua capital desportiva e muito por causa de Fatorda, o único estádio digno desse nome que existe no antigo território português. Recebe todos (ou praticamente todos) os jogos do Campeonato Goês, organizado pelo Conselho dos Desportos. Durante muitos anos habituei-me a ir com o meu amigo Cajetan Borges (ele fazia questão que lhe chamassem Bórgis) ver jogos a Fatorda.

Havia jogos todos os dias da semana, e só assim o Pandita Nehru Stadium podia recebê-los. O mais fascinante foi sempre, para mim, o Vasco da Gama-Churchill Brothers, e acho que nem vale a pena dizer porquê. Nesta altura, com o Churchill a disputar a II Liga Profissional da Índia, Salcete, a sub-divisão de South-Goa a que Margão pertence, não tem representantes na prova. 

O ministro Quando, em 1989, o ministro dos Desportos da Índia, um tipo chamado muito portuguesmente, Monte D’Cruz, que não escondia a sua entrada no mundo católico, resolveu avançar com a construção de um estádio em Margão, ninguém contava que estivesse pronto ao fim de seis meses. Ainda dizem que os goeses são preguiçosos. No entanto, o projeto de D’Cruz teve de ser alterado: mesmo que em território goês (que é um dos 28 Estados da Índia, o mais pequeno de todos por sinal, mas com língua própria, o konkani), o único território em que o futebol é absolutamente popular, não era possível erguer-se um complexo desportivo que não incluísse a possibilidade de receber jogos de cricket. As alterações foram feitas.

No dia 25 de Outubro desse ano, o estádio foi inaugurado com… um jogo de cricket. Entre a Austrália e o Sri Lanka.
Em 2014, a FIFA procedeu a uma inspeção do Pandita Nehru que foi palco de alguns dos encontros de futebol dos Jogos da Lusofonia. A partir de então, recebeu o estatuto de campo capaz de albergar jogos internacionais e a seleção da Índia já veio a Fatorda disputar confrontos de apuramento para a Taça Asiática e para o Campeonato do Mundo. Depois fez parte dos seis estádios da Índia escolhidos para a fase final do Campeonato do Mundo de sub-17.

Finalmente, depois de ser palco das finais da Indian Super League (o principal campeonato profissional do país) de 2015 e 2020, serviu para que o Goa FC (um clube especialmente criado e patrocinado para jogar a Indian Super League, tentando concitar a simpatia geral dos adeptos goeses), aqui jogasse para a Liga dos Campeões Asiáticos.

Fatorda cresceu muito nestes anos mais recentes. O bairro tornou-se mais intrincado, com mais prédios e baldios entre prédios, os cabos de eletricidade e de telefone em puxadas marcando as suas fachadas, um maior corrupio de motoretas e de carros buzinando com insistência. 

A exigência do futebol, cada vez mais televisivo, fez com que Fatorda passasse a ter um rival em Mapusa, lá para o norte. Desde que lhe foi implantado um novo relvado artificial, em 2012, o Duler Stadium passou a ver Dempo, Salgaocar e Sporting jogarem lá como em casa. Mas nunca terá o charme do pequenino Maracanã dos arredores de Margão.