É triste, muito triste, reencontrar os meus amigos junto às paredes frias de um cemitério. Mesmo que o cemitério seja nos Olivais-Sul onde aprendemos a ser irmãos desde a quase-infância. Queria estar com o Rui e com o Jorge Laires noutro lugar qualquer, de preferência num daqueles sítios em que o Jorge, num passe de prestigitação, se transforma no Mágico das Seis Cordas.
Não sei como fugir desta prisão de ciprestes, eu que não tenho jeito para enfrentar nenhuma morte que não seja a minha, e também desconheço a razão porque os ciprestes crescem em redor dos túmulos. São árvores esguias, havia muitas no jardim da Casa das Conchas, a casa dos meus avós no lugar do Olival. Sei que têm o cheiro penetrante da resina e, talvez por isso, repelem os pássaros que neles não pousam.
Com a morte, chega o silêncio. Pelo menos o meu, que não tenho palavras para dizer ou exprimir. Não, a dor não se divide. A dor multiplica-se. Partilhamo-la mas ela não se dilui. Cada um regressa a casa com mais um buraco naquele lugar a que alguns chamam de coração. De repente, fiquei sem saber para onde ir. Perdi-me neste momento de sentir a mágoa dos outros.
Caminho devagar para o centro da minha noite de Lisboa, no restaurante Calcutá, na Rua do Norte, para o meu lugar lá no fundo, no canto esquerdo, onde escrevi e continuo a escrever as páginas da minha vida. A rua está vazia, o silêncio dos ciprestes caminhou de mão dada comigo pela Lisboa quase deserta de uma segunda-feira à hora do sol se pôr. Não há lugar mais longe onde possa ir parar do que o silêncio. Por isso não falo. Escrevo apenas.
Mesmo quando escrever dói e não consigo, pelas palavras, explicar o que sinto. Ou melhor: sinto a morte a rondar as bermas dos meus dias. Cada vez mais morte, cada vez menos dias. E tenho este abraço que não tenho jeito para dar, porque é um abraço com mais silencioso do que o sopro do vento nos ciprestes.