Números interessantes: a pobreza e o resultado das eleições


A confirmar-se a tendência deste género de políticas no futuro, em que a produtividade cresce abaixo do crescimento do salário mínimo, o resultado será um aumento exponencial do número de portugueses com o salário mínimo.


Portugal tem pouco mais de 9,2 milhões de eleitores inscritos para votar, entre residentes e emigrantes, numa população que conta com mais de dez milhões habitantes. Não só estamos a diminuir o número de habitantes, como a nossa população está a envelhecer, resultado de um inverno demográfico que se tem acentuado, projetando-se um índice de envelhecimento para 2021 calculado em 182%. No início deste século, o índice de envelhecimento cifrava-se nos 102%, sendo que a população com mais de 65 anos rondava o 1,7 milhões; hoje, estão identificadas quase 2,3 milhões de pessoas com idade superior a 65 anos. Obviamente que este agravamento tem provocado um desequilíbrio no sistema de segurança social e no volume de dependentes diretos do Estado. Mais de 22% das pessoas que votam em Portugal auferem pensão de velhice e, ao todo, cerca de 3,1 milhões beneficiários recebem pensão de velhice, de sobrevivência, reforma antecipada ou de invalidez. Os funcionários públicos totalizam 718 mil, aos quais se acrescentam 180 mil trabalhadores em empresas públicas. Portanto, quase um milhão de pessoas a receber diretamente do Estado. 

Outro número, não menos interessante e a ter em conta, prende-se com o número de portugueses que ganham o salário mínimo nacional: 950 mil, em 2021. Mas nem sempre foi assim: entre 2013 e 2021, Portugal duplicou este número (415 mil portugueses em 2013). Um em cada quatro portugueses ganha o salário mínimo (em 2013, era um em cada oito); um cenário que irá sofrer alterações com o aumento do salário mínimo nacional prometido nesta campanha eleitoral. Falar sobre o aumento de salários e não fazer referência à produtividade é, no mínimo, irracional. Portugal situa-se no 21.º lugar com a produtividade do trabalho mais alta na União Europeia dos 27. Não se pode deixar de mencionar que, segundo vários estudos económicos, os aumentos do salário mínimo têm sido, consistentemente, acima dos aumentos de produtividade. Quer isto dizer que o salário mínimo em paridade com o poder de compra tem subido em média 2,9% por ano, o que significa uns 0,3 pontos percentuais acima do crescimento médio anual da produtividade. Em suma, a confirmar-se a tendência deste género de políticas no futuro, em que a produtividade cresce abaixo do crescimento do salário mínimo, o resultado será um aumento exponencial do número de portugueses com o salário mínimo. Está a pensar no que irá acontecer à classe média? Nada. Aparentemente, não há uma definição concreta do que é classe média em Portugal, tendo-se adotado o critério da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE). De acordo com os dados disponíveis no Portal das Finanças, o 3.º escalão, que tributa os rendimentos entre os 10 mil euros anuais e os 20 mil euros, concentrou 820.804 agregados em 2019, equivalendo a cerca de 30%. O escalão seguinte, correspondente aos rendimentos entre os 19 mil euros anuais e os 40 mil euros, representou 21% dos agregados. Talvez possamos ousar situar a classe média entre estes dois escalões, ainda que apenas um terço dos portugueses se reveja como pertencente à classe média, segundo um relatório da OCDE. Na base destes números, importa relembrar que, com a pandemia, 400 mil portugueses passaram à condição de pobreza, segundo o Centro da Economia para a Prosperidade da Universidade Católica (Prosper). Em 2019, apurado pela Pordata, havia registo de mais de 1,6 milhões de pobres em Portugal. E não eram todos desempregados. Na sua maioria, os pobres não o são por não terem emprego ou por dependerem de apoios sociais; estão em situação de pobreza porque os salários são baixos ou devido à precariedade no emprego.

Para finalizar, e numa outra vertente, porém diretamente relacionada com os números já aqui apresentados, não deixam de ser notáveis os resultados das votações nestas eleições legislativas, que superaram qualquer expectativa dos eleitores e dos eleitos. Conforme os dados apresentados no site do Ministério da Administração Interna, numa análise comparativa entre as eleições de 2019 e as últimas, constata-se que o Partido Socialista (PS) captou o voto de 2 milhões e 246 mil eleitores, aumentado 380 mil votos. Por seu lado, o Partido Social Democrata (PSD) obteve um milhão e 498 mil votos, mais 78 mil votos do que em 2019. Os resultados destes dois partidos decorreram da proporção direta do esvaziamento, no caso do PS, dos partidos à sua esquerda, como o Bloco de Esquerda (BE) e a coligação PCP-PEV, e da concentração e migração, no caso do PSD e do CDS/PP, de um eleitorado não socialista para partidos mais recentes e com um discurso incisivo, apenas nas matérias sobre as apostam ter uma posição clara.
Estes números conjugados podem ter uma leitura muito dura, descrevendo uma realidade que se tem vindo a instalar e a alastrar a muitos portugueses. A justificação da pandemia não é suficiente para uma curva de pobreza que já havia iniciado a sua trajetória ascendente e que irá continuar a adicionar casos de agregados da dita classe média, que estão em vias de o deixar de ser, e de pessoas em situação de pobreza, que lutam por permanecer nessa condição para não agravarem a sua condição de pobres.

Escreve quinzenalmente

Números interessantes: a pobreza e o resultado das eleições


A confirmar-se a tendência deste género de políticas no futuro, em que a produtividade cresce abaixo do crescimento do salário mínimo, o resultado será um aumento exponencial do número de portugueses com o salário mínimo.


Portugal tem pouco mais de 9,2 milhões de eleitores inscritos para votar, entre residentes e emigrantes, numa população que conta com mais de dez milhões habitantes. Não só estamos a diminuir o número de habitantes, como a nossa população está a envelhecer, resultado de um inverno demográfico que se tem acentuado, projetando-se um índice de envelhecimento para 2021 calculado em 182%. No início deste século, o índice de envelhecimento cifrava-se nos 102%, sendo que a população com mais de 65 anos rondava o 1,7 milhões; hoje, estão identificadas quase 2,3 milhões de pessoas com idade superior a 65 anos. Obviamente que este agravamento tem provocado um desequilíbrio no sistema de segurança social e no volume de dependentes diretos do Estado. Mais de 22% das pessoas que votam em Portugal auferem pensão de velhice e, ao todo, cerca de 3,1 milhões beneficiários recebem pensão de velhice, de sobrevivência, reforma antecipada ou de invalidez. Os funcionários públicos totalizam 718 mil, aos quais se acrescentam 180 mil trabalhadores em empresas públicas. Portanto, quase um milhão de pessoas a receber diretamente do Estado. 

Outro número, não menos interessante e a ter em conta, prende-se com o número de portugueses que ganham o salário mínimo nacional: 950 mil, em 2021. Mas nem sempre foi assim: entre 2013 e 2021, Portugal duplicou este número (415 mil portugueses em 2013). Um em cada quatro portugueses ganha o salário mínimo (em 2013, era um em cada oito); um cenário que irá sofrer alterações com o aumento do salário mínimo nacional prometido nesta campanha eleitoral. Falar sobre o aumento de salários e não fazer referência à produtividade é, no mínimo, irracional. Portugal situa-se no 21.º lugar com a produtividade do trabalho mais alta na União Europeia dos 27. Não se pode deixar de mencionar que, segundo vários estudos económicos, os aumentos do salário mínimo têm sido, consistentemente, acima dos aumentos de produtividade. Quer isto dizer que o salário mínimo em paridade com o poder de compra tem subido em média 2,9% por ano, o que significa uns 0,3 pontos percentuais acima do crescimento médio anual da produtividade. Em suma, a confirmar-se a tendência deste género de políticas no futuro, em que a produtividade cresce abaixo do crescimento do salário mínimo, o resultado será um aumento exponencial do número de portugueses com o salário mínimo. Está a pensar no que irá acontecer à classe média? Nada. Aparentemente, não há uma definição concreta do que é classe média em Portugal, tendo-se adotado o critério da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE). De acordo com os dados disponíveis no Portal das Finanças, o 3.º escalão, que tributa os rendimentos entre os 10 mil euros anuais e os 20 mil euros, concentrou 820.804 agregados em 2019, equivalendo a cerca de 30%. O escalão seguinte, correspondente aos rendimentos entre os 19 mil euros anuais e os 40 mil euros, representou 21% dos agregados. Talvez possamos ousar situar a classe média entre estes dois escalões, ainda que apenas um terço dos portugueses se reveja como pertencente à classe média, segundo um relatório da OCDE. Na base destes números, importa relembrar que, com a pandemia, 400 mil portugueses passaram à condição de pobreza, segundo o Centro da Economia para a Prosperidade da Universidade Católica (Prosper). Em 2019, apurado pela Pordata, havia registo de mais de 1,6 milhões de pobres em Portugal. E não eram todos desempregados. Na sua maioria, os pobres não o são por não terem emprego ou por dependerem de apoios sociais; estão em situação de pobreza porque os salários são baixos ou devido à precariedade no emprego.

Para finalizar, e numa outra vertente, porém diretamente relacionada com os números já aqui apresentados, não deixam de ser notáveis os resultados das votações nestas eleições legislativas, que superaram qualquer expectativa dos eleitores e dos eleitos. Conforme os dados apresentados no site do Ministério da Administração Interna, numa análise comparativa entre as eleições de 2019 e as últimas, constata-se que o Partido Socialista (PS) captou o voto de 2 milhões e 246 mil eleitores, aumentado 380 mil votos. Por seu lado, o Partido Social Democrata (PSD) obteve um milhão e 498 mil votos, mais 78 mil votos do que em 2019. Os resultados destes dois partidos decorreram da proporção direta do esvaziamento, no caso do PS, dos partidos à sua esquerda, como o Bloco de Esquerda (BE) e a coligação PCP-PEV, e da concentração e migração, no caso do PSD e do CDS/PP, de um eleitorado não socialista para partidos mais recentes e com um discurso incisivo, apenas nas matérias sobre as apostam ter uma posição clara.
Estes números conjugados podem ter uma leitura muito dura, descrevendo uma realidade que se tem vindo a instalar e a alastrar a muitos portugueses. A justificação da pandemia não é suficiente para uma curva de pobreza que já havia iniciado a sua trajetória ascendente e que irá continuar a adicionar casos de agregados da dita classe média, que estão em vias de o deixar de ser, e de pessoas em situação de pobreza, que lutam por permanecer nessa condição para não agravarem a sua condição de pobres.

Escreve quinzenalmente