2021 foi – e está ainda a ser – um ano marcado pela pandemia. Mas enquanto são vários os setores a sofrer graves consequências desta crise pandémica, o do imobiliário mostra-se resiliente e as principais imobiliárias apresentaram até crescimentos no volume de negócios.
Mas numa altura em que a pandemia ainda não terminou, quais são as principais tendências verificadas neste mercado este ano? “Num ano atípico, marcado por uma pandemia, o mercado imobiliário foi considerado um dos mais resilientes”, começa por dizer ao i Paulo Caiado, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP). E justifica: “A construção nunca parou e os novos empreendimentos continuaram a surgir para trazer a oferta que faltava ao mercado. A falta de habitação nova para a classe média portuguesa tem sido uma das carências dos últimos anos. Por esse motivo, a aposta de muitos promotores tem sido a construção nova para esse segmento”.
O responsável relembra que “o imobiliário vinha de uma tendência de grande dinamismo e crescimento” e que a maior quebra aconteceu no primeiro confinamento, altura em que as vendas caíram. “Mas depressa o mercado voltou a funcionar”, admitindo que “nem mesmo a esperada descida dos preços das casas aconteceu verificando-se uma estabilidade dos mesmos”.
No entanto, nem tudo corre a 100% e Paulo Caiado reforça “o custo na construção, onde a falta de mão-de-obra e o aumento do custo dos materiais, influenciam o custo dos projetos. Já para não falar no custo dos terrenos e ainda no tempo muitas vezes excessivo nos licenciamentos, agravado com as inúmeras taxas e impostos inerentes neste setor”. Fatores que vão influenciar o preço do metro quadrado quando o projeto chega até ao consumidor final.
Já Ricardo Sousa, CEO da Century21 Portugal, admite que há quatro principais tendências que estão a marcar o mercado imobiliário este ano. Uma delas é o impacto da pandemia no comportamento dos consumidores. “De acordo com o estudo realizado pela mediadora, 45% das famílias portuguesas gostariam de mudar de casa, após a experiência dos confinamentos. Por parte de quem procura, existe a aspiração de encontrar casas maiores, com melhor eficiência energética, com mais luz e com áreas exteriores, entre outros critérios”, diz ao i. Segue-se o segundo fator que está relacionado com a “escassez de oferta de imóveis ajustados às necessidades e à capacidade financeira dos consumidores, em várias regiões e segmentos de mercado”. Em terceiro lugar o destaque vai para o “aumento da poupança forçada por parte das famílias portuguesas, em consequência das restrições ao consumo durante a pandemia” e, por último, “as taxas de juro historicamente baixas geram excesso de liquidez no mercado, contribuem para estimular o financiamento no crédito à habitação e para direcionar o investimento para ativos imobiliários”.
Opinião não muito diferente da de Rui Torgal, CEO da ERA Portugal que também assume que a pandemia e os confinamentos vieram trazer novas tendências de procura. Moradias, terrenos, casas na periferia lideraram as tendências que agora continuam. “Agora, com o voltar à normalidade, a procura por moradias, terrenos e casas localizadas nas zonas periféricas está a aproximar-se de valores pré-pandémicos. Ainda assim, e tendo em consideração que o teletrabalho continua a ser uma realidade para algumas empresas, a procura por este tipo de imóveis é superior aos valores registados antes da pandemia”, refere.
Por seu turno, a Remax garante que “este ano tem sido marcado por algum aumento da procura, sobretudo nos últimos meses, atendendo às expetactivas mais positivas sobre a evolução económica do país, por uma certa mudança nas preferências dos compradores (que privilegiam hoje mais os imóveis com espaços exteriores, em zonas semiurbanas ou até mesmo terrenos para construção) e o regresso dos investidores internacionais que vêm o mercado imobiliário nacional como um destino seguro e com boa rentabilidade para os seus capitais”.
A pandemia afetou compra e venda? Depois da quebra acentuada no primeiro confinamento, existiu “a necessidade de digitalizar a economia”, o que, na opinião do presidente da APEMIP, “foi também uma forma de dar um impulso à mediação imobiliária para se focar nas novas tecnologias”. E, nesse período, “as empresas aproveitaram para se modernizarem e incorporarem soluções digitais e isso ajudou na concretização de negócios”.
Para o responsável, outro dos motivos para que a compra de casa continuasse elevada “diz respeito ao incentivo da banca aos empréstimos à aquisição de habitação. A compra de casa usada também tem continuado ao ritmo anterior à pandemia, até porque as baixas taxas de juro têm igualmente contribuído para o aumento do número de novos créditos à habitação”. E os mais recentes dados do Banco de Portugal não deixam margem para dúvidas: os novos empréstimos à habitação atingiram, em setembro, 1331 milhões de euros, um valor superior em cerca de 70 milhões de euros ao registado em agosto.
Do lado da Century21, Ricardo Sousa lembra que “a mudança de habitação é, maioritariamente, uma consequência das alterações da estrutura familiar – casamentos, divórcios, mais filhos, heranças e emancipação dos jovens – e são situações que geram uma necessidade de habitação até num contexto de pandemia”.
E uma vez que 45% dos portugueses assumem que gostariam de mudar de casa, “a procura de imóveis residenciais mantém-se muito ativa e, sobretudo, condicionada pela escassez de oferta de soluções habitacionais nos segmentos onde se concentra a maioria da procura, que são a classe média portuguesa e os jovens que se querem emancipar”.
Na rede da mediadora verificou-se um crescimento muito acentuado do primeiro trimestre do ano – com o país já em pleno confinamento – para o segundo trimestre e a tendência de evolução manteve-se, também, do segundo para o terceiro trimestre do ano.
“Se olharmos para a evolução dos principais indicadores de negócio, constata-se que o número de transações de venda sobe 28% no segundo trimestre e 11,7% no terceiro, enquanto o número das transações de arrendamento dispara 36% do primeiro para o segundo trimestre e 14,2% no terceiro. Também os preços médios de venda de imóveis seguem uma trajetória ascendente ao longo dos trimestres, desde os 156800 euros registado no primeiro trimestre, para os 165 942 euros no segundo e 169944 euros no terceiro trimestre”, acrescenta.
Rui Torgal lembra que, tal como outros setores, também o imobiliário foi afetado pela pandemia. Por isso, “como é natural, os vários períodos de confinamento decretados e a obrigatoriedade de termos as lojas encerradas, tiveram influência no nosso negócio”. Mas “o interesse na compra e na venda de imóveis manteve-se sempre muito ativo, tendo o mercado imobiliário recuperado rapidamente o seu total dinamismo”.
Por isso, hoje, a mediadora regista níveis pré-pandemia. “Estamos convictos de que 2021 será dos melhores anos de sempre da ERA, ultrapassando os 80 milhões de euros em faturação. Em setembro deste ano registámos já o valor mais elevado de faturação desde 2019 e vendemos, de janeiro a setembro, 8 738 imóveis (mais 21,2% do que no mesmo período do ano passado)”, acrescenta.
Até porque, atualmente, “mantém-se a procura e a confiança no setor imobiliário, assim como se mantém o investimento nacional e internacional nas boas oportunidades de negócio”. O CEO da ERA diz ainda que “apesar de existirem zonas do país que registam mais procura, de uma forma geral, temos verificado uma elevada procura um pouco por todo o território nacional”.
Assim, não há dúvidas: “Acreditamos que o setor imobiliário foi um dos mercados que melhor reagiu ao impacto do surto sanitário. No nosso caso, a contínua aposta em novas tecnologias e ferramentas digitais de trabalho, assim como o foco na criação e implementação de mais inovação no negócio trouxe a resposta necessária para enfrentar e atenuar os impactos pandémicos”.
Para a Remax apesar de a pandemia ter afetado o mercado no início, “o processo de vacinação e relativo controlo dos indicadores de saúde pública, apoiados pela chamada bazuca europeia reforçaram a confiança dos diversos agentes económicos, permitindo um regresso à chamada normalidade pré-pandémica”. E, por isso, hoje em dia, “o processo de compra e venda é, pois, muito similar ao período pandémico”.
O problema dos preços altos As críticas de quem quer comprar casa não são novas: os preços são muito elevados. Muitos esperavam que os valores atenuassem com a pandemia mas tal não aconteceu. O presidente da APEMIP diz que em cidades como Lisboa e Porto, onde os preços são tendencialmente mais altos, “a tendência foi de se ajustarem mas sem nunca baixarem como era previsto”. A verdade é que “verificou-se uma estabilidade e a tendência é para se manterem nesse caminho”, defende Paulo Caiado, acrescentando que “os preços são ditados pela oferta e pela procura e é isso que vai indicar a sua evolução. Além da já referida subida do custo da construção que dita igualmente o preço final do metro quadrado”.
Além disso, defende, é importante não esquecer que “os preços praticados em Portugal estão abaixo da maioria dos países de Europa e dos outros destinos internacionais. Para o segmento de luxo e do investidor estrangeiro o nosso mercado irá continuar a ser atrativo”.
Para o CEO da Century21 é esperado que os preços estabilizem. “Se as principais tendências já identificadas se continuarem a verificar, consolida-se a perspetiva de uma estabilização global dos valores dos imóveis em Lisboa, embora com subidas expectáveis, mas mais moderadas, dos preços, bem como uma progressão positiva do número de transações nos municípios envolventes da cidade Lisboa e do Porto”, diz ao i.
Na mesma linha de pensamento, Rui Torgal diz que a cadeia que lidera não perspetiva queda de preços. “Neste momento, existe uma forte procura nacional e de estrangeiros. Por outro lado, não assistimos a um aumento da oferta suficientemente grande para causar a descida de preços”. E o responsável não tem dúvidas que, uma vez que nos últimos meses se regista um aumento de procura, “os preços poderão aumentar, mas será uma oscilação progressiva e, acreditamos que, ligeira”.
Também a Remax lembra que os preços estão relacionados com a lei da oferta e da procura. “Em Portugal a procura tem sido estimulada pelas históricas baixas taxas de juro, pela liquidez bancária e pelas fracas alternativas que o mercado de arrendamento apresenta”, diz.
O que mudará daqui para a frente? Apesar de todo o avanço que tem sido dado no controlo da pandemia, a crise ainda não terminou. E que mudanças se podem esperar daqui para a frente no mercado imobiliário? A primeira esperança de Paulo Caiado é que “não exista recuo no processos de desconfinamento”. Mas há mais: “Ainda não existe uma confirmação oficial do impacto do final das moratórias”, diz, lembrando que recentemente a agência de rating DBRS Morningstar “avançou que as consequências da retirada das moratórias de crédito implementadas durante a pandemia de covid-19 ainda estão por ver na Europa e que Portugal é um dos países mais expostos”.
E há mais impasses como o caso do chumbo do Orçamento do Estado para 2022 e as eleições antecipadas. “O desejo da APEMIP é que, num futuro próximo, um novo orçamento possa contemplar medidas que promovam o incremento do mercado imobiliário e, simultaneamente, o possam tornar mais estável e previsível no que diz respeito ao seu quadro fiscal”, defende.
Por seu turno, Ricardo Sousa lembra a falta de mão de obra tão sentida nos últimos tempos, bem como a carência e o aumento do preço das matérias primas, para a construção. Estes são, no seu entender, os principais desafios. Fatores que “influenciam quer as atividades de reabilitação de imóveis, quer as de construção nova, e limitam a rotação de habitações, o que não contribui para o aumento da oferta de imóveis usados e para uma utilização mais eficiente do parque habitacional português”.
O responsável acrescenta que as tendências a considerar no futuro passam também “pelos projetos de construção nova que começam a ganhar maior peso no número de transações totais, no país”. E defende que “os projetos residenciais que começam agora a estar mais direcionados para a classe média e orientados para critérios de eficiência energética mais elevados, porque se regista uma clara tendência de aumento da sensibilidade e exigência dos consumidores relativamente à sustentabilidade ambiental”. O CEO da Century21 diz ainda acreditar que se vai assistir à consolidação de mais municípios – na Área Metropolitana de Lisboa e na Área Metropolitana do Porto – como destinos escolhidos para viver e trabalhar, “abandonando definitivamente a lógica de cidades dormitório que marcou muitos dos municípios da AML e AMP, no passado”.
O CEO da ERA Portugal acredita que muitas das tendências da pandemia vieram para ficar. E lembra que “o setor imobiliário tem-se apresentado como uma excelente opção de investimento reconhecida até internacionalmente”, o que também será para manter no futuro. Até porque “o mercado imobiliário português continua, sem dúvida, a captar bastante interesse”. Para além disso, “a banca em Portugal mantém a disponibilidade de financiamento com spreads atrativos, o que nos dá indícios de que é e vai continuar a ser um bom momento para comprar casa, pela facilidade em recorrer ao crédito à habitação”.
Tudo motivos que levam a ERA a acreditar que vai “fechar 2021 como um dos melhores anos para a ERA”, preparando ainda para que 2022 “seja um ano de prosperidade”.
Por fim, a Remax fala também em perspetivas positivas para o futuro, atendendo aos resultados que tem tido bem como as tendências de mercado. “As mudanças sentidas dizem mais respeito às preferências dos clientes compradores/arrendatários (que privilegiam mais determinados tipos de imóveis), assim como à valorização das visitas virtuais e multimédia”, finaliza.