Mais de mil pessoas que tinham embarcado no paquete italiano Surriento que saiu de Lisboa para passar o fim do ano no Funchal, vomitavam, positivamente, as suas queixas. “Um pavor!”, dizia um. “Verdadeiramente horrível!”, acrescentava outro. Para muitos tinha sido um batismo no Atlântico. Completamente para esquecer.
Na sua maioria, mal ganharam o caminho do mar alto, enfiaram-se nos beliches dos seus compartimentos e não voltaram a levantar-se até ao fim da viagem, desperdiçando um sem número de festarolas antecipadamente preparadas.
O oceano não estivera pelos ajustes. Um violento temporal, com ventos fortes e contrários e ondas gigantes atiraram o Surriento de um lado para o outro como se não passasse de um brinquedo. Alguns dos passageiros de 1.ª classe afrontaram os medos e deslocaram-se ao salão principal para onde estava prometido um jantar de arromba, seguido de um baile. Nem conseguiram levantar-se das cadeiras, transidos de medo.
O navio adornava para a direita e para a esquerda como se não tivesse controlo. As mesas de jogo e de chá deslizavam de um lado para outros em choques contínuos. Nem os mais valentes conseguiam manter-se de pé. Muitos rolavam pelo chão enquanto a carcaça do barco rangia assustadoramente. A todo o momento ouvia-se o estilhaçar de copos e de pratos. De vez em quando, numa imitação patética da tragédia do Titanic, a orquestra tentava ensaiar umas músicas para alegrar o ambiente horrendo que tomara conta dos viajantes.
O bar, para onde alguns corriam à procura de um ou outro cordial capaz de lhes restaurar a coragem, fora obrigado a fechar os taipais. Eram mais as garrafas que se partiam do que as que se conservavam inteiras. Os menos experientes nestas fases intempestivas do mar, dedicavam-se a preces e orações, convencidos de que poderiam estar à beira de ir parar às profundezas e procurando ajuda divina. O enjoo era quase unânime e, um pouco por todos os cantos, via-se gente a vomitar com as tripas em revolta.
O comandante procurou alterar a rota, de forma a fugir ao olho da tempestade, mas isso valeu um atraso de doze horas até que o Surriento atracasse no Funchal. A passagem do ano ficara definitivamente estragada para a maioria. Três dias depois da terrível aventura, ainda havia quem prometesse jamais voltar a por os pés num navio. Mas esqueciam-se que tinham pela frente mais 48 horas de regresso a Lisboa.