A besta da besta


Uma besta, realmente. E besta também serei eu, certamente, por não ver na Lei, assim às primeiras, nenhum número nem nenhuma alínea terrorista onde isto caiba. 


Nos últimos dias, não dei atenção detalhada às notícias, só fui acompanhando alguns títulos. Entre eles, destacou-se o terrorismo. A coisa não me saía da cabeça, até porque o terrorismo é uma coisa muito séria e grave, não é para brincadeiras. Agora foi aqui – pensei eu pelos títulos –, algum dia seria, mas foi travado, e ainda bem.

E lá ia eu, embalado pelo estrépito do terrorismo, que fora desmantelado por uma grande operação (aliás, divulgada a preceito e muito celebrada). Não fiquei nada tranquilo, até porque, além de o terrorismo ser uma coisa séria e grave (é bom repetir), eu já lidei profissionalmente com o tema (na prática, não nos livros), e sei duas ou três coisas sobre ele. E, à primeira oportunidade, fui ver com um pouco mais de atenção, e encontrei uma coisa empolada e que talvez não seja realmente terrorismo. 

Sem entrar no juridiquês, e sem desvalorizar a gravidade do assunto e do sucedido (se é que alguma coisa sucedeu), o que parece é o que a seguir descrevo, mais ponto, menos vírgula. Um jovem, que não tem certamente o juízo todo e que parece ser, sem ofensa, tolo (mas que não pode ser tratado como um macaquinho de circo, como tem sido), terá comunicado a um interlocutor (por mensagem comum, parece que não foi nenhuma web negra descoberta na tal grande operação) que preparava um ataque. O interlocutor avisou o FBI e este avisou a nossa Polícia. E deram com o rapaz.

Ainda bem, mas quanto a grandes operações estamos conversados. Não ponho em causa a eficiência, nem ponho em causa que se pudesse e devesse intervir de alguma forma, mas também não é preciso transformar a coisa numa operação de Hollywood, porque não foi, e também não precisamos (ou precisamos?), quais tolos, de papas e bolos.

E também não é necessário inventar terrorismo, que me parece que não é, muito menos com o argumento – juridicamente imprestável, para não dizer pior – de que, se não for terrorismo, não é nada, e, além disso, não se poderia intervir. Ora, nem uma coisa nem outra são verdade. Uma coisa ou é ou não é, e não se força que seja só porque, não sendo, não seria nada.

Em Direito não é assim, muito menos em Direito Penal. Por outro lado, não sendo terrorismo (que me parece que não é, e se for não é mais do que “um terrorismo de trazer por casa”), pode ser alguma outra coisa. E também é certo que não precisa de ser terrorismo à força para se poder intervir. Portanto, a novela do terrorismo é muito barulho por quase nada, e não é precisa para coisa nenhuma, exceto para dar lustro e para dar espetáculo, ou as duas coisas juntas. 

O jovem facínora (que antes de mais terá, por certo, problemas médicos relevantes) parece que terá preparado um presumível ataque com grande método e organização, incluindo as coisas mais comezinhas do dia a dia, e o plano começaria por levantar da cama e tomar o pequeno-almoço e, depois, ir para a Faculdade, et cetera. Tudo num papelinho, muito arrumado, e que incluía atos preparatórios de atos preparatórios – um caso típico de relevância penal, claro, está bom de ver.

E teve o supremo cuidado de dar notícia do planeamento (uma coisa mesmo própria de terroristas, óbvio), não sei se incluindo ou não o pequeno-almoço e o arranjo do penteado, um pouco como aqueles miúdos e graúdos que gritam “agarrem-me, senão eu bato-lhe”. Ah, mas arranjou armas, e isso já pode ser terrorismo. Que armas? Arco e flechas, uns sprays ou parecido, facas e, last but not least, uma besta. E pronto, era isto. Não estou a tirar importância nem gravidade, mas era isto, e não mais do que isto. Uma besta, realmente.

E besta também serei eu, certamente, por não ver na Lei, assim às primeiras, nenhum número nem nenhuma alínea terrorista onde isto caiba (salvo melhor e mais esclarecida opinião), e sobretudo por achar que isto tudo é capaz de ser uma grande barulheira por, afinal, muito menos do que parece. E uma barulheira (que poderia ter sido evitada na origem) que tem efeitos, vários, e muitos deles não são lá muito bons. 

A besta da besta


Uma besta, realmente. E besta também serei eu, certamente, por não ver na Lei, assim às primeiras, nenhum número nem nenhuma alínea terrorista onde isto caiba. 


Nos últimos dias, não dei atenção detalhada às notícias, só fui acompanhando alguns títulos. Entre eles, destacou-se o terrorismo. A coisa não me saía da cabeça, até porque o terrorismo é uma coisa muito séria e grave, não é para brincadeiras. Agora foi aqui – pensei eu pelos títulos –, algum dia seria, mas foi travado, e ainda bem.

E lá ia eu, embalado pelo estrépito do terrorismo, que fora desmantelado por uma grande operação (aliás, divulgada a preceito e muito celebrada). Não fiquei nada tranquilo, até porque, além de o terrorismo ser uma coisa séria e grave (é bom repetir), eu já lidei profissionalmente com o tema (na prática, não nos livros), e sei duas ou três coisas sobre ele. E, à primeira oportunidade, fui ver com um pouco mais de atenção, e encontrei uma coisa empolada e que talvez não seja realmente terrorismo. 

Sem entrar no juridiquês, e sem desvalorizar a gravidade do assunto e do sucedido (se é que alguma coisa sucedeu), o que parece é o que a seguir descrevo, mais ponto, menos vírgula. Um jovem, que não tem certamente o juízo todo e que parece ser, sem ofensa, tolo (mas que não pode ser tratado como um macaquinho de circo, como tem sido), terá comunicado a um interlocutor (por mensagem comum, parece que não foi nenhuma web negra descoberta na tal grande operação) que preparava um ataque. O interlocutor avisou o FBI e este avisou a nossa Polícia. E deram com o rapaz.

Ainda bem, mas quanto a grandes operações estamos conversados. Não ponho em causa a eficiência, nem ponho em causa que se pudesse e devesse intervir de alguma forma, mas também não é preciso transformar a coisa numa operação de Hollywood, porque não foi, e também não precisamos (ou precisamos?), quais tolos, de papas e bolos.

E também não é necessário inventar terrorismo, que me parece que não é, muito menos com o argumento – juridicamente imprestável, para não dizer pior – de que, se não for terrorismo, não é nada, e, além disso, não se poderia intervir. Ora, nem uma coisa nem outra são verdade. Uma coisa ou é ou não é, e não se força que seja só porque, não sendo, não seria nada.

Em Direito não é assim, muito menos em Direito Penal. Por outro lado, não sendo terrorismo (que me parece que não é, e se for não é mais do que “um terrorismo de trazer por casa”), pode ser alguma outra coisa. E também é certo que não precisa de ser terrorismo à força para se poder intervir. Portanto, a novela do terrorismo é muito barulho por quase nada, e não é precisa para coisa nenhuma, exceto para dar lustro e para dar espetáculo, ou as duas coisas juntas. 

O jovem facínora (que antes de mais terá, por certo, problemas médicos relevantes) parece que terá preparado um presumível ataque com grande método e organização, incluindo as coisas mais comezinhas do dia a dia, e o plano começaria por levantar da cama e tomar o pequeno-almoço e, depois, ir para a Faculdade, et cetera. Tudo num papelinho, muito arrumado, e que incluía atos preparatórios de atos preparatórios – um caso típico de relevância penal, claro, está bom de ver.

E teve o supremo cuidado de dar notícia do planeamento (uma coisa mesmo própria de terroristas, óbvio), não sei se incluindo ou não o pequeno-almoço e o arranjo do penteado, um pouco como aqueles miúdos e graúdos que gritam “agarrem-me, senão eu bato-lhe”. Ah, mas arranjou armas, e isso já pode ser terrorismo. Que armas? Arco e flechas, uns sprays ou parecido, facas e, last but not least, uma besta. E pronto, era isto. Não estou a tirar importância nem gravidade, mas era isto, e não mais do que isto. Uma besta, realmente.

E besta também serei eu, certamente, por não ver na Lei, assim às primeiras, nenhum número nem nenhuma alínea terrorista onde isto caiba (salvo melhor e mais esclarecida opinião), e sobretudo por achar que isto tudo é capaz de ser uma grande barulheira por, afinal, muito menos do que parece. E uma barulheira (que poderia ter sido evitada na origem) que tem efeitos, vários, e muitos deles não são lá muito bons.