Don’t Look Up. Entre a realidade e a ficção, o que divide os crentes e não crentes

Don’t Look Up. Entre a realidade e a ficção, o que divide os crentes e não crentes


Lançado nos cinemas portugueses e na Netflix a 24 de dezembro, “Don’t Look Up” faz uma abordagem satírica de como os meios de comunicação social e os políticos tratam as questões climáticas. 


A verdade é que os dois últimos anos têm sido, no mínimo, caóticos mundialmente e são cada vez mais os acontecimentos que nos fazem interrogar sobre o papel que temos tido naquela que é a nossa casa – o planeta terra.

A pandemia da covid-19, o ataque ao Capitólio por militantes pró-Trump, o regresso dos Talibãs no Afeganistão e a saída apressada dos americanos, ou ainda os relatórios cada vez mais alarmantes sobre as mudanças climáticas. Se há uns anos tentássemos perspetivar o futuro, será que teríamos mudado alguns dos nossos comportamentos? 

Também enquanto o negacionismo se concentrou em ideias, tais como a de que a Terra é plana, fomos deixando escapar o perigo que já se encontrava à espreita sem que nos apercebêssemos. A pandemia da covid-19 e o crescimento dos grupos “antivacina”, veio “desvendar” um dos principais perigos da sociedade contemporânea, algo tão “simples” como a falta de consenso e a descrença na ciência.

E foi justamente o desejo de refletir sobre esse paradigma que levou o realizador americano Adam McKay, a criar aquela que é a sua última longa-metragem, Don’t Look Up, uma produção “astronómica”, tanto pelos seus efeitos especiais, como pela sua temática e elenco: esta reúne grandes astros como Leonardo DiCaprio, Jennifer Lawrence, Meryl Streep, Jonah Hill, Cate Blanchett e Tyler Perry, Timothy Chalamet, Mark Rylance, entre outros, num enredo satírico sobre o fim do mundo graças a uma possível colisão de um cometa com a Terra.

O enredo Lançado no dia 24 de dezembro, tanto nos cinemas como na plataforma de streaming Netflix, em pouco tempo, DiCaprio arrecadou 30 milhões de euros e Jennifer Lawrence outros 24 milhões, parece não ter rival. Contudo, tem também inundado as redes sociais de uma forma agitada, com defensores e “desiludidos” com a produção. 

No filme, a estudante de doutoramento em astronomia Kate Dibiasky, interpretada por Jennifer Lawrence, descobre a existência de um asteroide de grande amplitude, com seis a nove quilómetros de diâmetro. Ela e o seu orientador, o Dr. Randall Mindy (Leonardo DiCaprio), confirmam que este virá colidir com a Terra, dentro de seis meses, acabando com o mundo. Desesperados, estes entram em contacto com as instâncias superiores da NASA e são direcionados até à Casa Branca.

Quando a dupla de cientistas lida com o desdém da Presidente dos Estados Unidos, Janie Orlean, papel protagonizado por Meryl Streep, uma espécie de Donald Trump “de saias”, o filme passa a expor com “exagero” os bastidores das movimentações políticas e mediáticas. Por serem considerados pela Presidente, cientistas de “baixo escalão”, os investigadores não são levados a sério, vendo-se “obrigados”, a recorrer à imprensa: primeiro a um jornal de grande circulação e em seguida a um programa de televisão que acaba por lhes “ridicularizar” a imagem.

Os meios de comunicação estão mais interessados em temas como divórcios entre estrelas da música, a Presidência, mais focada em fazer dinheiro do que em proteger os seus cidadãos, e os cientistas desesperados para que alguém os ouça e auxilie. 

Aliada às críticas ao sistema político e à imprensa, encontra-se também um espelho daqueles que são os “nossos comportamentos” nas redes sociais. A estudante a que Lawrence “dá vida”, vira um meme, é alvo de misoginia e vai-se tornando numa espécie de “vilã” da esfera pública, precisamente por alertar para o “fim do mundo”.

Por sua vez, DiCaprio, como em muitos casos reais, pela sua beleza física e sexo, consegue a simpatia dos telespetadores, o que pode ser visto como o “perdurável” machismo presente na sociedade – já que foi a sua aluna, mulher, a descobrir o asteroide. 

A semelhança com a realidade Segue-se então a aliança entre políticos e mega empresários que “pouco sabem o que fazem”, mostrando a realidade capitalista em que nos inserimos, sempre com os olhos postos no número de eleitores e nos dólares; uma espetacularização das tragédias, com um espetáculo da artista Ariana Grande; o negacionismo promovido por governos e o grande problema atual dos meios de comunicação, repletos de fake news, discursos “politicamente corretos”, e fantasias em frente aos ecrãs, repletos de “sorrisos” e com tão pouco “brio” e profissionalismo. “Como é que viemos aqui parar? O que é que faremos para nos voltarmos a entender?”, interroga em desespero DiCaprio, numa das cenas mais tensas da longa-metragem. 

Por isso, ao que parece, aquilo que foi concebido para ser uma “sátira”, pode acabar por assombrar o seu público, pelo tamanho do realismo e semelhanças com os tempos que vivemos. Este asteroide, que alguns persistem em negar mesmo quando este já se encontra visível do céu, é também uma metáfora para as alterações climáticas, realidade a que vários Estados insistem em “fechar os olhos”, já que isso os beneficia de alguma forma.

O realizador, mostra, nas duas horas e 18 minutos de filme, como o negacionismo cega, sendo capaz de colocar tudo aquilo que temos “em risco”. Talvez seja por isso que a produção já seja amada por uns e odiada por outros tantos. Além disso, apesar de poder soar também como uma metáfora à pandemia, o filme começou a ser construído em novembro de 2019.

A importância da produção “Acho que todos nós olhamos para este filme como um presente incrivelmente único”, declarou DiCaprio, um dos atores de Hollywood mais ativista pelo meio ambiente, em entrevista à CNN. “Estávamos a querer divulgar uma mensagem sobre a crise climática, e Adam McKay conseguiu decifrar o código ao criar esta narrativa”, acrescentou, admitindo que, durante um tempo, esteve à procura de fazer um filme sobre a crise climática, mas que não foi fácil encontrar a abordagem certa. “Ou se faz um filme sobre uma jornada existencial ao longo da vida de uma pessoa, ou realiza-se um filme de catástrofe onde Nova Iorque congela”, explicou. 

DiCaprio revelou ainda que foi atraído pelo argumento do filme porque “queria apoiar os cientistas”: “Eu queria tirar o chapéu às pessoas que dedicam as suas vidas a este problema, que sabem do que estão a falar e tentar dar-lhes um pouco de voz. Espero que filmes como este comecem a criar conversas diferentes, e mais pessoas falem sobre o tema, acabando por pressionar o setor privado e os poderes para implementarem mudanças”. 

Na mesma entrevista, interrogada sobre o título da produção, Meryl Streep admitiu que ainda “não se encontra a olhar para cima”. “Ainda não estamos a olhar para cima, mas estamos a fazer o que podemos. Existem muitas pessoas que se colocam em risco, podendo ser ridicularizadas, mas o resto de nós está apenas a arriscar a aniquilação por não lhes prestar atenção”, defendeu aquela que é considerada um dos maiores ícones de Hollywood. 

O filme já foi indicado aos Globos de Ouro 2022 na categoria Melhor Comédia ou Musical e rendeu a Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence as indicações nas categorias de Melhor Ator e Atriz em Musical ou Comédia.