Carlos Barbosa. “O automóvel é uma autêntica repartição de Finanças para o Estado”

Carlos Barbosa. “O automóvel é uma autêntica repartição de Finanças para o Estado”


O presidente do Automóvel Club de Portugal (ACP) lembra que o setor representa 32% dos impostos em Portugal e que perante esta subida dos preços dos combustíveis  defende que “esta é a altura do Governo solidarizar-se com o povo português e baixar os impostos e ir às empresas públicas e cortar onde é preciso”.


Assistimos a uma escalada de preços dos combustíveis por causa da Rússia e da Ucrânia, apesar dos preços já estarem altos anteriormente. Esta situação veio piorar ainda mais o cenário…
É evidente que cortando fornecedores ao nível europeu, como é o caso da Rússia, obviamente que o crude ia aumentar. O problema não tem a ver com o crude, mas sim com os impostos. Os impostos em Portugal são excessivamente altos para o aumento que agora estamos a assistir porque o Estado diz que devolve aquilo que recebeu a mais no IVA mas a verdade é que o IVA que recebe é superior uma ou duas vezes àquilo que devolve. E, portanto, estamos aqui com um problema complicado porque para a semana vai aumentar outra vez e o Estado continua a não baixar aquilo que devia baixar.

O Governo reforçou o AUTOvaucher em 20 euros este mês e acenou com a possibilidade de prolongar o programa.
O AUTOvaucher é uma coisa que tem muito pouco interesse porque são apenas 20 euros que acaba por ser um terço de um depósito que é abastecido uma vez por mês. Claro que é uma ajuda e todas as ajudas são bem-vindas, como é evidente, e ficamos contentes com isso mas não é pelo AUTOvaucher que a situação vai melhorar. Repare, há cinco milhões de condutores a circularem pelo país todo e neste momento há apenas inscritos 1,5 milhões no AUTOvaucher. Por um lado, é uma maneira boa de o Estado ter mais contribuintes controlados, por outro lado, aquilo que dão é muito pouco em relação ao aumento louco dos combustíveis e, sobretudo, ao aumento louco dos impostos.

O primeiro-ministro também anunciou a redução do IVA sobre o ISP (Imposto Sobre os Produtos Petrolíferos). Até deu exemplos: se houver um aumento de 5 cêntimos no IVA por litro, o consumidor vai pagar menos 5 cêntimos no ISP…
O problema é que depois esses cinco cêntimos, na realidade, feitas as contas, só baixa um cêntimo. Não baixa os cinco cêntimos no preço final. O preço do combustível é feito de várias maneiras e, portanto, se baixar o ISP em cinco cêntimos num aumento de cinco cêntimos, a verdade é que depois no preço final só baixa um cêntimo, não baixa os tais cinco.

É preciso fazer bem as contas.
Exatamente.

Acaba por ser uma medida mais popular mas que, na prática, pouco ou nada ajuda os consumidores?
Ajuda qualquer coisa mas ajuda muito pouco e, numa altura de crise, numa altura de guerra, o Governo que andou através do setor automóvel e dos combustíveis a receber biliões estes anos todos então agora seria uma boa altura para ajudar a atenuar o esforço de todos os portugueses e baixar os impostos. Que vá às empresas públicas, que vá a outras empresas e reduza aí os custos que tem, os gastos que tem, para a economia poder funcionar porque a economia portuguesa é feita toda de um retalho de pequenas e médias empresas e nessas pequenas e médias empresas, 30% dos seus custos fixos são com combustível. O Governo tem que, nesta altura, solidarizar-se com o povo português e baixar os impostos e ir às empresas públicas e cortar onde é preciso.

Na última entrevista ao i tinha dito que o Governo não sabe governar sem impostos. Isso é cada vez mais visível?
Acaba por ser a mesma coisa. Eles tiram de um lado e põem do outro. Ou recebem de um lado e depois dão do outro. Acaba por ser tudo igual.

Tem ideia, num passado recente, de aumentos tão grandes como estes que estamos a assistir?
Sinceramente não me lembro. Lembro-me quando o barril esteve a 150 dólares em 2000 e qualquer coisa, mas não me lembro de um aumento de preços tão grande. Mas é evidente que, com o aumento do preço do crude pelas razões que se sabe, tudo o que está associado a isso, António Costa ao dizer que não mexe no ISP mas sobe o IVA e aumentando o preço do IVA então tem uma receita muito maior.

O secretário de Estado disse que o Governo não está a ganhar nada com estes aumentos de preços..
Isso é o que diz o secretário de Estado mas não corresponde à realidade. A realidade representa um cenário completamente diferente.

Isto está a tornar-se insustentável tanto para os condutores como para as empresas?
Para as empresas é que é horrível porque os condutores podem andar de transportes públicos e vão-se governando. O problema aqui são os transportes. Não só os transportes de pessoas e passageiros como as pequenas e médias empresas que têm centenas de milhares de carrinhas e que não estão protegidas por nada.

A solução terá de passar inevitavelmente pela redução da carga fiscal?
Sem dúvida. É preciso uma redução dos impostos.

Acha que o Governo está sensível a essa questão?
O Governo tem que estar solidário, neste momento, com o povo português que deu milhões e milhões através dos combustíveis ao Estado e agora é altura de o Estado olhar para os portugueses. E numa altura de crise tem que salvar a economia. Ainda por cima vai receber agora uma bazuca de milhões, portanto, pode tirar daí alguma parte para compensar aqui a economia portuguesa.

A ideia seria reajustar ou alocar as verbas do PRR de outra forma?
Exatamente. Em vez de estar a enfiar mais dinheiro nas empresas públicas, algumas delas completamente falidas, como é o caso da TAP ou da CP, convinha nesta altura ajudar os portugueses.

Acha que com este aumento dos preços dos combustíveis muitos portugueses tenderão a comprar carros elétricos?
Acho que não porque os portugueses não têm capacidade financeira para trocar de carro nesta altura. Veja que a média dos carros em Portugal é de 13 anos, o que quer dizer que há carros com 20 anos a circular. Os portugueses não têm capacidade financeira neste momento para trocar por carros elétricos. Os carros elétricos são muito caros.

E depois há o reverso da medalha. O preço da energia também está a aumentar…
Exatamente.

O que espera do próximo Orçamento do Estado? O PS voltou chegou a dizer que seria o mesmo, mas terá de ser alvo de alterações com estas novas situações?
Vamos ver. Acho que isto da guerra vai mudar muita coisa. Acho que temos que ver um bocadinho, ver se há correções ou não. Obviamente que com esta guerra e com esta falta de receitas que irá existir no Estado por causa dos combustíveis, que o Orçamento também mude.

Acha que até agora, o setor automóvel é um pouco uma persona non grata?
O setor automóvel representa 32% dos impostos em Portugal para o Estado. É uma loucura.

Um verdadeiro mealheiro…
Um mealheiro? Não. É uma repartição de Finanças autêntica.

O setor automóvel tem vindo a ter dias difíceis. Primeiro a pandemia, depois a crise dos chips, agora esta situação…
Espero que não aconteça mais nada. Espero que passe esta guerra, que acabe agora a pandemia de vez para que a economia volte a crescer como era em 2019. E que possamos ter uma vida sossegada e tranquila e que a economia cresça para os portugueses viverem cada vez melhor, isso é que é preciso. Não é nivelar por baixo mas sim nivelar por cima.

E não levar os portugueses a encostarem o carro à porta?
Exatamente.