Tempos duros criam mulheres e homens fortes; homens e mulheres fortes tornam os tempos fáceis; os tempos fáceis geram mulheres e homens fracos; mulheres e homens fracos dão origem a tempos difíceis. E nós, o que estamos a criar?
Não estamos a viver uma época fácil, o que poderia significar que teríamos mulheres e homens fortes no leme que nos dariam um rumo claro à incerteza dos nossos dias. E isto não é exclusivo desta era pandémica, era algo que já pairava no ar relativamente a muitas outras questões quotidianas para as quais não havia resposta, nem solução à vista. Um tempo do nim-nim, em que nada é uma certeza e tudo é relativo. O mesmo tempo que levou Joseph Ratzinger, em 2005, a alertar para a “ditadura do relativismo”, em que nada se assume como definitivo, somente se reconhece o próprio eu e as suas vontades derivadas.
Bernard Henri-Lévy, filósofo francês, andou de palco em palco por essa Europa fora, antes da pandemia, a apregoar que vivemos num “tempo sem esperança” e como isso pode vir a ser “mortal”. Recusava-se a aceitar uma Europa que “sucumbe a uma avalanche de mediocridade”, relembrando a tragédia de Sarajevo, e para isso exortava a quem o ouvia a não compactuar com o populismo e com os discursos de ódio.
Estes dois homens, entre muitos mais, convergem para uma mesma preocupação que paira na cabeça de muitos de nós. Que tipo de geração é esta que criámos que parece não se interessar por nada daquilo que é fundamental para manter os alicerces das nossas liberdades tão duramente conquistadas? Serão estes jovens o resultado dos tempos fáceis que os pais viveram?
Temos a geração jovem mais isolada de sempre, ao contrário do que pensávamos ser uma especificidade dos mais velhos. No Reino Unido, um em cada cinco millennials admite não ter um único amigo; quatro em cada cinco indivíduos da faixa etária 16-24 anos sentem-se sozinhos frequentemente; e cerca de 50% das crianças e pré-adolescentes entre os 10 e os 15 anos admitem o sentimento de solidão com muita frequência. Em Portugal, os números são semelhantes. Estes números nada têm a ver com os cerca de 940 mil portugueses, entre os 15 e os 65 ou mais anos, que vivem sozinhos, sendo que 8% corresponde a jovens entre os 15 e os 34 anos. A solidão causa dor e sofrimento e, normalmente, está associada a rejeição, já que pode ser sentida mesmo quando se está acompanhado. A angústia de se sentir sozinho abate-se sobre o indivíduo que não deseja estar nessa situação, mas que não consegue sair dela.
E não é ao acaso que estes números ressoam em estudos sociológicos contemporâneos e que, cada vez mais, procuramos estudar estes fenómenos como forma de compreensão para comportamentos sociais e tendenciosos.
A par destes estudos, há um outro que reflete bem o que está a montante das gerações em formação: o do tempo dos pais. Segundo o pedopsiquiatra Pedro Strecht, as crianças passam oito horas na escola e, em média, estão 2h30 em frente à televisão e os pais dedicam-lhes apenas trinta e sete minutos por dia.
A acrescer a todos estes números preocupantes vivemos uma situação de crise pandémica que isolou ainda mais as gerações jovens, colocando-as perante dificuldades que não conheciam e para as quais não há resposta formulada. Uma geração que teve que encontrar os seus próprios meios para comunicar e para estar, e que ainda hoje se reinventa à medida que que os decisores políticos vão anunciando ora restrições, ora maior liberdade de circulação. A dificuldade que é não poder planear o dia seguinte, quanto mais o fim-de-semana ou as próximas férias, que muitas vezes servem de incentivo para se despender mais horas no estudo. O atropelo que se deve sentir, no início da idade adulta, sem ter perspetivas padronizadas de um futuro que não se deixa conhecer.
O futuro circunstancial destes jovens já não era muito animador no período pré-pandémico, com toda a sua indiferença anémica e uma ligeireza espiritual que lhes permitia colocar todo o seu ser numa mochila e abalar por esse mundo fora. Eram fruto de tempos de pais de épocas fáceis. Hoje, vejo estes mesmos jovens mais interventivos, mais conscientes dos seus deveres, mas acima de tudo das suas obrigações enquanto cidadãos e como pedra basilar numa engrenagem que convoca todos e cada um de nós para a decisão do que é melhor para nós enquanto comunidade.
Acredito, acredito muito nesta geração que adotou a filosofia de YOLO (You Only Live Once) e que sonha todas as noites com o sucesso de Zuckerberg e da Uber, que compra online tudo o que pode, que agenda manifestações através do Twitter, que tem uma aplicação no telemóvel para tudo (até para medir a pressão arterial), que arrenda em vez de comprar e que ambiciona ser o seu próprio patrão. Acredito que com esta vivência irão compreender melhor os pais e os avós e os seus modelos de vida que procuravam a estabilidade vitalícia em todas as áreas das suas vidas. Ainda que já não a tenham ao seu dispor…. Acredito que ganharam densidade espiritual e que descartaram o imediato, porque sentem falta de planear os seus projetos, ainda que sejam individuais. Mas acima de tudo, acredito que passaram a olhar para o próximo como alguém de quem dependemos na longa e complexa máquina que é esta – a da vida.
Escreve quinzenalmente