Várias pessoas escreveram ou disseram que a Justiça foi um tema pouco ou nada tratado pelos partidos na campanha eleitoral. Tendo a achar que têm razão, embora não possa dizer que tenha dado à pré-campanha e à campanha atenção diária (hebdomadária, isso sim). Ainda assim, creio que dei a suficiente para saber que, em geral, não foi prato principal, nem sequer entrada ou sobremesa; aqui e ali, talvez, um acompanhamento ou mesmo um amuse-bouche (excluo, claro, o estilo dedo em riste sobre “pôr as coisas em ordem”, que isso não é tema nenhum). E quem o escreveu ou disse, se bem percebi, fê-lo, na maior parte dos casos, apontando falta de interesse ou de atenção por parte dos partidos. É possível que tenha sido por isso, mas tenho para mim que há duas causas mais prováveis para o silêncio ou a falta de empenho.
Uma delas é esta: os partidos, como é da natureza das coisas, querem cativar eleitores, pelo que – e La Palice não diria melhor – privilegiam temas que interessam aos mesmos. Ora, a Justiça é um tema que interessa pouco às pessoas. Interessa pouco?! – pensará o leitor, atónito com o meu despautério. E acrescentará àquele pensamento que, ao contrário, interessa muito, pois não se fala de outra coisa, ao ponto de parecer que o Portugal dos três efes (Fátima, Fado e Futebol) deu lugar ao país do JF (Justiça e Futebol, quando não justiça no futebol). Ora, eu teimo e digo ao leitor que estará, salvo o devido respeito, a confundir as coisas, pois do que muito se fala não é da Justiça (e das suas questões), mas sim de uma vintena de casos, em jeito de novela. Não se discute, ou muito pouco, por exemplo, as custas judiciais, a defesa oficiosa ou o defensor público, a jurisdição administrativa e fiscal, as corporações, o ritualismo, o recrutamento, a avaliação, e tantas outras coisas. Isso não merece atenção, e fica submerso debaixo da intensa e sonora espuma dos tais casos e de uma discussão enviesada que, com base neles, se faz sobre questões que se apresentam como fraturantes e que, em muitos casos, são mistificações. Portugal continua, na verdade, muito fiel aos três efes, que agora são Folhetim, Falatório e Futebol.
E a outra provável razão é ainda pior: os partidos terão medo de abordar as questões da Justiça. Porquê? Porque de cada vez que alguém aponta uma ideia, uma proposta, uma reforma, ou é um drama ou é um estendal de acusações horrendas, ou as duas coisas. O que, está bom de ver, é péssimo para a popularidade e para cativar eleitores. Sobre a Justiça, é sempre tudo em hipérbole, com um pathos próprio dos grandes temas da Humanidade. Ainda se recordam do que foi a discussão sobre o Citius? Um drama de meter medo, um ror de suspeitas e críticas, temor e tremor. Outro exemplo, só mais um entre muitos: a reforma do processo civil que introduziu as audiências preliminares. Jesus, dava para escrever um livro, mais para a farsa do que para a tragédia, embora na altura às vezes parecesse o fim do mundo. E isto era naquele tempo em que ainda não estavam definitivamente instaladas a desconfiança total e a moda do processo de intenções, segundo a qual se alguém propõe algo é porque tem um qualquer interesse soez (de preferência, favorecer este ou partir a espinha àquele, ou ambas). Hoje é quase tudo assim, a ideia em si interessa pouco ou nada, pois começa logo a caça ao interesse ou ao propósito obscuros que podem estar por detrás da ideia. Assim, claro, não há quem proponha, porque leva logo com paus e pedras. E ainda mais se a ideiazinha mexer com as visões ou os gostos de uma qualquer corporação ou – e isso então é o fim – com as maioritárias ideias feitas da opinião publicada, que, numa sociedade de espetáculo e de refinados ‘achistas’, faz as vezes de opinião pública. Perante isto, qualquer um que tenha por um minuto a vontade de um pensamento sobre Justiça, logo cai em si e pensa: Livra!
Escreve quinzenalmente à sexta-feira