Repetição de eleições. “Lacuna” na lei eleitoral justifica decisão da CNE

Repetição de eleições. “Lacuna” na lei eleitoral justifica decisão da CNE


Calendário alterado porque mecanismo legal não acautela voto por via postal na repetição de atos eleitorais e “descura” voto dos emigrantes.


A Comissão Nacional de Eleições (CNE) decidiu marcar a repetição do ato eleitoral em todo o círculo da Europa para 12 e 13 de março, duas semanas depois da data determinada pela lei eleitoral da Assembleia da República (LEAR). Acontece que esta alteração ao calendário legalmente previsto não está expressamente contemplada na LEAR, levantando a questão sobre se a CNE tem competência jurídica para definir um novo prazo para a repetição das eleições.

De acordo com o constitucionalista Pedro Bacelar de Vasconcelos, é à CNE que cabe marcar a dia para a repetição da votação, sendo que a data marcada “é consequência de uma inviabilidade prática” para o cumprimento do ato dentro dos 15 dias previstos, explica ao i.

“Perante as dificuldades concretas de operacionalização do ato que não estão contempladas no quadro legislativo, apenas a CNE tem competências para intervir, porque não há outro órgão que possa suprir esses obstáculos.  É uma circunstância de força maior que justifica a data agora definida”, acrescenta, apesar de conjeturar um possível recurso desta decisão.

Em conferência de imprensa  na quarta-feira, a CNE justificou que, após consulta à Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, entendeu que o tempo mínimo necessário para a produção de todo o material eleitoral, tendo em vista garantir o voto por via postal, é de sete dias, acrescendo mais quatro dias para expedição e nove dias para garantir a distribuição nos países de destino. Por essa razão, decidiu empurrar a data para duas semanas depois de 27 de fevereiro, que feitas as contas seria o dia fixado por lei.

Isto porque, conforme estipula a LEAR, no caso de um contencioso eleitoral, em que seja declarada a nulidade da eleição de uma assembleia de voto ou de todo o círculo,  “os atos eleitorais correspondentes são repetidos no segundo domingo, posterior à decisão” do Tribunal Constitucional. 

Uma repetição de um ato eleitoral desta magnitude, que abrange 900 mil eleitores com entraves ao nível da distância no espaço e no tempo, é algo inédito no panorama político nacional e, por esse motivo, tal situação não está devidamente assegurada pela lei.

Ao i, João Tiago Machado, porta-voz da CNE, argumenta que a marcação de uma repetição de um ato eleitoral é um “dever” da comissão, quando lhe compete fazer o mapa calendário das operações eleitorais. “Esta não é a marcação de uma nova eleição, é a marcação de uma repetição de votação e nós fizemos um aditamento ao mapa calendário”, frisa, afastando a hipótese de que esta seja uma competência do Presidente da República, uma vez que marcada a data das eleições já não tem mais nenhuma intervenção no processo.

Contudo, reconhece que o mecanismo legal para a repetição foi desenhado para a votação presencial, que apenas se aplica ao território nacional, e, por isso, não pode ser transposto para os círculos da emigração, onde os eleitores votam por via postal, a menos que optem junto da respetiva comissão recenseadora por votar presencialmente. 

Considerando esta lógica, o mecanismo de repetição “descura” o voto dos emigrantes, admite também Bacelar de Vasconcelos.

“Estamos perante lacunas e deficiências de previsão legislativa com consequências catastróficas. E há fundamentos para criticar todo este processo, desde o quadro legal respetivo até ao procedimento dos agentes nas mesas de voto”, insiste, defendendo a urgência de uma revisão eleitoral.