Portugal. Vocês têm hora e meia para mudar a nossa vida!

Portugal. Vocês têm hora e meia para mudar a nossa vida!


Barulho – “Façam muito barulho!“ –  e samba antes de um jogo, como se fossem todos brasileiros os que vestem de vermelho.


Há pouco menos de vinte anos preparava-me para fazer as malas para embarcar, primeiro para Macau, onde a seleção nacional fez um estágio sob uma humidade capaz de embaciar de vez as esperanças mais refulgentes de uma equipa que maravilhara o universo do futebol durante o Europeu de 2000, na Bélgica e na Holanda, e depois para a Coreia do Sul onde disputámos todos os três jogos da fase de grupos.

Três e apenas três, com derrotas mazombas e bacocas frente a Estados Unidos e Coreia do Sul, dois conjuntos que não tinham quaisquer condições para nos vencerem não tivéssemos nós, com total falta de respeito pela enorme qualidade dos nossos jogadores, feito os impossíveis para perdermos.

Pois. O tempo não perdoa e, ao mesmo tempo que recordo esses jogos de Suwon e Incheon, fico com aquela estúpida sensação de que continuo, ao fim destes anos todos, a escrever uma história errada. Mas a derrota, ou as derrotas, podem ter sido erros, mas não estiveram erradas. E como era grande a expectativa de um povo que levou ao colo os seus jogadores até ao aeroporto e ficou cá em baixo, junto à pista da Portela de Sacavém, a abanar as mãos em adeuses que sacudiam consigo a convicção do triunfo de uma gesta gloriosa. 

Geralmente vivo demasiado ocupado para saber que horas são. “Falta meia hora para começar esta merda!”, grita um homenzinho, não longe de mim, apontando para o relógio enquanto o exibe aos amigos. O relógio pode muito bem ser de contrabando, mas a hora dele está certa. Falta meia hora. Adriana Calcanhoto diria. “Você tem meia hora p’rá mudar a minha vida”.

Daqui a meia hora, Portugal subirá ao relvado para, mais uma vez, como sucedeu nos últimos vinte anos, abrir na sua frente a estrada para mais uma presença na fase final de um Campeonato do Mundo. Dificilmente, alguém que viva apaixonado por esta equipa que traz no peito, ali entre a segunda e a terceira costela, no lugar onde costuma ficar o coração, os Cinco Escudos Azuis da lenda da Batalha de Ourique, fica indiferente. D. Afonso Henrique e os cinco reis mouros vencidos. Habituei-me.

Vivi todos os grandes e  todos os tristes momentos destes vinte anos. Só não me preparo para fazer a mala e partir porque, desta vez, por via de irmos ter, pela primeira vez, um Mundial no velho Golfo da Pérsia, onde Afonso de Albuquerque ganhou a fama de O Terrível, tenho de esperar até Novembro, o mês que dará início à fase final no Qatar. Mas, guardo uma certeza, tal como a tive antes do jogo com a Turquia: Portugal ganhará. E, depois, as portas do mundo voltam a abrir-se. Outra vez na Ásia, como há vinte anos.

A crença Desde que a Itália resolveu não aparecer aqui no Porto, batida pela surpreendente Macedónia do Norte, obrigada a ser chamada assim por reclamação dos gregos, não fossem as duas Macedónias, a do Norte e a de sem ser do Norte, o mesmo país do Grande Alexandre, que a crença no apuramento neste play-off verdadeiramente dispensável – metemo-nos numa camisa de onze varas por culpa própria – cresceu incomensuravelmente no dia a dia dos adeptos.

Apesar de tudo, a Itália metia medo, há que que convir. Apesar de tudo, termo-nos libertado de jogar o encontro de ontem frente aos que ainda são, relembre-se, campeões da Europa, provocou um suspiro de alívio coletivo por todo o país que gosta de futebol e da sua equipa nacional. Se essa crença mereceu ser cultivada, só daqui a já menos de meia hora, segundo o homenzinho do relógio vistoso, começaremos a saber.

Para já, portugueses e macedónios vão fazendo exercícios de aquecimento no relvado bem tratado deste lugar nas Antas onde se ergue um estádio elegante e airoso. O público já fazia filas, nas entradas, quando eram cinco horas e chegámos aqui.

Adversários tiveram direito à sua tradicional dose de assobios – imagino que teriam sido bem mais agressivos se fossem italianos -, o speaker procura com todo o vigor ensurdecer-nos a todos com excessos de decibéis, aparecem sempre nos altifalantes do recinto aquela espécie de sambinhas detestáveis como se, a despeito de termos três brasileiros vestidos de vermelho, fossem os portugueses todos que vestissem de amarelo. Que diacho! Mas samba por que raio!? A verdade é que ele aí está, perfurando os tímpanos mais sensíveis, faz de conta que é um Brasil-Macedónia (do Norte), pouco importa, o que interessa, berra o homem pelo microfone é – “Façam barulho! Façam muito barulho!”.

Eu faço barulho a disparar com os dedos nas teclas do QWERT mas vivalma o ouve. Ninguém está disponível para ouvir o som das palavras, quanto mais escritas. É preciso gritar, uivar. até há prémio para quem der o maior berro da noite.

Talvez devêssemos esperar mais um pouco, os minutos passam desvairados, pelo grito do golo, do golo de Portugal, esse sim, uníssono, estremecedor. Mas não é ainda tempo para isso. O nervoso miudinho da rapariga que rói furiosamente as unhas com um cachecol verde e vermelho ao pescoço. O olhar fascinado do menino pequeno às cavalitas do pai. Um mundo de gente concentrando-se em redor de um retângulo de 120 metros por 90. Vocês têm hora e  meia para mudar a nossa vida. Mas porquê tanto tempo?