Quantas vezes paramos para pensar onde estamos, com quem, a fazer o quê? E como chegámos até ali? Na maior parte do tempo, o nosso olhar está focado no horizonte, com o cérebro, à medida que vai recebendo as imagens, a calcular infinitésimos planos para nos levar até àquela linha, em tempo útil. No tempo restante, enquanto não encontramos forma de retomar o nosso caminho, pomos os olhos no chão e sentimo-nos a afundar, como se estivéssemos num terreno pantanoso. Há quem seja engolido por essas areias e se debata, esbracejando sem parar, para sair daquele buraco que se agiganta, alimentado pela raiva e pelo desespero de quem está a ser engolido.
Entre os nossos pés e a linha do horizonte, esquecemo-nos, frequentemente, que há um plano intermédio que, ao contrário das nossas ambições e desejos que se colocam na nossa dianteira, deriva de uma linha contínua que se estabelece desde o presente até ao nosso passado. Somos levados pela inconsciência de relevar o passado em detrimento do porvir. Como se o que já tivesse acontecido não interferisse com o nosso presente e futuro, de tão ocupados que andamos em construir a nossa felicidade, sempre em busca de mais e melhor. Uma maldição que atormenta muitas almas e que não lhes dá descanso. Uma vida aflitiva que sabe a pouco porque nunca está perto de ser concluída, tal e qual uma torre que se constrói para chegar ao céu e que está eternamente inacabada.
Quando somos novos, esta disposição é parte integrante da nossa energia contagiante e o tempo, que se esgota ainda antes de ter começado, também não ajuda a outras contemplações. Ainda assim, há quem o faça. Já tive a oportunidade de encontrar jovens que se posicionam, conscientemente, entre o futuro e o caminho que já percorreram, agradecendo a todos os que foram responsáveis pelo amparo que receberam.
No entanto, quantos de nós sentimos gratidão por nos termos cruzado com as pessoas que fazem parte da nossa vida, sejam pais, maridos e mulheres, filhos, amigos, chefes, alunos, vizinhos, desconhecidos… até os desconhecidos têm o poder para nos fazer mudar de direção em algum momento. Por norma, este momento – o da gratidão – vem associado ao momento da finitude. Aquele ponto em que damos de caras com a eminência do fim e que nos empurra para o confronto do que já foi e do que já não vai poder ser. É aqui que a lamentação corre nas veias como linfa desenfreada que chega a todo o organismo.
Para qualquer direção que olhe, vejo lamentação, queixas, vítimas que escolhem permanecer em estado de sobrevivência, sujeitando o seu corpo a um stress contínuo que, mais cedo ou mais tarde, irá ceder, tal é o comprometimento do estado imunológico provocado por esta disposição constante. O exercício da gratidão no dia a dia é saudável. Os benefícios, além de se refletirem no próprio que a exerce, estendem-se aos que o rodeiam e é meio caminho andado para a desejada paz interior. A título de curiosidade, deixo aqui alguns dos benefícios que Robert Emmons (Psicólogo e autor do livro Agradeça e seja feliz) destaca para quem pratica a gratidão quotidianamente: fortalecimento do sistema imunológico, redução da depressão e do stress, mais energia e entusiasmo, melhoria na qualidade de sono, diminuição da pressão arterial, menos queixas de dores e mal-estar, etc…
Há um cálculo muito interessante que estima que, recuando dez gerações, cada um de nós encontrará 1.024 pessoas que se uniram umas às outras até chegar aos nossos pais e, portanto, ao nosso nascimento. São os nossos elos de conexão que compreendem os nossos ascendentes e que nos permitiram chegar até aqui. Nada acontece por acaso… e a multiplicidade de opções que foram tomadas e que determinaram a nossa existência, tal como é hoje, é algo que não se pode ignorar ou relativizar. A começar pelos nossos ascendentes mais diretos, como os pais, com todas as decisões e escolhas que fizeram por nós e das quais, mesmo que tenhamos mais de 50 anos, continuaremos a usufruir, sejam boas ou menos boas. Gratidão. Agradecimento.
É assim com os nossos filhos, só que com eles, estamos na outra ponta, a montante. Teremos nós a capacidade de lhes transmitir a relevância da gratidão? Seremos nós um exemplo a seguir?
A palavra gratidão deriva do latim, gratia, que significa graça e reconhecimento por tudo o que é recebido. Quando estamos em modo de agradecimento, tornamo-nos ainda mais sencientes, mantendo a racionalidade que nos é devida. Trata-se de uma soma, e não de uma subtração. Ao acrescentarmos senciência não diminuímos, proporcionalmente, a dose de razão. Não há que ter receio. Por gratidão entenda-se amor, compaixão, generosidade e tolerância: todos estes sentimentos são propulsores de comportamentos positivos que gerarão outros atos bons.
Qualquer dia é perfeito para introduzir a gratidão na nossa forma de estar e no nosso comportamento, e vamos sempre a tempo, ainda que pequemos por demora, de nos sentirmos gratos pelos que ficaram na nossa vida, pelos que nos deram vida, pelos que ainda não sabem que fazem parte de nós e por nós próprios.
Segundo o falecido neurologista e escritor inglês Oliver Sacks, a gratidão é um dos principais gatilhos para a felicidade. Foi assim que a descreveu nos últimos meses de vida.
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