Reforçar medidas gerais de proteção e acelerar a vacinação. Na reunião do Infarmed não se ouviu falar de confinamentos nem do regresso a medidas muito mais restritivas. Saiu o consenso de que as vacinas têm mostrado eficácia contra doença grave e também no controlo da incidência de covid-19 sem as restrições do ano passado – desde maio já terão evitado 2 mil a 3 mil mortes, sugerem duas estimativas apresentadas -, mas a proteção diminui com o tempo, em particular nos mais idosos, que têm maior risco de complicações. E, se o reforço não for feito rapidamente na população mais velha, as projeções indicam que o Serviço Nacional de Saúde não vai conseguir responder a todos os doentes no inverno.
Numa simulação apresentada pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (INSA), a projeção é que, se a dose de reforço não acelerar e se não houver uma adesão massiva dos maiores de 65 anos elegíveis para a vacinação, na casa dos 99%, e antes do Natal, em janeiro e fevereiro o mais provável é as unidades de cuidados intensivos voltarem a registar um nível de ocupação que obrigue à abertura de mais alas, desviando recursos de outros serviços e voltando a comprometer a resposta na área cirúrgica.
Os cenários apresentados por Baltazar Nunes, no INSA, apontam o período mais crítico para janeiro e fevereiro, coincidindo com o pico de infeções respiratórias, projetando que, no cenário de desvanecimento mais rápido da proteção conferida pelas vacinas acima dos 65 anos, que tem estado a verificar-se, se a adesão ao reforço se ficar por 60% ou mesmo 80%, será ultrapassado o patamar de 255 camas de UCI definidos pelos médicos intensivistas como a linha vermelha para evitar impacto na resposta do Serviço Nacional de Saúde a outros doentes.
No último inverno, chegou a haver 900 doentes com covid-19 em UCI, o que com outros doentes críticos obrigou a esticar a capacidade dos cuidados intensivos para 1300 doentes, mais do dobro da capacidade normal, mas tal implicou a suspensão de cirurgias programadas durante largas semanas e desvio de profissionais de vários serviços.
Este ano, pelo menos do lado da covid-19, não se prevê uma pressão dessa ordem – sem reforço da vacinação, a projeção é que seriam necessárias 600 camas de UCI para a covid-19 – mas, se a adesão ao reforço da vacinação ficar pelos 60%, a projeção do INSA é que seja precisas 400 camas de UCI só para responder a doentes críticos com covid-19 e, se rondar os 80%, a ocupação de UCI rondará os 300 doentes com covid-19 no pico das infeções apontado para o início de fevereiro. Apenas no cenário em que é conseguida uma adesão na casa dos 99% ao reforço da vacinação nos maiores de 65 não se antevê rutura da capacidade de UCI sem ser preciso passar ao plano de alargamento.
No Algarve só 27% fizeram reforço
No ponto de situação sobre a vacinação, feito pelo coronel Penha Gonçalves, que rendeu Gouveia e Melo na coordenação deste processo em articulação com a DGS, ficou patente que ainda se está longe de atingir o patamar apresentado por Baltazar Nunes, que não foi apresentado como cenário A, apontando-se para uma adesão de 80%.
A cobertura da vacina da gripe está mais adiantada que o reforço da covid-19, com 73% do idosos com mais de 80 anos já vacinados contra a gripe, 42%na faixa etária dos 70 e 79 anos e 20% acima dos 65 anos. Falta vacinar 730 mil pessoas contra a gripe para atingir a cobertura dos últimos anos acima dos 65 anos (75%).
No caso do terceira dose da vacina da covid-19, que está a ser dada a pessoas com mais de 65 anos que fizeram a vacina há mais de seis meses, estão vacinados apenas 63% dos idosos com mais de 80 anos elegíveis, 24% dos idosos entre os 70 e 79 anos e 8% dos maiores de 65 anos elegíveis (o agendamento para maiores de 65 anos só arrancou esta semana).
Por regiões, o Algarve, que é neste momento a zona do país com maior transmissão e incidência e onde estão a ser mais afetadas pessoas mais velhas, revelou a DGS na reunião, é a região do país com menor adesão ao reforço da terceira dose, com apenas 27% dos elegíveis vacinados. Os melhores indicadores surgem no Alentejo (44%). Mas, a pouco mais de um mês do Natal, está-se a metade do objetivo, com 632 mil doses de reforço administradas nas últimas semanas.
Penha Gonçalves apresentou dois cenários: num, em que se aponta para uma adesão de 80% à terceira, é preciso dar ainda 642 mil doses de vacina, 22 mil por dia, dentro das capacidades, disse. Para chegar aos 100% de adesão, será preciso dar ainda mais de um milhão de doses, o que vai implicar um ritmo de mais de 35 mil doses por dia e que as pessoas aderiam. Sobre isso, Margarida Gaspar de Matos apontou algumas falhas na comunicação. «Devíamos ter chamado atualização vacinal e não reforço, dá ideia que nos enganámos na dose», exemplificou.
Certificados mais teste
Na reunião, a pneumologista Raquel Duarte, que apresentou um plano para novas medidas, pôs também a tónica no reforço da vacinação, a par do reforço de medidas gerais de proteção, arejamento de espaços interiores, teletrabalho e desfasamento de horários quando possível, reforço de testagem nos aeroportos e uso de máscara na via pública em zonas de maiores aglomerações. Já o uso de certificados no acesso a eventos e que poderá ser estendido por exemplo a bares e discotecas deve ser complementado com um teste feito nas 48 horas anteriores.
A equipa defende medidas mais rigorosas em especial nos lares, como o uso de certificado digital de visitas e testagem regular de funcionários, bem como uma ventilação adequada nos transportes. Já antes de convívios, o apelo é que seja promovida uma cultura de uso de auto-teste. O epidemiologista Henrique Barros foi mais longe e defendeu que nesta fase devem ser desaconselhados convívios com mais de 50 pessoas. E, logo que a Agência Europeia do Medicamento o clarifique, vacinar crianças, o grupo etário onde as infeções mais estão a aumentar. Da análise da situação epidemiológica, isso fica claro: a maioria dos surtos estão a ser sinalizados em escolas. Já o reforço da vacinação que começou pelos maiores de 80 parece já estar a controlar a subida de casos nesta faixa etária. No Algarve, os peritos acreditam que nova sub-linhagem da variante delta AY4.2, associada a uma subida mais rápida de infeções no Reino Unido, já está com transmissão comunitária, o que é mais um sinal de alerta. Pela histórico da pandemia, o que começa numas regiões estende-se rapidamente a outras.
O Governo reúne com os partidos na próxima terça-feira e anuncia medidas após o Conselho de Ministros de quinta-feira.