A nossa medida de tempo


Há uma espécie de cultura de Santa Engrácia que nos está colada à pele.


1. Umas das explicações para o nosso atraso sistemático em relação a muitos outros países prende-se com o tempo em que as coisas se executam. A nossa medida é lenta na deteção da necessidade, na discussão do projeto, na burocracia e contestação judicial e, depois, inevitavelmente, derrapa na execução em termos de calendário e de orçamento. É assim há centenas de anos. A lentidão dos que cá ficaram é visceral. O último meio século não alterou substancialmente as coisas, antes pelo contrário. Quem quiser confirmar não precisa de investigar muito. Basta ler jornais de há 20 anos e ver o que foi anunciado e verificar o ponto em que as coisas estão. São às centenas os casos em que nos ficámos pelo anúncio governamental, autárquico ou empresarial. Há uma espécie de cultura de Santa Engrácia que nos está colada à pele. Quanto mais evoluídas são economias e as democracias, mais depressa as coisas se fazem. Há também os países não democráticos onde o centralismo eleva ao nível de objetivos nacionais todo o tipo de obra, independentemente dos problemas que lateralmente possam criar, da segurança ao ambiente, passando pela devassa da vida privada. A China é disso o paradigma. Os grandes projetos do Estado são para se cumprir face ao propósito estabelecido, de forma a que o Império do Meio seja, em 2049, a maior potência económica do mundo. E vai ser mesmo! Voltando ao nosso retângulo, há que mudar mentalidades e as bizantinices que tudo retardam ou paralisam. A Costa Vicentina e o Algarve são casos típicos. Tudo é proibido, mas tudo se faz por exceção. Tudo avança, tudo é suspenso. Tudo se retoma sempre que há super interesses em causa. Já quando se trata de uma obra pequena ou média o sarilho do cidadão comum é tremendo. Já em Lisboa, é mais fácil plantar um arranha céus no centro do que construir legalmente uma marquise. A circunstância do próximo Governo ir dispor de uma maioria absoluta pode ajudar a encurtar distâncias entre decisão e concretização, mas é desejável que as coisas sejam tecnicamente inatacáveis, exequíveis e úteis à sociedade. Veja-se o que se passa com a linha do metro de Lisboa. Afinal como vai ficar? Como previa Medina ou como desejava Moedas? Ainda há dias o experiente dirigente socialista Vítor Ramalho dizia que “não podemos deixar a gestão do governo passar para o PS, nem que os partidos de protesto passem para a rua”. Palavras sábias! Assim haja quem o ouça e procure consensos.

2. No PSD, o compasso de espera é total e um tanto ridículo. Há quem justifique a permanência de Rui Rio com o exemplo de Manuela Ferreira Leite, que se manteve por uns meses depois de não ter ganho as legislativas. A analogia não tem sentido. Ferreira Leite perdeu mas tirou a maioria absoluta a Sócrates, o que foi um feito notável face a um governo que controlava tudo, da comunicação à economia, contando com sistemáticas cumplicidades inclusivamente no interior do PSD. Já Rio permitiu que o PS conquistasse uma maioria absoluta, ao cabo de seis anos no Governo, o que é absolutamente notável. A ideia que resulta da estratégia de Rio é que ele, para já, vai dizendo que quer sair, mas vai ficando para discutir o programa do governo, o orçamento e tudo o que aparecer na próxima sessão legislativa. Isto, enquanto os putativos candidatos à liderança hesitam e estudam o risco que é ficar quatro anos na oposição, como se a política também não se fizesse fora do Governo e como se ser oposição fosse uma inutilidade absoluta. Qualquer dia estamos no verão, vamos para férias e Rio, na rentrée, anuncia que se recandidata. Rui Rio capitaliza, obviamente, a circunstância da corrida à sua sucessão estar em primeiro lugar dependente da sua própria demissão, que ele insinuou, mas não concretizou. Entretanto, põe e dispõe no grupo parlamentar e no partido, e pode negociar questões macro com o próprio António Costa, como a regionalização que ambos defendem. Desde as eleições legislativas que, neste espaço, se tem alertado para essa eventual estratégia capciosa, enquanto o PSD vai definhando, em vez de se renovar e afirmar como alternativa de poder, ainda que tal dure vários anos, o que é absolutamente natural e democrático. A análise de Rio é simples, como se viu no recente conselho nacional de Barcelos. Acha que fez tudo bem, que o problema foi a esquerda se ter unido e a direita se ter fracionado. Portanto – conclui – não havia nada a fazer. Ou alguém se mexe ou esta tese pode fazer o seu caminho.

3. Há qualquer coisa de estranho na repetição das eleições no círculo da Europa. É estranho que as eleições sejam convocadas diretamente pela CNE. É estranho que as datas não sejam estritamente as que a lei estipula quando se trata de uma repetição, embora se perceba que há uma logística complexa que não permite os mesmos prazos. Fica-se com a sensação de que podemos estar perante mais uma potencial trapalhada semelhante àquela que deu origem à anulação do voto em dezenas de mesas de apuramento. Caiu uma espécie de manto de silêncio sobre a forma como tudo foi remarcado. Um ou outro especialista tem assinalado que não é impossível haver quem se lembre de contestar a convocação do escrutínio ou o seu resultado junto do Tribunal Constitucional. Apontam-se irregularidades, como a não publicação da ata da reunião em que a CNE decidiu a repetição. Assegura-se que, nos termos da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, a repetição teria de ser taxativamente a 27 de fevereiro e, finalmente, defende-se que, neste caso concreto e tratando-se de uma nova marcação e não de uma repetição, a CNE não tem essa competência. Apesar desta situação de eventual ilegalidade não ser meramente académica, o assunto está a ser varrido para debaixo do tapete, inclusivamente pela comunicação social. Aconteceu isso também com o apuramento dos votos dos emigrantes. E foi o que se viu quando o assunto chegou ao Tribunal Constitucional!

4. Está lançada a confusão total por causa da fiscalidade à volta do teletrabalho. A administração fiscal complica o que é simples e criou uma nebulosa para empresas e particulares, na ânsia de arrecadar receita dos dois lados. É um inferno burocrático! Isto, quando nem sequer se sabe em concreto qual vai ser a evolução dessa prática que tem aspetos positivos e negativos em simultâneo. A situação criada é demonstrativa de uma total incompetência e transformou-se num gigantesco monumento à estupidez burocrática. Há graves falhas técnicas e sobretudo irresponsabilidade política. Talvez o Conselho Económico e Social possa dar um jeito e resolver sensatamente a trapalhada que está criada.

A nossa medida de tempo


Há uma espécie de cultura de Santa Engrácia que nos está colada à pele.


1. Umas das explicações para o nosso atraso sistemático em relação a muitos outros países prende-se com o tempo em que as coisas se executam. A nossa medida é lenta na deteção da necessidade, na discussão do projeto, na burocracia e contestação judicial e, depois, inevitavelmente, derrapa na execução em termos de calendário e de orçamento. É assim há centenas de anos. A lentidão dos que cá ficaram é visceral. O último meio século não alterou substancialmente as coisas, antes pelo contrário. Quem quiser confirmar não precisa de investigar muito. Basta ler jornais de há 20 anos e ver o que foi anunciado e verificar o ponto em que as coisas estão. São às centenas os casos em que nos ficámos pelo anúncio governamental, autárquico ou empresarial. Há uma espécie de cultura de Santa Engrácia que nos está colada à pele. Quanto mais evoluídas são economias e as democracias, mais depressa as coisas se fazem. Há também os países não democráticos onde o centralismo eleva ao nível de objetivos nacionais todo o tipo de obra, independentemente dos problemas que lateralmente possam criar, da segurança ao ambiente, passando pela devassa da vida privada. A China é disso o paradigma. Os grandes projetos do Estado são para se cumprir face ao propósito estabelecido, de forma a que o Império do Meio seja, em 2049, a maior potência económica do mundo. E vai ser mesmo! Voltando ao nosso retângulo, há que mudar mentalidades e as bizantinices que tudo retardam ou paralisam. A Costa Vicentina e o Algarve são casos típicos. Tudo é proibido, mas tudo se faz por exceção. Tudo avança, tudo é suspenso. Tudo se retoma sempre que há super interesses em causa. Já quando se trata de uma obra pequena ou média o sarilho do cidadão comum é tremendo. Já em Lisboa, é mais fácil plantar um arranha céus no centro do que construir legalmente uma marquise. A circunstância do próximo Governo ir dispor de uma maioria absoluta pode ajudar a encurtar distâncias entre decisão e concretização, mas é desejável que as coisas sejam tecnicamente inatacáveis, exequíveis e úteis à sociedade. Veja-se o que se passa com a linha do metro de Lisboa. Afinal como vai ficar? Como previa Medina ou como desejava Moedas? Ainda há dias o experiente dirigente socialista Vítor Ramalho dizia que “não podemos deixar a gestão do governo passar para o PS, nem que os partidos de protesto passem para a rua”. Palavras sábias! Assim haja quem o ouça e procure consensos.

2. No PSD, o compasso de espera é total e um tanto ridículo. Há quem justifique a permanência de Rui Rio com o exemplo de Manuela Ferreira Leite, que se manteve por uns meses depois de não ter ganho as legislativas. A analogia não tem sentido. Ferreira Leite perdeu mas tirou a maioria absoluta a Sócrates, o que foi um feito notável face a um governo que controlava tudo, da comunicação à economia, contando com sistemáticas cumplicidades inclusivamente no interior do PSD. Já Rio permitiu que o PS conquistasse uma maioria absoluta, ao cabo de seis anos no Governo, o que é absolutamente notável. A ideia que resulta da estratégia de Rio é que ele, para já, vai dizendo que quer sair, mas vai ficando para discutir o programa do governo, o orçamento e tudo o que aparecer na próxima sessão legislativa. Isto, enquanto os putativos candidatos à liderança hesitam e estudam o risco que é ficar quatro anos na oposição, como se a política também não se fizesse fora do Governo e como se ser oposição fosse uma inutilidade absoluta. Qualquer dia estamos no verão, vamos para férias e Rio, na rentrée, anuncia que se recandidata. Rui Rio capitaliza, obviamente, a circunstância da corrida à sua sucessão estar em primeiro lugar dependente da sua própria demissão, que ele insinuou, mas não concretizou. Entretanto, põe e dispõe no grupo parlamentar e no partido, e pode negociar questões macro com o próprio António Costa, como a regionalização que ambos defendem. Desde as eleições legislativas que, neste espaço, se tem alertado para essa eventual estratégia capciosa, enquanto o PSD vai definhando, em vez de se renovar e afirmar como alternativa de poder, ainda que tal dure vários anos, o que é absolutamente natural e democrático. A análise de Rio é simples, como se viu no recente conselho nacional de Barcelos. Acha que fez tudo bem, que o problema foi a esquerda se ter unido e a direita se ter fracionado. Portanto – conclui – não havia nada a fazer. Ou alguém se mexe ou esta tese pode fazer o seu caminho.

3. Há qualquer coisa de estranho na repetição das eleições no círculo da Europa. É estranho que as eleições sejam convocadas diretamente pela CNE. É estranho que as datas não sejam estritamente as que a lei estipula quando se trata de uma repetição, embora se perceba que há uma logística complexa que não permite os mesmos prazos. Fica-se com a sensação de que podemos estar perante mais uma potencial trapalhada semelhante àquela que deu origem à anulação do voto em dezenas de mesas de apuramento. Caiu uma espécie de manto de silêncio sobre a forma como tudo foi remarcado. Um ou outro especialista tem assinalado que não é impossível haver quem se lembre de contestar a convocação do escrutínio ou o seu resultado junto do Tribunal Constitucional. Apontam-se irregularidades, como a não publicação da ata da reunião em que a CNE decidiu a repetição. Assegura-se que, nos termos da Lei Eleitoral para a Assembleia da República, a repetição teria de ser taxativamente a 27 de fevereiro e, finalmente, defende-se que, neste caso concreto e tratando-se de uma nova marcação e não de uma repetição, a CNE não tem essa competência. Apesar desta situação de eventual ilegalidade não ser meramente académica, o assunto está a ser varrido para debaixo do tapete, inclusivamente pela comunicação social. Aconteceu isso também com o apuramento dos votos dos emigrantes. E foi o que se viu quando o assunto chegou ao Tribunal Constitucional!

4. Está lançada a confusão total por causa da fiscalidade à volta do teletrabalho. A administração fiscal complica o que é simples e criou uma nebulosa para empresas e particulares, na ânsia de arrecadar receita dos dois lados. É um inferno burocrático! Isto, quando nem sequer se sabe em concreto qual vai ser a evolução dessa prática que tem aspetos positivos e negativos em simultâneo. A situação criada é demonstrativa de uma total incompetência e transformou-se num gigantesco monumento à estupidez burocrática. Há graves falhas técnicas e sobretudo irresponsabilidade política. Talvez o Conselho Económico e Social possa dar um jeito e resolver sensatamente a trapalhada que está criada.