Transparência, Abuso e Ursos


Temos uma medíocre cultura de transparência, sobretudo por termos uma cultura ainda pior de ‘prestar contas’ (accountability, para os mais anglófonos). Um aspecto incentiva o outro. Para ajudar, o ‘respeitinho’ ao poder faz com que o questionar e o exigir (…) se fique pela indignação fácil na rede social. 


Não há transparência sem informação. Não há informação sem dados. Num mundo em que cada passo dado é registado numa qualquer base de dados é ridícula a falta de dados e informação disponíveis sobre matérias de interesse geral.

Exemplos:

Não se deixam brincar as criancinhas na rua porque o mundo está muito mais perigoso que antes, como facilmente se pode constatar em todos os meios de comunicação social, a toda a hora. Procurei exaustivamente por estudos de evolução de crimes contra criança, e, surpresa, nada. Mas ‘toda a gente’ sabe que o mundo está muito, muito mais inseguro.

Há excesso de mortalidade não diretamente causada pelo Covid-19, mas devido à limitação do acesso a cuidados de saúde e à menor predisposição das pessoas para irem a unidades de saúde. Verdade ou mentira? Depende do político ou sound-byter que tiver o microfone à mão. Dados de fácil acesso, que qualquer cidadão possa aceder para decidir, por exemplo, se deve ou não preocupar-se por a consulta de rastreio oncológico que devia ser semestral ir já para 2 anos sem acontecer, não existem.

Há devedores ao Estado, e até uma Lista de Devedores ao Estado. Mas o Estado é também devedor de muitas empresas. Onde está a Lista de Credores ao Estado que desesperam e falem por prazos de pagamento absurdos? Não será uma preocupação do Governo?

Uma excepção, absolutamente hilária: o Ensino em Escolas Públicas é mais barato (e infinitamente melhor) que em Escolas Privadas? Incautamente, o nosso ministro da Educação, aposto que num arroubo de defesa feroz do Governo veio a público afirmar, orgulhoso, que cada aluno na Escola Pública custa 6.200€ / ano. Infelizmente não teve em conta que este valor é superior a muitas Escolas Privadas. Certamente não teria falado se tivesse feito o trabalho de casa. Uma fuga de informação, portanto uma excepção a um padrão de exemplar transparência por parte do Estado na disponibilização de informação atempada e de qualidade aos cidadãos. Com filhos em Escolas Públicas, e sobretudo quando não têm uma disciplina durante meses porque não aparecem professores, deu-me que pensar se não deveria propor ao Estado dar-me este dinheiro para eu gastar como quisesse na Educação dos meus filhos.

Quando se discutem fundos comunitários, geralmente o que é propalado nos megafones são os milhares de milhões que aí vêm e os milhares de milhões que já se ‘executaram’ ou ‘faltam executar’. Não haverá uma alminha que agarre nos dados das empresas e da economia antes e depois da ‘execução’ e diga à populaça qual foi afinal o impacto real em ganhos de produtividade, competitividade e outras ‘ades’ destas cornucópias comunitárias? Os dados existem, mas ou não são sequer tratados, ou se o são, ficarão provavelmente nas mãos dos ‘peritos’ e/ou dos ‘responsáveis’. O povo agradece, sobretudo quando grande fatia povina sabe de alguém que ‘conseguiu fazer um esquema para sacar uma boa maquia com fundos comunitários’.

Temos uma medíocre cultura de transparência, sobretudo por termos uma cultura ainda pior de ‘prestar contas’ (accountability, para os mais anglófonos). Um aspecto incentiva o outro. Para ajudar, o ‘respeitinho’ ao poder faz com que o questionar e o exigir que seriam necessários a uma melhor saúde cívica, social e económica, se fique pela indignação fácil na rede social, o rosnar lateral perante os imprescindíveis alertas da CMTV e o universal título de Doutorado (‘Sr Dr’) com que se trata deferentemente a grande maioria dos portugueses.

A culpa do abuso é tanto do abusador como do abusado.

E como estou no espírito natalício, sem nada a ver, e só porque me apetece: quem não quer ser urso não lhe vista a pele.

Transparência, Abuso e Ursos


Temos uma medíocre cultura de transparência, sobretudo por termos uma cultura ainda pior de ‘prestar contas’ (accountability, para os mais anglófonos). Um aspecto incentiva o outro. Para ajudar, o ‘respeitinho’ ao poder faz com que o questionar e o exigir (…) se fique pela indignação fácil na rede social. 


Não há transparência sem informação. Não há informação sem dados. Num mundo em que cada passo dado é registado numa qualquer base de dados é ridícula a falta de dados e informação disponíveis sobre matérias de interesse geral.

Exemplos:

Não se deixam brincar as criancinhas na rua porque o mundo está muito mais perigoso que antes, como facilmente se pode constatar em todos os meios de comunicação social, a toda a hora. Procurei exaustivamente por estudos de evolução de crimes contra criança, e, surpresa, nada. Mas ‘toda a gente’ sabe que o mundo está muito, muito mais inseguro.

Há excesso de mortalidade não diretamente causada pelo Covid-19, mas devido à limitação do acesso a cuidados de saúde e à menor predisposição das pessoas para irem a unidades de saúde. Verdade ou mentira? Depende do político ou sound-byter que tiver o microfone à mão. Dados de fácil acesso, que qualquer cidadão possa aceder para decidir, por exemplo, se deve ou não preocupar-se por a consulta de rastreio oncológico que devia ser semestral ir já para 2 anos sem acontecer, não existem.

Há devedores ao Estado, e até uma Lista de Devedores ao Estado. Mas o Estado é também devedor de muitas empresas. Onde está a Lista de Credores ao Estado que desesperam e falem por prazos de pagamento absurdos? Não será uma preocupação do Governo?

Uma excepção, absolutamente hilária: o Ensino em Escolas Públicas é mais barato (e infinitamente melhor) que em Escolas Privadas? Incautamente, o nosso ministro da Educação, aposto que num arroubo de defesa feroz do Governo veio a público afirmar, orgulhoso, que cada aluno na Escola Pública custa 6.200€ / ano. Infelizmente não teve em conta que este valor é superior a muitas Escolas Privadas. Certamente não teria falado se tivesse feito o trabalho de casa. Uma fuga de informação, portanto uma excepção a um padrão de exemplar transparência por parte do Estado na disponibilização de informação atempada e de qualidade aos cidadãos. Com filhos em Escolas Públicas, e sobretudo quando não têm uma disciplina durante meses porque não aparecem professores, deu-me que pensar se não deveria propor ao Estado dar-me este dinheiro para eu gastar como quisesse na Educação dos meus filhos.

Quando se discutem fundos comunitários, geralmente o que é propalado nos megafones são os milhares de milhões que aí vêm e os milhares de milhões que já se ‘executaram’ ou ‘faltam executar’. Não haverá uma alminha que agarre nos dados das empresas e da economia antes e depois da ‘execução’ e diga à populaça qual foi afinal o impacto real em ganhos de produtividade, competitividade e outras ‘ades’ destas cornucópias comunitárias? Os dados existem, mas ou não são sequer tratados, ou se o são, ficarão provavelmente nas mãos dos ‘peritos’ e/ou dos ‘responsáveis’. O povo agradece, sobretudo quando grande fatia povina sabe de alguém que ‘conseguiu fazer um esquema para sacar uma boa maquia com fundos comunitários’.

Temos uma medíocre cultura de transparência, sobretudo por termos uma cultura ainda pior de ‘prestar contas’ (accountability, para os mais anglófonos). Um aspecto incentiva o outro. Para ajudar, o ‘respeitinho’ ao poder faz com que o questionar e o exigir que seriam necessários a uma melhor saúde cívica, social e económica, se fique pela indignação fácil na rede social, o rosnar lateral perante os imprescindíveis alertas da CMTV e o universal título de Doutorado (‘Sr Dr’) com que se trata deferentemente a grande maioria dos portugueses.

A culpa do abuso é tanto do abusador como do abusado.

E como estou no espírito natalício, sem nada a ver, e só porque me apetece: quem não quer ser urso não lhe vista a pele.