Não gosta de “estupidez nem hipocrisia”. Quando o picam, picam. “Inflexível nos valores e princípios”. “Mais rigoroso do que a maioria em Portugal, mas menos rigoroso do que os alemães”. “Alguém que valoriza muito a lealdade”. Austero, disciplinado, frio. “Tímido”. “Católico mas não crente”. Social-democrata à Sá-Carneiro.
Rui Rio nasce a 6 de agosto de 1957, no ‘Puorto’. Na tal cidade de onde a pessoas que não são adoram dizer que se “troca os bês pelos vês mas não se troca a liberdade pela servidão” porque nada mais têm a dizer sobre ela. É nesse Porto, que desflora culturalmente ao som de Rui Veloso e GNR, que Rio desabrocha de criança para homem. Entretanto casa, com Lídia Azevedo – então secretária de redação do jornal Expresso da delegação do Porto – e tem uma filha, Marta. Mas vamos antes disso.
O seu pai era um comerciante que havia vivido no cantão francês da Suíça, a sua mãe uma portuguesa que tinha crescido numa família humilde. Chegou a ter um irmão – mais novo – que morrera com uma leucemia quando Rui tinha sete anos (quase oito). Detetaram a doença em julho de 1964 e ele viria a morrer em junho de 1965. Uma experiência “brutal”: não só pela perda mas porque, “apesar de muito jovem”, percebeu o “sofrimento dos pais”. Considera o infortúnio uma “marca” que o “destino” lhe quis “meter aos oito anos de idade” – e que “ficou”, como contou a Anabela Mota Ribeiro em 2009. Daí, o seu pai “passou a projetar tudo num só filho”. O grau de exigência, “que já era grande por força do seu perfil”, aumentou – algo que viria a marcar muito a sua educação.
Eram os tempos de estudo no Colégio Alemão, que muito lhe marcou a personalidade e a forma de estar na vida. Já lá estava, por vontade do seu pai, desde os quatro anos. O objetivo era fazer o Colégio Alemão e seguir para a Alemanha, “viver num país que tinha futuro”. À época, a “Alemanha do pós-guerra mostrava uma vitalidade e uma capacidade de se regenerar apreciável”, algo que “seduzia” o seu pai. Acabou por não ir lá parar – porque não quis. Hoje, vê-se como “mais rigoroso do que a maioria em Portugal, mas menos rigoroso do que os alemães”. Menos, também, do que o seu pai, que o era “demasiado”. Dele, “nada ou pouco levou”. Não era preciso bater: mantinha-lhe uma certa distância, cortava-lhe os brinquedos, punha-o a estudar nas férias. Não mimetizou esta educação para a sua filha Marta – considerando “vergonhoso” comparar a que lhe dá com a que recebeu. O carinho e a ternura, esses, encontrava nas mulheres da família – canções de berço de embalar. A mãe e avó eram um “refúgio”, que, “não sendo um refúgio contra o pai”, davam esse complemento. “Para a minha avó materna, o Ruizinho era tudo. E havia a minha tia-avó, que era solteira”.
Ainda em miúdo, adorava slot-cars, “aqueles carros de pista, elétricos, com que se fazem corridas”. Foi a coisa para a qual “mais teve jeito na vida” – palavras do próprio –, uma vez que não “treinava e ganhava tudo”. Foi campeão quatro vezes seguidas, mas só foi buscar uma taça: havia sempre “qualquer coisa, três ou quatro dias antes” que o punham de castigo. O tempo foi passando. Com o Douro de fundo, o pequeno Rui deixaria de lado a pista dos slot-cars para entrar noutra, maior: a da vida.
“Uma nota no bolso para cigarros e bilhar” Conhecendo a adolescência de Rui Rio, vem-nos de imediato à cabeça músicas de Rui Veloso, que, nascido no mesmo ano e criado na mesma cidade que o seu homónimo, cantou a vida da juventude portuense de classe média – ou seja, a de Rio.
Durante a adolescência, Rio não vivia com grande desafogo financeiro. As poucas notas que trazia no bolso eram gastas no café, a jogar bilhar. Sem grandes estrelas na algibeira, Rio conta como aquele hobby despertou em si a noção de poupança. “Com 15, 16, 17 anos, eu ia ao café jogar bilhar. A meio do mês já não tinha [dinheiro]. Não jogar porque não tinha dinheiro, não podia ser”. Assim, começou a regular as suas idas ao café, de forma a poupar dinheiro. “Habitou-se” àquilo e, hoje, “salvo situações extraordinárias”, em nenhum mês gasta mais do que o que ganha.
Podia haver bilhar, mas não havia cigarros – pelo menos é isso que especulamos, uma vez que era um grande desportista. Fazia atletismo, jogava futebol e hóquei. Destacou-se neste último, não tendo sido um jogador federado por impedimento do seu pai, que queria que estivesse focado nos estudos. “Jogava no pátio dos prédios. Jogava muito bem. Dois de nós foram federados, um no Futebol Clube do Porto outro no Infante Sagres. Eu jogava tão bem ou melhor do que eles e não treinava como eles. Foi um dos sonhos de criança que efetivamente não se realizaram”, contou numa entrevista à RTP. Mais tarde, quando já mandava um pouco mais em si, viria a ser federado em atletismo – desporto onde “não tinha o potencial que tinha no hóquei em patins”.
Com esta idade “a vida era mais ou menos normal”, razão pela qual inevitavelmente acabaram por surgir os primeiros namoricos – com raparigas e com a política. O seu animal político desperta pelos 15, 16 anos – “muito pouco antes do 25 de Abril”. Certo dia, passando à frente “o conselho que o velho tinha para lhe dar”, havia-se comprometido a ir a uma reunião de estudantes contra o regime na antiga Faculdade de Ciências do Porto. O encontro era à tarde e, na hora de almoço, o seu pai fora a casa, proibindo-o de ir. Correu bem para o lado do jovem Rio: “Todos os que foram à reunião, para aí uns 100, foram presos pela PIDE, detidos. E só saíram no dia seguinte”. Esteve, por isso, a “uma unha negra” de ser preso pela PIDE. Passaram-se uns anos: cresceu, rumando ao ensino superior. Paralelamente, cresceu também a liberdade em Portugal – a tal que Rio tanto tentou ampliar através do associativismo estudantil.
O Rio que corre para o mar” Munido da tal pronúncia do norte que ainda hoje o caracteriza, é por lá que Rio segue o seus estudos. À época não havia Direito no ‘Puorto’, razão pela qual pensou em ir para Engenharia – química, em particular. Tinha Matemática, “mas era Matemática a mais”. Viu, então, na Economia, um “compromisso” entre as duas coisas: “uma certa componente de letras e uma componente técnica, matemática, de raciocínio lógico muito grande”. Assim, inscreve-se na Faculdade de Economia do Porto, algo que orgulhou o seu pai.
Lá, foi duas vezes presidente da Associação de Estudantes – tendo a sua direção corporizado a primeira associação de estudantes de uma faculdade de Economia sem maioria comunista. Ao mesmo tempo que se licencia, em 1982, com 25 anos, torna-se vice-presidente da Comissão Política Nacional da JSD, cargo que viria a exercer até 1984. Rio era inspirado pela social-democracia de Sá Carneiro – ou seja, de centro-esquerda, que caminha para o socialismo. Nunca o escondeu, algo que fica notório quando rejeita colocar à direita o PSD que dirige. É movido pelos valores da democracia, do humanismo e do progressismo.
No mesmo ano começa a trabalhar no departamento financeiro de uma empresa com ligações ao têxtil. Depois, inicia-se, pelo BCP, no setor bancário. Segue-se a experiência de diretor financeiro da fábrica de tintas CIN. Em 1991, é eleito à Assembleia da República pelo PSD, tendo-se focado especialmente nas pastas da Economia e Finanças. Em 1991, apoiou Soares na sua famosa conquista de 70% na corrida à Presidência da República. Foi secretário-geral do PSD em 1996 e 1997 – época em que Marcelo era presidente – e vice-presidente do grupo parlamentar entre 1991 e 2001. No ano seguinte abandona o Parlamento para candidatar-se à Câmara Municipal do Porto: vence – com alguma surpresa –, mantendo-se no cargo até 2013 e tornando-se na pessoa que mais tempo o ocupou na história da cidade. Numa biografia sua, Mário Jorge Carvalho nota a dedicação de Rio à causa portuense, evidenciando que, ao longo dos três mandatos, “a média de permanência nesta instituição foi de mais de 12 horas diárias”. Esta “absoluta dedicação ao trabalho em detrimento de uma vida social”, nas palavra do biógrafo, pode dever-se à sua timidez – “característica que esconde por detrás de outros comportamentos, como a rigidez da gestão da sua exposição pública”.
Em 2009, quando se candidatava para o seu último mandato no Porto, Rio negava à jornalista Anabela Mota Ribeiro a ambição de “ser líder do PSD, deixar o Porto e ser primeiro-ministro”. Hoje, sabemos que a pergunta de Anabela foi premonitória: o Rio saiu mesmo do caudal apertado do Porto para vir desaguar à amplitude que o país encerra.
O PSD e a Lampreia à bordalesa Em 2014, sai dos Aliados e volta ao setor privado, assumindo funções na Boyden – Executive Search e na Neves de Almeida. Foi sol de pouca dura. Em 2017, após a derrota de Passos Coelho nas autárquicas, Rio começa a ser sondado para concorrer ao partido. Fá-lo e, em 2018, vence as eleições internas contra Santana Lopes. Mais tarde, em 2020, volta a ganhar umas diretas – contra Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz – e em novembro de 2021 vence-as de novo, desta vez contra Paulo Rangel.
Hoje, assume-se como “católico não crente”. Em tempos abria a porta da alma para receber a poesia de Goethe ou Schiller, mas hoje só “lê livros técnicos” sobre Economia. Ainda está ligado à música, fazendo da bateria um saco de pancada contra o stresse. Toca viola, apesar de pior do que bateria e “só nas férias”. Como bom alemão que encontra na prática o caminho para o sucesso, “vem das férias a tocar melhor”. Depois, como bom latino que se desleixa para tudo, “deixa de tocar outra vez”.
É adepto do Boavista – o que lhe valeu umas chatices enquanto presidente da Câmara do Porto. O seu prato preferido é lampreia à bordalesa, “embora reconheça que é para comer três vezes no ano”. Também gosta de bacalhau à Brás, rojões, tripas à moda do Porto e comida típica do Minho. Ou seja, é um português: do norte, pois claro.
Assim foi, e é, Rui Rio: da educação alemã à portugalidade inerente nos seus gostos gastronómicos. Do Douro – de onde disse que não passaria – ao Tejo, que agora tenta conquistar. De contas aos trocos para o bilhar para acabar a presidente da AE da única faculdade de Economia que não capitulava ao Capital de Marx. É descrito como rígido e austero, embora os seus sorrisos não consigam esconder um sentido de humor apurado. Eis Rui Rio – um rio que não se ficou pelo Porto e que agora corre para o mar.
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