Covid-19 nos vários setores. “Um hotel não é um hospital”

Covid-19 nos vários setores. “Um hotel não é um hospital”


Os problemas são muitos: hotéis em Lisboa com hóspedes infetados, há falta de números sobre os profissionais da cultura, que “têm sido exemplares”. E há infetados trabalham em casa com febre. Na saúde, os problemas não emergentes estão a ser esquecidos.


Nova vaga de covid-19. Novas variantes. Os diferentes setores da sociedade tiveram de se adaptar às novas realidades e a convivência com o vírus foi forçada. Mas mesmo com todos os esforços, com todas as tecnologias e ciência e com toda a cautela, o SARS-CoV-2 – passado dois anos – ainda continua a desestabilizar as empresas e os trabalhadores. 

Hotelaria A situação complica-se para quem é do setor. “Existem, em Lisboa, hotéis com clientes positivos lá dentro”, começa por contar ao i Luís Trindade, do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Sul. E complica-se também porque há trabalhadores que perguntam ao sindicato se têm de mudar as roupas aos infetados dentro dos hotéis. “Não, não têm”, diz. O sindicalista considera que são as empresas – neste caso as direções dos hotéis – que têm de fazer o circuito de segurança dos hóspedes. “Um empregado fazer uma cama lavada sem ficar infetado não é propriamente fácil”, defende. “Um hotel não é um hospital”.

Apesar de não querer revelar os nomes das unidades hoteleiras que têm casos positivos, Luís Trindade adiantou que a maioria são de cinco estrelas e são da capital – sendo que os infetados são pessoas que costumam viajar. Já em termos de trabalhadores infetados, admitiu que a situação “está pior”. E garante que devido ao plano de vacinação, “as pessoas têm menos receios em conter os vírus” e, como “muitos dos trabalhadores são precários precisam do rendimento para sobreviver”.

Supermercados Até ver, “nunca houve verdadeiramente situações de equipas ou lojas inteiras colocadas em isolamento ou em confinamento por surtos dentro dos estabelecimentos”, afirma ao i Célia Lopes do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP). Isso não significa que não tenha havido surtos, porque houve. “Os trabalhadores de hipermercados e de supermercados não estão imunes e há vários relatos com locais de trabalho com muitos trabalhadores infetados”, continua. Resultado? “Muitas faltas.”

Ou seja: o índice de assiduidade dos trabalhadores deste setor teve uma penalização “muito grande” por via da covid-19, das baixas médicas e dos isolamentos. Mas apesar das faltas e das dificuldades, no que diz respeito ao início da pandemia até aos dias de hoje, os níveis de assiduidade, conta, estão praticamente iguais. “As pessoas agora estão mais vacinadas e já não são consideradas de alto risco e, por isso, não vão ser coladas em isolamento.”

Escritórios A maioria dos trabalhadores continua em teletrabalho. Uma medida que continua em vigor até ao próximo dia 14 de janeiro. O problema é que muitas pessoas “continuam a trabalhar mesmo estando infetadas”. E muitos nem sequer recorrem à baixa médica, continua a representante do CESP. “Mas será que o deveriam fazer tendo em conta a saúde física e mental?” É uma questão que Célia Lopes deixa no ar para reflexão. “Muitos continuam a trabalhar com dores de cabeça, com dores no corpo, com febre, etc.”.

Cultura: o parente pobre Os trabalhadores deste setor “são os mais vacinados do ponto de vista da testagem”, diz Rui Galveias, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos. Especialmente na área do audiovisual: os profissionais que fazem televisão e que fazem teatro “têm tido um comportamento exemplar e muito escrutinado desde o início da pandemia em termos de testagem contra a covid-19”. Mas no que diz respeito a dados, Rui Galveias não os tem. “Uma grande percentagem dos trabalhadores da cultura está em situação de informalidade”, salienta. E defende que o Governo não fez aquilo que o sindicato achava que era o essencial: um mapeamento do setor.

“A cultura tem um grande sentido de responsabilidade. Mas não há números. A falta de mapeamento sério sobre o setor devia ter sido feito no início da pandemia – uma exigência que o setor mantém e que contribuiria para perceber melhor a realidade”, explica Rui Galveias.  Os trabalhadores da cultura, exorta, têm trabalhado com muito cuidado. As equipas que trabalham juntas de forma permanente e que estão muito próximas até procuram trabalhar de forma isolada de modo a evitar ficarem doentes. E não há histórias de surtos no que toca à cultura, a não ser em teatros. Pelo menos que o Sindicato tenha conhecimento. “Penso que isso diz alguma coisa sobre a forma como o setor tem trabalhado —independentemente da falta de condições de meios que tem para trabalhar.

Em relação à falta de números, o sindicalista diz que existe uma grande percentagem de trabalhadores que estão numa situação de informalidade muito grande “devido à precariedade do setor”. De acordo com o responsável não há dúvidas: É do setores mais precários em Portugal, o que faz com que os números sejam mais difíceis de se obter.

Hospitais. E os doentes não covid? “A tradição tem sido que este ministério da Saúde tortura os números e dizem aquilo que lhes apetece.” A frase é de Jorge Cunha, presidente do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), que alerta ao i que – apesar da vacinação – os cuidados intensivos mais cedo ou mais tarde vão começar a aumentar, assim como os internamentos.

Para não falar do “aumento” das listas de espera. “Sei de consultas de ortopedia, por exemplo, pedidas em outubro do ano passado, marcadas para julho de 2023. Os problemas que não são de emergência estão a ser deixados para trás”, diz. Mas para que isso não aconteça e seja possível reverter ao máximo a situação, é necessário “um plano de emergência para tratamento de doentes não covid onde se envolveria não apenas o SNS, mas o setor privado, o setor social e as forças armadas, para poderem dar resposta à situação”. Caso contrário, diz, o resultado é que haverão mais problemas sérios para a saúde.

Recolha de resíduos No que diz respeito à recolha de lixo, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) informou no final da semana passada, em comunicado, que “em virtude da atual situação epidemiológica, os serviços de recolha de resíduos estão com alguns constrangimentos para assegurar o normal funcionamento da atividade, atento o número de trabalhadores impedidos de exercer as suas funções, por terem testado positivo para covid-19 ou em isolamento profilático, à semelhança do que se verifica na restante população”. 

Face a esse cenário, o município apelou ao entendimento dos cidadãos e acrescentou que “os serviços de higiene urbana estão a desenvolver todos os esforços com vista a minimizar as consequências da situação, bem como, após o período em causa, proceder à rápida normalização do sistema de remoção de lixo e atividades complementares”. O problema da recolha de lixo também acontece em Sintra.

A União de freguesia de Queluz e belas escreveu, através de uma publicação no Facebook, que os SMAS informaram que poderão registar-se “perturbações de resíduos urbanos até ao final do mês de janeiro”. O problema também está relacionado com o “significativo aumento de casos em todo o território nacional” que se reflete nos trabalhadores. “Os SMAS de Sintra solicitam neste período a especial colaboração da população para que acondicione os seus resíduos em sacos e os deposite nos contentores adequados”, lê-se na nota.