Uma escola que outrora se encontrava cheia de vida está quase vazia desde sexta-feira. Desde que um menino que frequenta o 4.º ano do Ensino Básico ficou infetado com o novo coronavírus, gerou-se uma polémica e a Polícia de Segurança Pública (PSP) interveio. No entanto, quem conhece a realidade da Escola Básica Engenheiro Duarte Pacheco, mais especificamente, e das restantes que pertencem ao Agrupamento de Escolas das Olaias, em Lisboa, sabe que este é apenas um de muitos casos que já haviam surgido e não vieram a público.
“Havia muitos meninos infetados. Vinham para a escola com diarreia, febre e outros sintomas e nem sequer tinham sido vistos por um médico. Um deles voltou à escola apenas uma semana depois. Supostamente, o maior surto era o da 3.ª classe, mas será que, se o SNS24 soubesse disto, ele teria voltado às aulas tão cedo e os pais ficado em isolamento?”, questiona uma fonte que não pretende identificar-se por temer represálias, mas garante que está a transmitir informações porque não “aguenta mais ver o estado a que tudo chegou”.
“As crianças vão quase todas para casa doentes e ninguém faz nada. A mãe de uma delas ligou a dizer que a família estava toda de quarentena. O e-mail foi enviado à professora da turma em que ele está e ela disse que não tinha sido informada. Outra mãe pediu que nunca tirássemos a máscara à filha porque, no prédio em que vivem, os vizinhos estão quase todos infetados. Há cerca de duas semanas, uma auxiliar estava com covid-19 e ficou em isolamento, assim como uma turma”, acrescenta.
“Estão a acontecer coisas que nunca vi antes. Alguns miúdos nem sequer têm dinheiro para fazer o teste, mas o problema é que estão a querer esconder à situação. O Ministério da Saúde podia ajudá-los se soubesse aquilo que se passa”, denuncia, lembrando que, na passada quinta-feira, a Direção-Geral da Saúde (DGS) dava conta de 614 surtos de covid-19 – dois ou mais casos confirmados com ligação epidemiológica entre si no tempo e no espaço – em todo o país.
Metade destes estavam nas escolas, pois segundo os dados disponibilizados pela autoridade de saúde à agência Lusa, na segunda-feira da semana passada, dia 6 de dezembro, estavam ativos 614 surtos – 378 em estabelecimentos de educação e ensino dos setores público e privado, 39 em lares e 15 em instituições de saúde.
A DGS destacou, porém, que este número contrasta com o valor máximo atingindo no país, em fevereiro, quando estiveram ativos 921 surtos. Os 378 surtos ativos em escolas correspondem a 3.082 casos do novo coronavírus acumulados, entre alunos, profissionais e coabitantes, “parte dos quais já estarão recuperados”, de acordo com a DGS.
Uma morte por gripe há 11 anos “Coitadinhos, os miúdos que estavam infetados andavam muito em baixo. Por isso é que levo sempre duas máscaras. Não os quero pertinho de mim como antes, digo que estou doente e que não quero que fiquem iguais a mim. São pequeninos, não têm culpa disto e não entendem aquilo que se passa”, lamenta, adiantando que “os pais querem proteger os filhos”, mas não o conseguem fazer como imaginam.
“Mentimos a todos porque estão a 1.ª classe e a 2.ª juntas e a 3.ª e a 4.ª também. Os alunos ficam também todos juntos no recreio e na cantina. Nas salas, ficam perto dos professores. Os mais velhos tiram as máscaras uns aos outros e os piores são os repetentes da 4.ª classe”, declara, constatando que, quando se apercebeu da gravidade da situação, havia “pelo menos 12 miúdos em isolamento”.
“A coordenadora tem de falar connosco e dizer aquilo que se está a passar porque nem sequer temos noção do número exato de crianças infetadas. A direção fecha-se em copas e finge que não somos ninguém”, critica, descortinando que a coordenadora da escola pediu a uma encarregada de educação que não contasse a ninguém que o filho estava doente. “Até então, esta senhora não tinha contactado o agrupamento nem a DGS desde que começaram os sintomas de covid-19 na escola”.
“Sinto-me injustiçada porque já passei por várias coordenadoras e nenhuma agiu assim. Ela passa o dia fechada no gabinete e o resto das pessoas veem os problemas a surgirem. Muitos dos pais, não conseguindo falar com quem querem, insultam as auxiliares de ação educativa e dizem coisas como ‘Andam aqui estas sem fazer nada’ e ameaçam contactar os canais televisivos”, continua, recordando, contudo, que um aluno perdeu a vida na EB 2/3 das Olaias quando estava infetado com gripe A, doença provocada pelo vírus H1N1 que originou uma pandemia com a duração de cerca de 20 meses cujos primeiros casos ocorreram no México em março de 2009.
A 2 de dezembro daquele ano, o Correio da Manhã publicava uma reportagem intitulada de “Gripe A assusta pais das Olaias”, explorando o impacto da morte de André, de apenas 14 anos, na comunidade escolar. Os amigos e vizinhos do adolescente não deixaram de demonstrar a preocupação que sentiam, pois, tal como a covid-19, também a gripe A podia afetar qualquer pessoa.
“Uma outra escola próxima, a primária Eng. Duarte Pacheco, não escapa às críticas dos pais de alunos, que alegam ‘não ter desinfetantes e as casas de banho não são limpas e nem portas têm’”, lê-se no artigo do CM, sendo que, à época, a mesma era “contraposta pelo Ministério da Educação, que alega já ter sido disponibilizada uma verba de reforço para a aquisição desses materiais”.
Em fevereiro de 2010, um estudo publicado na revista Eurosurveillance indicava que, ainda que a gripe A estivesse a matar menos do que a gripe sazonal, o vírus H1N1 fizera aumentar a mortalidade entre as crianças. À data, em Portugal, tinham morrido seis crianças com esta doença e as autoridades de saúde afirmavam que esta patologia havia afetado muito mais os jovens até aos 15 anos.
Cinco das seis crianças tinham outros problemas de saúde associados, mas era consensual entre os especialistas que a vacinação poderia ter impedido que estes óbitos precoces ocorressem. Naquilo que diz respeito à pandemia atual, a 1 de outubro tinham morrido três crianças entre os 0 e os 9 anos e duas crianças e jovens entre os 10 e os 19 anos, sendo que os mais novos começarão a ser vacinados no próximo sábado.
Um agrupamento problemático para além da pandemia “A questão é que na televisão falam de todas as escolas exceto da nossa. Parece que está sempre tudo muito bem, mas é exatamente o oposto”, aponta, indo ao encontro da perspetiva de uma segunda fonte que também não quer revelar a identidade. “Mostram os genitais e quase se matam. São situações gravíssimas”.
“Há o caso específico de um estudante que mostra o pénis constantemente aos colegas e incentivou-os a fazer o mesmo. E já são muitos com este comportamento”, desabafa, considerando que “neste agrupamento, só falta dizerem às criancinhas ‘seja feita a vossa vontade’. Assim se vai levando o dia-a-dia”, lastima.
“Um miúdo de 18 anos levou o cutelo da carne para aleijar o professor. Isto foi há uns bons anos, mas continuamos a fingir que não vemos nada”, lembra, não escondendo o clima de violência e medo que, muitas das vezes, se vive dentro das escolas e nas imediações das mesmas. “Também já me puseram uma pistola nas mãos, fui à direção e ainda me perguntaram se a arma era verdadeira ou de brincar. Primeiro até pensei que me tinham roubado o comando do quadro de uma das salas, mas acabei por enrolar a pistola em papéis, escondê-la dentro do livro de ponto e levá-la a quem de direito”.
O i conseguiu apurar que, na próxima quinta-feira, uma equipa do Programa Escola Segura, da PSP, alegadamente visitará este estabelecimento escolar. O agrupamento, a GNR e a PSP não responderam às tentativas de contacto até à hora de fecho desta edição.
Nota: na edição impressa do jornal i de dia 15 de dezembro, lê-se que "o maior surto era o da 2.ª classe", mas tratou-se de um lapso entretanto corrigido na versão online do artigo.