Capacetes Laranjas. Psicólogos apoiam comunidade ucraniana

Capacetes Laranjas. Psicólogos apoiam comunidade ucraniana


Ana Carina Valente juntou-se a nove colegas para prestar apoio a quem mais precisa. E, assim, nasceu o grupo “Capacetes Laranjas”, que está à distância de uma videochamada ou de uma chamada telefónica.


Há um ano lancei uma iniciativa para ajudar profissionais de saúde. Depois, percebemos que teria de ser estendida ao resto dos cidadãos devido a situações de gestão de luto e outras. Quando começámos a compreender aquilo que estava a acontecer na Ucrânia, decidimos voltar a fazer o mesmo”, começa por explicar, em declarações ao i, a psicóloga Ana Carina Valente, líder do grupo “Capacetes Laranjas”.

“Desde o momento que Portugal se intitula país de acolhimento, temos de auxiliar. Estamos a reforçar a equipa, temos 15 colegas a quererem entrar. Somos 10 oficialmente agora. Reunimos, dou supervisão, cada caso é acompanhado pelo mesmo psicólogo e as pessoas não têm de contar a história vezes sem conta”, avança a doutoranda em Psicologia da Saúde que acompanha, via chamada telefónica e videochamada, de forma totalmente gratuita, a comunidade ucraniana em Portugal e pretende fazer o mesmo com os refugiados que serão acolhidos nos próximos dias.

“Um caso é o de uma jovem ucraniana que não come nem dorme há quatro dias. Está cá a dar o melhor, mas sente-se muito triste”, explica a “Mentora da Iniciativa Solidária COVID 19 – Primeiros socorros psicológicos a profissionais de saúde, gestão de luto e isolamento e solidão” que, juntamente com os colegas, avalia se é necessário encaminhar os doentes para serviços externos, como apoio médico especializado – no âmbito da Psiquiatria, por exemplo.

“Os primeiros socorros psicológicos ainda são muito menosprezados. Diminuem a probabilidade de se desenvolverem problemas mentais, deviam ser valorizados”, indica a professora assistente do Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida (ISPA).

“De forma muito simples, este apoio está direcionado para eventos traumáticos e aceitar os sentimentos de quem nos procura é fundamental. Tentamos que consigam definir estratégias para viver x ou y situação. E isto facilita a comunicação com as pessoas que estão a passar pelo mesmo, pois queremos que sintam esperança no futuro e não que estão impotentes”, diz, revelando que uma professora ucraniana “que está cá há muitos anos” se vai juntar à equipa. No entanto, apelam a psicólogos que conheçam a língua que integrem o projeto.

A importância do modelo RAPID Reflective listening, Assessment of needs, Prioritization, Intervention, and Disposition (em português, escuta reflexiva, avaliação de necessidades, priorização, intervenção e disposição) são os termos-chave do modelo RAPID, que oferece perspetivas sobre lesões e traumas que vão além dos de natureza física.

Segundo o professor George S. Everly, Jr, criador deste modelo e docente na Johns Hopkins University, dos EUA, o RAPID caracteriza-se por ser facilmente aplicável em ambientes de saúde pública, locais de trabalho, militares, organizações religiosas, locais de desastres em massa e até mesmo em eventos críticos mais comuns.

A título de exemplo, lidar com as consequências psicológicas de acidentes, roubos, suicídio, homicídio ou violência comunitária. Além disso, o modelo o RAPID mostra-se eficaz na promoção da resiliência pessoal e comunitária. “Chegou-nos um caso de uma senhora que tem o marido na Ucrânia e outra que pediu ao filho e ao marido para voltarem, mas eles disseram que não e que já estão a fabricar armas. Ninguém consegue ficar indiferente a isto: sofremos, mas eles veem a comunidade, as ruas, as pessoas deles mal. Temos de perceber, validar e acolher”, refere Ana Carina Valente.

“Podem enviar um e-mail para geral@anavalentepsicologia.pt ou uma mensagem nas redes sociais. Temos um estagiário e todos pertencem à Ordem dos Psicólogos e têm formação em primeiros socorros psicológicos ou intervenção em crise”, assevera a profissional de saúde, que é apologista dos primeiros socorros que são, de acordo com Everly e o seu colega Jeffrey M. Lating – que o auxiliou a implementar o método –, projetados para mitigar os efeitos do stresse agudo e do trauma e ajudar as pessoas em crise a lidar efetivamente com a adversidade. 

Importa mencionar que este modelo – habitualmente seguido por profissionais de saúde mental, equipas como os Médicos Sem Fronteiras ou a Organização Mundial da Saúde, assim como qualquer pessoa que se especialize – também pode ser usado como uma “ferramenta de saúde pública” para atender às necessidades de saúde mental após incidentes críticos e como meio de construir a resiliência da comunidade.

“Vamos continuar a prestar auxílio nas duas frentes – aos profissionais de saúde, à comunidade ucraniana e a todos aqueles que precisarem de nós – e fazer isto até deixarmos de ter pedidos”, aponta a docente que já lecionou na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT) nas licenciaturas de Psicologia e Psicopedagogia Clínica e no mestrado em Psicologia Forense e da Exclusão Social.

“Não deixaremos de estar presentes: se precisarmos de mais colegas para dar resposta aos doentes, procuraremos e faremos pedidos aos nossos colegas! Tentamos fazer uma intervenção que não seja apenas um ‘penso rápido’: tem de existir uma relação de confiança”, assevera Ana Carina Valente, lembrando o caso de um enfermeiro que tem acompanhado.

“Falava comigo quando terminava os turnos, estava a caminho de casa. Ele dizia que não podia chegar lá com esse peso, não queria transmitir aqueles sentimentos à família. Agora temos dois profissionais de saúde e uma senhora no âmbito da gestão do luto. E prestaremos a mesma ajuda à comunidade ucraniana, que tanto tem sofrido, e a quem precisar de nós”.