A menina de pele pálida e de olhos com feitio de amêndoas começou a falar na sua voz doce e hipnotizou os portugueses: “Tudo me encanta aqui. Tudo me sabe bem: o céu azul, a luz aberta e franca, o vosso acolhimento tão simpático e inesquecível – que já em Macau pude apreciar – todo este ambiente… Tenho gostado imenso disto. Certamente irei voltar!”. Conversa em inglês, está bem de ver. E como gosta o bom e velho portuguesinho valente que lhe passem a mão pelo pêlo do seu país perdido à beira-mar. Enfuna o peito como vela de galeão, à moda do Raposão do Eça, ido até à Terra Santa para descobrir uma relíquia para o estupor da Titi.
Seiko Sarina cativou os jornalistas que só tinham, para ela, palavras de elogio. A bailarina acabara de interpretar um dos seus papéis favoritos, Tevada de Angkor Wat, com cenários a imitar o templo magnífico perdido nas florestas do Cambodja. Depois descansara antes de se colocar à disposição da imprensa. O espectáculo fora, sem dúvida, inédito. Não era hábito que o bailado japonês viesse a Lisboa, pelo que foi visto com olhos devoradores de curiosidade e interesse.
“A arte japonesa, de linhas simples, reflecte-se na própria música. Temos bons compositores. E, na literatura, escritores e escritoras consagrados”, ia Seiko explicando com a sua paciência oriental. “Se querem que vos diga, apesar de todos os elogios que Portugal me merece, os países do Oriente fascinam-me e não seria capaz de viver se não fosse lá. Preciso daquela luz muito especial dos poentes e da cor e dos cheiros dos jardins floridos. O Japão é tão lindo!”.
Uma pequenina desilusão para quem procurava acumular elogios nas colunas dos jornais. E o povo? E o bom povo português? Não era ele receptivo, bom anfitrião? Claro que era, a bailarina não estava cá para tecer críticas: “Sim, sim!
Aliás, deixem-me dizer que só encontrei paralelo no público mexicano. Há muita compreensão nos portugueses que vieram assistir ao nosso espectáculo. Muito instinto em vós! Sois artistas! Algo que se nota até nas cores harmoniosas da vossa capital”. Acalmavam-se as esferográficas no seu rodopio de papel em branco. Os elogios voltavam e parecia que precisávamos deles como um cãozinho abandonado precisa de festas. Alguém publicou, no dia seguinte: “Sentimo-nos lisonjeados. A arte aperfeiçoo-a as almas e completa a obra da religião”. De Tóquio a Lisboa. Pouco importava a religião.