Os generais, a guerra e o 25 de Abril


A visão predominante e consequente das imagens que continuam a chegar, são as de um invasor que só pode ter no seu ADN a normalização do abuso, do desprezo pela vida humana, da indiferença pela autonomia e independência das nações, por uma convivência com base no direito internacional.


O comentário militar que invadiu os écrans das televisões, que acrescentou à qualidade da informação?

É a tragédia das aldeias e cidades da Ucrânia apelativa a uma quase exclusiva interpretação militar sobre a amoralidade da guerra?

O enfoque social da aplicação da força brutal de um exército com total superioridade aérea, necessita de um olhar militar quanto ao estado das relações geo-políticas no mundo?

Tudo isto exige uma formação militar para uma visão explicativa da envolvente global de uma guerra?

Aquilo que podia ser complementar, não vindo daí mal ao mundo, passou a prevalecente de uma expressão exagerada, que não escondeu, com honrosas excepções, a reprodução de algum sectarismo mitigado e tolerância perante o totalitarismo do Kremlin, cuja visibilidade era detectável a olho nu.

Não foi difícil perceber a um observador atento que, infirmada a expectativa de uma guerra de seis dias com celebração da chegada do invasor com flores nos canos das armas e fuga dos responsáveis ucranianos, a ordem foi abater tudo o que fosse possível e se atravessasse no caminho dos russos: militares, civis, voluntários, prédios, bairros, cidades, infraestruturas, comércio, industria, lares, jardins de infância, escolas, hospitais, tudo que pudesse ser calcinado.

Um projecto de terra queimada, em directo e com os dramas humanos subsequentes.

A visão predominante e consequente das imagens que continuam a chegar, são as de um invasor que só pode ter no seu ADN a normalização do abuso, do desprezo pela vida humana, da indiferença pela autonomia e independência das nações, por uma convivência com base no direito internacional.

Faltava trazer a este século, a comunicação às novas gerações, da bestialidade bélica residente em Moscovo desde 1918 e que pareceu adormecida, apenas para retoma das condições internas de expansão para-imperialista.

Fica assim para avaliação, a síntese do que tem sido a visão do comentariado em geral e dos comentadores seleccionados do respeitável generalato na reserva, que raramente se vincularam – como qualquer alma humana – a uma apreciação do primeiro patamar da questão bélica: o impacte sobre as vidas desfeitas e os sonhos arrasados de um povo, versus a “compreensão” pela geo-estratégia do posicionamento fronteiriço da Rússia face aos países limítrofes.

Ora a acentuação desta segunda parte da questão, isto é, a pura e subjectiva sujeição da análise às questões da “segurança” de um dos lados, dando de barato esta realidade, conduziu a uma perspectiva de parcialidade analítica por vezes chocante, em que a medição dos efeitos da própria estratégia do invasor – p.e. quando se percebeu o insucesso de alcançar Kiev e tomar o poder na capital – rapidamente foi patente o esforço de branqueamento táctico, invocando-se a questão como mera manobra de distração para o objectivo central, qual fosse a tomada da parte geográfica da Ucrânia ligada ao acesso ao mar.

Fica assim uma certa estranheza perante o quadro mediático de interpretação da guerra na Ucrânia, prevalecente de um recurso predominante a fontes militares, com a rara excepção da convocação de testemunhos de peritos em relações internacionais das escolas universitárias espalhadas pelo país.

O pior que se tem como averiguado registo, é uma pretensiosa utilização de suposta análise “cientifica” da evolução do teatro de operações, sempre na perspectiva evolutiva de uma vitória eminente do invasor e passados sessenta dias, o fracasso visível de tal presunção, passando por cima do mais relevante factor emanente da própria guerra: a resistência nos dias de hoje, tal como ontem nos campos de batalha nazi.

A militarização da opinião publicada, que se espera circunstancial no quadro desta guerra, traz ao de cima a má memória do mesmo ambiente em que viveu Portugal há 48 anos durante o chamado PREC – Processo Revolucionário em Curso, onde a “inteligensia” parecia estar convertida à militarização do regime, aí não apenas opinativa.

Sendo certo que um regime democrático maduro e reconhecido não exclui ninguém, também é verdade que a civilização de um regime é condição “sine qua non” para a sua plenitude.

E a memória é curta e por vezes encontra o inesperado, absolutamente inesperado, neste quadro mediático supra abordado, como na presente tolerância do Presidente da República de ceder a uma revisitação do 25 de Abril de 1974, relativizando o 25 de Novembro de 1975.

A intenção de colocar a medalhística ao serviço de uma unificação de protagonistas e actores como se todos os visados tivessem concorrido para a afirmação da Liberdade e da Democracia, tal como é matriz nesta ocidental praia lusitana, é pura e simplesmente uma desvirtuação da história, vivida e testemunhada aqui também pelo autor destas linhas.

Não se duvida que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa sabe que a segunda data aconteceu para reconduzir a uma certa pureza inicial a primeira, face aos abusos do “tandem” MFA/PCP, corporizados designadamente pelo então primeiro-ministro Gonçalves.

Foi em Almada, cidade, que se fixou para os cadernos comunistas de que “isto esteve por um fio” naquele célebre discurso onde a social-democracia, isto é, as forças democráticas PS/PPD/CDS foram exorcizadas, com aplauso da força totalitária o PCP, que ambicionava dominar pela força o país.

Os acontecimentos da Ucrânia e a consciência de que, a final, não aconteceu o “fim da história” que se julgava ter acontecido, impede que, mesmo na superioridade do regime democrático, se  não esqueça o mercadejo de quem manipula opinião sobre guerras como verdadeiros actos de terrorismo de Estado e se esqueça aqueles que tentaram mudar o rumo do 25 de Abril, de acto libertador para a implantação da democracia, para oportunidade de formular uma nova ditadura.

 

Covilhã, Abril 2022

 

 

 

 

 

Os generais, a guerra e o 25 de Abril


A visão predominante e consequente das imagens que continuam a chegar, são as de um invasor que só pode ter no seu ADN a normalização do abuso, do desprezo pela vida humana, da indiferença pela autonomia e independência das nações, por uma convivência com base no direito internacional.


O comentário militar que invadiu os écrans das televisões, que acrescentou à qualidade da informação?

É a tragédia das aldeias e cidades da Ucrânia apelativa a uma quase exclusiva interpretação militar sobre a amoralidade da guerra?

O enfoque social da aplicação da força brutal de um exército com total superioridade aérea, necessita de um olhar militar quanto ao estado das relações geo-políticas no mundo?

Tudo isto exige uma formação militar para uma visão explicativa da envolvente global de uma guerra?

Aquilo que podia ser complementar, não vindo daí mal ao mundo, passou a prevalecente de uma expressão exagerada, que não escondeu, com honrosas excepções, a reprodução de algum sectarismo mitigado e tolerância perante o totalitarismo do Kremlin, cuja visibilidade era detectável a olho nu.

Não foi difícil perceber a um observador atento que, infirmada a expectativa de uma guerra de seis dias com celebração da chegada do invasor com flores nos canos das armas e fuga dos responsáveis ucranianos, a ordem foi abater tudo o que fosse possível e se atravessasse no caminho dos russos: militares, civis, voluntários, prédios, bairros, cidades, infraestruturas, comércio, industria, lares, jardins de infância, escolas, hospitais, tudo que pudesse ser calcinado.

Um projecto de terra queimada, em directo e com os dramas humanos subsequentes.

A visão predominante e consequente das imagens que continuam a chegar, são as de um invasor que só pode ter no seu ADN a normalização do abuso, do desprezo pela vida humana, da indiferença pela autonomia e independência das nações, por uma convivência com base no direito internacional.

Faltava trazer a este século, a comunicação às novas gerações, da bestialidade bélica residente em Moscovo desde 1918 e que pareceu adormecida, apenas para retoma das condições internas de expansão para-imperialista.

Fica assim para avaliação, a síntese do que tem sido a visão do comentariado em geral e dos comentadores seleccionados do respeitável generalato na reserva, que raramente se vincularam – como qualquer alma humana – a uma apreciação do primeiro patamar da questão bélica: o impacte sobre as vidas desfeitas e os sonhos arrasados de um povo, versus a “compreensão” pela geo-estratégia do posicionamento fronteiriço da Rússia face aos países limítrofes.

Ora a acentuação desta segunda parte da questão, isto é, a pura e subjectiva sujeição da análise às questões da “segurança” de um dos lados, dando de barato esta realidade, conduziu a uma perspectiva de parcialidade analítica por vezes chocante, em que a medição dos efeitos da própria estratégia do invasor – p.e. quando se percebeu o insucesso de alcançar Kiev e tomar o poder na capital – rapidamente foi patente o esforço de branqueamento táctico, invocando-se a questão como mera manobra de distração para o objectivo central, qual fosse a tomada da parte geográfica da Ucrânia ligada ao acesso ao mar.

Fica assim uma certa estranheza perante o quadro mediático de interpretação da guerra na Ucrânia, prevalecente de um recurso predominante a fontes militares, com a rara excepção da convocação de testemunhos de peritos em relações internacionais das escolas universitárias espalhadas pelo país.

O pior que se tem como averiguado registo, é uma pretensiosa utilização de suposta análise “cientifica” da evolução do teatro de operações, sempre na perspectiva evolutiva de uma vitória eminente do invasor e passados sessenta dias, o fracasso visível de tal presunção, passando por cima do mais relevante factor emanente da própria guerra: a resistência nos dias de hoje, tal como ontem nos campos de batalha nazi.

A militarização da opinião publicada, que se espera circunstancial no quadro desta guerra, traz ao de cima a má memória do mesmo ambiente em que viveu Portugal há 48 anos durante o chamado PREC – Processo Revolucionário em Curso, onde a “inteligensia” parecia estar convertida à militarização do regime, aí não apenas opinativa.

Sendo certo que um regime democrático maduro e reconhecido não exclui ninguém, também é verdade que a civilização de um regime é condição “sine qua non” para a sua plenitude.

E a memória é curta e por vezes encontra o inesperado, absolutamente inesperado, neste quadro mediático supra abordado, como na presente tolerância do Presidente da República de ceder a uma revisitação do 25 de Abril de 1974, relativizando o 25 de Novembro de 1975.

A intenção de colocar a medalhística ao serviço de uma unificação de protagonistas e actores como se todos os visados tivessem concorrido para a afirmação da Liberdade e da Democracia, tal como é matriz nesta ocidental praia lusitana, é pura e simplesmente uma desvirtuação da história, vivida e testemunhada aqui também pelo autor destas linhas.

Não se duvida que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa sabe que a segunda data aconteceu para reconduzir a uma certa pureza inicial a primeira, face aos abusos do “tandem” MFA/PCP, corporizados designadamente pelo então primeiro-ministro Gonçalves.

Foi em Almada, cidade, que se fixou para os cadernos comunistas de que “isto esteve por um fio” naquele célebre discurso onde a social-democracia, isto é, as forças democráticas PS/PPD/CDS foram exorcizadas, com aplauso da força totalitária o PCP, que ambicionava dominar pela força o país.

Os acontecimentos da Ucrânia e a consciência de que, a final, não aconteceu o “fim da história” que se julgava ter acontecido, impede que, mesmo na superioridade do regime democrático, se  não esqueça o mercadejo de quem manipula opinião sobre guerras como verdadeiros actos de terrorismo de Estado e se esqueça aqueles que tentaram mudar o rumo do 25 de Abril, de acto libertador para a implantação da democracia, para oportunidade de formular uma nova ditadura.

 

Covilhã, Abril 2022