EUA. A invasão ao Capitólio, um ano depois

EUA. A invasão ao Capitólio, um ano depois


Hoje, é já possível traçar, com clareza bastante, o perfil dos assaltantes do Capitólio, há um ano, com base nos dados (acerca) dos 727 norte-americanos indiciados – alguns já condenados – pela justiça dos EUA. Foi o que fez a Universidade de Chicago, com base em processos judiciais (ainda que nem todos os processos tenham…


A idade média daqueles (invasores do Capitólio) é de 42 anos, estão bem empregados e socialmente integrados. Brancos, casados, empregados. Mais de metade dos invasores é formada por pessoas oriundas de municípios que deram a vitória a Joe Biden e que perderam muitos residentes brancos. Seis em cada sete dos detidos não tinha uma filiação num movimento de extrema-direita. Mais de 50% dos invasores do Capitólio eram pequenos empresários ou ‘white collar’ (trabalhadores não braçais de funções administrativas). No assalto, participaram médicos, gestores, arquitectos. 

A esmagadora maioria dos indiciados pela invasão ao Capitólio são do sexo masculino (577); a maioria possui o ensino médio completo (203), existindo vários destes cidadãos norte-americanos com o ensino superior (106) e até pós-graduados (24). A maioria dos assaltantes tem uma idade compreendida entre os 31 e os 50 anos. Empregados não braçais de funções administrativas são 134; empresários, 117; Operários: 103; Desempregados: 32; Estudantes: 20; Aposentados: 16. 85% nunca serviu nas Forças Armadas. O maior grupo é o dos casados (206) e brancos. 
Na descrição do “Folha de São Paulo” (04-01-2022, p.A8), na peça assinada por Lúcia Guimarães, aqueles que até ao momento foram condenados tiveram “penas de prisão relativamente leves, quando se considera o contexto punitivo do combate ao terrorismo pós-11 de Setembro”. 

Entrevistado por aquele jornal, o Professor Robert Pape, Cientista Político da Universidade de Chicago, referiu-se não apenas aqueles acontecimentos e possíveis lições a tirar, como se pronunciou sobre o estudo que levou a cabo e que concluiu que há 21 milhões de norte-americanos – 8% da população adulta que acredita que a) Joe Biden roubou a eleição de 2020; b) é justificável cometer actos violentos para restaurar a Presidência Trump. Segundo Robert Pape, com o estudo que a sua equipa levou a cabo, “demonstramos que o sentimento radical testemunhado na invasão do Capitólio é hoje um fenómeno ‘mainstream’ nos Estados Unidos”. 

Se os dados coligidos impugnam a conclusão de que foi a angústia económica que levou à eleição de um demagogo populista, nos EUA, por outro lado, a cor da pele parece um elemento muito relevante neste contexto: “75% temem a chamada ‘Grande Substituição’”, teoria surgida em França, nos começos do século XX, segundo a qual haveria risco de extinção de brancos europeus, substituídos por imigrantes de África e do Médio Oriente.  

Pape debruçou-se, ainda, sobre a dieta informativa dos que consideram Trump o Presidente legítimo. Ora, 42% dos entrevistados informam-se pela Fox News, além da Newsmax e One America News; 32% informam-se pela CNN e NPR, a rádio pública. Só 20% declararam informar-se pelo Facebook e Twitter. Redes sociais tidas como mais radicais como o Telegram são, aqui, irrisórias. Numa das afirmações mais fortes ao “Folha de São Paulo”, Roberto Pope considera que “seria necessário voltar à década de 1920, quando o Ku Klux Klan passou de alguns milhares a 6 milhões de membros em 4 anos, para encontrar uma normalização da violência comparável na sociedade”. 
P.S.: Ontem, ao assistir ao documentário “Four Hours at the Capitol” (HBO, transmitido pela BBC, realizado por Jamie Roberts) e que faz, em 1h30, a reconstituição, com dezenas de depoimentos – polícias do Capitólio, membros do Proud Boys, Senadores, polícias metropolitanos, outros invasores – e toda a sorte de vídeos e imagens (nunca um crime foi tão documentado, filmado, em direto, inclusive), do atentado de 6 de Janeiro de 2021, fiquei a saber que nos dias seguintes aquela invasão 4 polícias que tinham estado presentes naqueles acontecimentos suicidaram-se. O documentário principia com as palavras de Trump, no comício não muito distante do Capitólio, naquela manhã de 6 de Janeiro, no qual insiste na tese do roubo eleitoral e, mais do que isso, no implícito incitamento à violência – “nunca teremos o nosso país de volta com franqueza…se não lutarmos como o diabo, não teremos mais um país” –, passa por participantes na invasão que insistem, hoje, que “800 mil crianças desaparecem da América todos os anos, mantidas em cativeiro, torturadas e mortas…escravizadas sexualmente” (as quais Trump procura proteger), até aos Senadores que pensaram poder perecer ali (uma das Senadoras conta como rezou ferverosamente naqueles momentos). O testemunho dos polícias, muitos à beira de serem esmagados nos confrontos, durante horas em número muito insuficiente para colocar cobro à situação, enquanto se vêem imagens de fúria e ódio dos manifestantes, é especialmente impressivo, ainda que, ao mesmo tempo, represente a principal pecha do documentário: a não indagação do porquê de os 1500 manifestantes iniciais terem conseguido, com aparente facilidade, invadir o Capitólio (permanecem as questões de porque não mais polícia e/ou uma actuação inicial mais firme desta). Finda toda a violência, retomados os trabalhos que visavam a ratificação dos resultados eleitorais, quando se pensava que a ameaça fortíssima à democracia poderia elevar consciências, uma série de representantes republicanos pronunciam-se, no regresso dos trabalhos, pela objecção à ratificação dos resultados. De tudo, e em relação ao futuro, é mesmo o mais perturbador (ou, como diz no seu testemunho um divergente republicano, se os líderes ou representantes mentem, sabendo que estão a mentir, como não irão os seus seguidores acreditar que houve fraude eleitoral?).