29 de Março de 1973. Quase seis meses  às voltas com uma bala na cabeça na Mouraria

29 de Março de 1973. Quase seis meses às voltas com uma bala na cabeça na Mouraria


Alguém matou a Senhora Dona Laura, dona de uma casa de hóspedes, na Rua das Olarias. Suspeitos? Um tal de Coelho, que dormia no mesmo quarto que ela, o filho, Manuel Emílio, e o ex-marido, Emílio Tomás Rei, conhecido pelos amigos como O Miséria. Tudo em águas de bacalhau…


Laura Barrocas Rei, dona de uma casa de hóspedes na Rua das Olarias, na Mouraria, deu que fazer à Polícia Judiciária durante meses a fio. No dia 10 de Outubro de 1972 levou um tiro na cabeça. Convenhamos: um tiro na cabeça em 1972 não era assunto menor, a menos que fosse lá para os lados de África e da guerra colonial. Mas na Mouraria? Francamente!

O filho da vítima, um tal de Manuel Emílio, que habitava na mesma morada, só não foi de imediato interrogado porque as autoridades andaram mais de 48 horas à procura do mamífero sem darem com o seu paradeiro. Depois descartaram-no. Não foi capaz de contribuir com um raciocínio lúcido. Mistério? Pois então! À moda de Agatha Christie. Lisboa arrepiou-se. Ficou com pele de galinha. Lisboa menina, tão sensível Lisboa!

Havia um hóspede antigo na casa de Rua das Olarias. Há onze anos que se instalara no conforto de uma pensão com águas quentes e frias e refeições mornas e moderadas. Foi citado pela imprensa, anónimo, talvez por medo das consequências: “Oiça! Nem calcula a aflição em que ando. Para além da estima por uma pessoa que me tratou da melhor forma que podia, sinto-me atingido na minha dignidade porque andam por aí a dizer que tinha uma relação menos própria com a Dona Laura. É inadmissível! Agora eu e a Dona Laura íntimos!? Mas que anda esta gente a inventar?” Boa pergunta. Sei lá eu. Só estou a contar a história tal e qual a li. Já se tinham passado quase seis meses sobre o assassínio da pobre mulher e a Judiciária ainda andava, como dizer?, às aranhas. Mas a verdade é que o anónimo senhor teve de explicar-se melhor. “Sim, é verdade que eu dormia num divã no mesmo quarto com a Senhora Dona Laura. Mas apenas porque a filha mo pediu encarecidamente já que a mãe sofria de pavores nocturnos”. Hum! Coisa um bocado mal-amanhada, considerou a polícia de investigação e, seguramente, que qualquer de nós consideraria o mesmo. Mas enfim, cada um dorme onde quer e nas vizinhanças de quem quer sem que, por isso, ande por aí a dar tiros nas cabeças das pessoas.

 

Sem respostas

O tempo foi passando, o mistério adensou-se, os boatos circularam e, finalmente, toda a gente se esqueceu do Crime da Mouraria. A filha, Maria Cândida, assumiu o negócio. Também se explicou: “A minha mãe era dada a achaques, sobretudo à noite. Por isso pedi ao Sr. Coelho para dormir na mesma divisão com ela, numa cama separada que arranjei para ele, Sabe? É que ela tinha muitos ataques epilépticos!”. Boa! O anónimo afinal tinha nome: era o Coelho.

Maria Cândida, que vivia em França, veio de urgência: «Veja lá como as coisas são. Ela tinha tanto medo que a atacassem à noite e acabou morta a tiro em pleno dia”. Pois. Malhas que o império tece. Era dia mas ninguém viu nada. Os outros hóspedes, aterrorizados, trataram de dar às de de Vila Diogo, e os que sobraram trancavam-se à chave.

Calma: havia um suspeito. O filho, Emílio, na falta de um mordomo. E pistas: algodões que a Judiciária estava convencida que serviram para limpar a arma do crime. Já da pistola fumegante, nem vestígios. Emílio apresentou um álibi para a hora provável do crime: 14h30. Daí em diante, a investigação caiu sobre o ex-marido de Laura, Emílio Tomás Rei, conhecido pelos amigos como O Miséria. Nome intrigante. Mas o tempo passava e nada de nada. Mais um crime por resolver.