Quem é Anna? A história da jovem que enganou meia Nova Iorque

Quem é Anna? A história da jovem que enganou meia Nova Iorque


O seu nome é Anna Sorokin, mas durante muito tempo, muitos a conheceram como Anna Delvey. Os seus olhos azuis, o seu encanto e dom da manipulação, valeram-lhe meses de luxo. Até que caiu o pano e a farsa foi desmascarada. ‘Quem é Anna?’ estreou este mês na Netflix e tem-se mantido no top da…


Falamos cada vez mais sobre honestidade por talvez acreditarmos que, nos dias de hoje, se torna cada vez mais complicado mantê-la. Falamos sobre ela, escrevemos sobre ela e têm sido cada vez mais as produções que se centram em histórias que nos provam que ninguém está livre de ser enganado. Este mês, a plataforma de streaming Netflix, “tirou o pano” a duas delas que chocaram o mundo colocando-o a falar, primeiro sobre, Simon Leviev, que na verdade é Shimon Yehuda Hayut, no documentário, O golpista do Tinder, e mais recentemente de Anna Delvey, que na verdade é Anna Vadimovna Sorokin, em Quem é Anna?, série escrita por Shonda Rhimes. Apesar de terem enganado pessoas de formas diferentes, ambos o fizeram em quantias exorbitantes e perceberam que, seria muito mais fácil fazê-lo passando por milionários, já que, nunca pensaríamos que uma pessoa que tem tudo, nos roubaria. 
 
Uma herdeira falida “Esta história é completamente verdadeira. Exceto as partes que foram totalmente inventadas”, é assim que começa cada episódio da série. Em novembro de 2016, Anna Sorokin – personagem interpretada por pela atriz Julia Garner, da série Ozark – uma jovem russa de vinte e poucos anos, apresentou-se à alta sociedade nova-iorquina com o nome Anna Delvey, fazendo-se passar por uma suposta herdeira alemã com uma fortuna de 60 milhões de euros. Nascida em 1991, mudou-se para a Alemanha em 2017, aos 16 anos, e, depois de abandonar os estudos, acabou por ir viver para Paris e estagiar na revista Purple. Anna não se encontrava satisfeita com a vida que tinha e, por isso, montou a projeção daquela que seria a vida que escolheria se fosse possível. E foi, durante longos meses… Vestidos de alta costura feitos à medida, festas exclusivas em Nova Iorque, jatos particulares para ilhas tropicais e garrafas de vinho de 400 dólares, eram “necessidades” para si. Mas, apesar de amigos, colegas, empresas, bancos e até investidores pensarem que esta era uma milionária que tinha as contas, várias vezes, congeladas pelos pais, ou aguardava a chegada do dinheiro da Europa, Anna estava completamente falida. Como pagava os luxos? Cometendo crimes quase “profissionais”, através da fraude eletrónica, até ter sido apanhada e presa em Rikers Island, nos EUA, e condenada, em 2019, a uma pena entre quatro e 12 anos, além de ter de saldar a dívida de 200 mil dólares e de pagar a coima de 24 mil dólares pelas burlas cometidas. 

Foi graças a Jessica Pressler, jornalista da revista The New Yorker, que a história veio a público, há quatro anos. Quando Sorokin aguardava julgamento, um artigo de Pressler detalhava as suas extravagantes fraudes, enquanto expunha as implicações culturais das suas vigarices e ainda as motivações de todos aqueles que acabaram por se “enlear” nos esquemas. A investigação acabou por ser a terceira história mais lida do ano na revista. Só algum tempo depois, Shonda Rhimes – produtora e autora de êxitos como Anatomia de Grey e recém-contratada em exclusivo para a plataforma de streaming – percebeu o seu potencial, montando uma série de nove episódios, onde os olhos azuis de Anna, “enfeitiçam” qualquer um. Numa entrevista à revista Time, a realizadora comentou a personalidade complexa da criminosa: “As pessoas ficaram indignadas com a sua arrogância e pelo facto de ter usado as redes sociais para fazer ‘brilharete’, quando isso é tudo o que é valorizado hoje em dia!”, acredita. A realidade é que a jovem influencer estava à frente do seu tempo, numa altura em que o Instagram era maioritariamente “dominado” por pessoas do mundo da moda e publicava todas as suas viagens, compras e luxos, nas suas contas online. Além disso, durante a entrevista, Rhonda questionou o modo como as pessoas olhavam e julgavam Anna. “Se fosse um homem, teria sido tratada da mesma maneira?”, interrogou. 

Os luxos de Anna O espetador vai percebendo, ao longo das entrevistas realizadas na prisão, como Anna conseguiu usufruir de longas estadas em hotéis de luxo, viagens em jatos particulares, refeições nos melhores restaurantes de Manhattan, sessões em spas e salões de beleza. Por exemplo, Sorokin passou meses no hotel do Soho 11 Howard, que na série se transforma em 12 George, onde ficou amiga de Neff Davis – uma empregada que se lembra que esta lhe dava a si e a outros funcionários, gorjetas de cem dólares (uma tática para que as pessoas julgassem que esta tinha efetivamente a quantia de dinheiro que dizia ter). Davis revelou a Pressler que Anna ficava numa suíte de 400 dólares por noite. 

O maior objetivo da jovem era lançar um clube de artes privado a que queria chamar Fundação Anna Delvey. Sorokin alegava ter bens no valor de cerca de 60 milhões, que afirmava estarem depositados num fundo monetário alemão e, por isso, para realizar o seu “sonho”, pediu um empréstimo de 22 milhões de dólares, o equivalente a 19 400 milhões de euros, para comprar uma propriedade em Park Avenue, onde ficaria sediada a sua organização. Na série é também possível perceber de que forma Anna conseguia o que queria: nesta situação, usou os contactos que já havia criado para cativar parceiros poderosos, entre eles o empresário de hotelaria André Balazs, e Gabriel Calatrava, filho do arquiteto espanhol Santiago Calatrava. Além disso, a jovem russa, também conseguiu enganar um conhecido advogado de imobiliário, que confirmou a existência dos seus bens mesmo sem ter tido provas de que seriam reais e ainda vários banqueiros de investimento. Apesar do empréstimo de 22 milhões nunca se ter realizado, pois não foi possível confirmar os seus fundos, Sorokin não deixou de dizer às pessoas que tinha comprado o edifício de 281 Park – um gigante de seis andares do século XIX – tendo também conseguido um empréstimo de 100 mil dólares num outro banco. 

No que toca às relações de amizade, durante esses meses de “luxo”, Sorokin convidou a sua personal trainer, Kacy Duke, e a amiga Rachel DeLoache Williams para passarem férias em Marrocos, numa villa a sete mil dólares por noite. Como sempre a jovem encaminhava todas as contas para o quarto. Num entrevista à revista Vanity Fair, Williams recordou mais tarde que os funcionários do hotel acabavam mesmo por abordar Anna, graças a “problemas” com o seu cartão de crédito. A “herdeira alemã” justificava-se com o facto dos bancos “desconhecerem que esta se encontrava em viagem” e acabou por pedir a Williams que pagasse todas as despesas dessas férias, prometendo pagar-lhe assim que tudo “voltasse ao normal”. Segundo a mesma, em lágrimas no tribunal, a viagem ficou a 62 mil dólares e Sorokin não cumpriu a sua promessa. 

O “desmoronar do império” Felizmente para as vítimas e infelizmente para Anna, as coisas depressa se começaram a desmoronar à medida que esta ia sendo interrogada pelos espaços que frequentava e não “pagava”. Segundo o The Guardian, em maio de 2019, Anna era acusada de um crime que podia ir de quatro a doze anos de prisão por fraudar hotéis, restaurantes, bancos e um operador de jato particular em mais de 200 mil dólares. Foi detida no complexo de Rikers Island, em Nova Iorque, no período que antecedeu o seu julgamento. Após a sua sentença, foi enviada para a Albion Correctional Facility. Um ano depois, pediu desculpas e mostrou “arrependimento” durante uma audiência de condicional. “Só quero dizer que estou muito envergonhada e sinto muito pelo que fiz”, afirmou, segundo o New York Post. “Eu entendo perfeitamente que muitas pessoas tenham sofrido, quando pensava que não estava a fazer nada de mal”. Mas até esse momento, a sua posição era bastante diferente. Numa entrevista ao The New York Times, em 2019, Anna dizia: “A questão é que eu não sinto muito. Estaria a mentir a todos e a mim mesma se dissesse que sinto muito por alguma coisa”, admitiu. Quando interrogada sobre estes comentários na audiência, Sorokin afirmou que a repórter havia “mudado completamente” as suas palavras e “alterado o seu contexto”. 

Arrependida ou não, em fevereiro de 2021, foi-lhe concedida a liberdade condicional depois de cumprir quase quatro anos de prisão. A sua sentença foi reduzida por bom comportamento. Questionada sobre a maneira como passou o tempo presa, Sorokin respondeu que se dedicou às artes culinárias, fez ioga e meditação e foi assídua num projeto de debates. 

De acordo o Insider, em 2021, a jovem ajudou a produção da série e chegou mesmo a encontrar-se com a atriz Julia Garner. Por conta da produção, Anna recebeu cerca de 320 mil dólares, incluindo os direitos de adaptação da sua história para televisão. O estado de Nova Iorque acabou por invocar a rara lei “Son of Sam” de 1977 de forma a garantir para que esta não pudesse usufruir do dinheiro. Contudo, foi autorizada a usar os ganhos para pagar quase 200 mil dólares que devia a vários bancos. 

Na época da sua condenação, o Departamento de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE) afirmou que tentaria deportá-la após esta cumprir a pena. Após a sua libertação, de acordo com a mesma publicação, a jovem assinou um contrato de aluguer de um apartamento em Manhattan e começou a desenvolver acordos para uma linha de moda e projetos de media. Mas em 25 de março de 2021, acabou por ser levada sob custódia do ICE, considerando a possibilidade de deportá-la de volta para a Alemanha. Um juiz de imigração recusou libertá-la no mês seguinte, concordando com um advogado do ICE que argumentou que as partilhas de Sorokin no Instagram mostravam que esta não foi “reabilitada”. Agora, está sob custódia e o seu advogado “entrou” com uma moção que pede às autoridades de imigração que lhe concedam o estatuto de asilo para não ir para a Alemanha.