O admirável mundo novo da fraude financeira


“Não é de estranhar que a Moeda fiduciária, substituta do padrão-ouro, viesse também a conhecer os efeitos da digitalização – a moeda digital”


Em 1932, antecipava Aldous Huxley, no seu romance “Brave New World”, desenvolvimentos tecnológicos que viriam a mudar profundamente a nossa sociedade.

Entretanto já todos nos habituamos ao permanente estado revolucionário tecnológico, ao qual chamamos de digitalização.

Quando é necessário um cálculo verdadeiramente complexo, então confiamos essa tarefa ao algoritmo que sendo mais rápido e mais fiável. Máquinas a pensar por nós, chamamos de inteligência artificial.

Tradicionalmente era o mundo militar o precursor do desenvolvimento tecnológico, mas com a globalização comercial e financeira essa vantagem passou para o mundo financeiro e dos negócios. Há muito que a interacção humana nas salas de corretagem das bolsas cedeu o lugar à comunicação puramente digital e nenhum humano participa na definição das cotações.

Neste contexto, não é de estranhar que a Moeda fiduciária, substituta do padrão-ouro, viesse também a conhecer os efeitos da digitalização – a moeda digital.

Sabemos que só muito depois de haver automóveis a circular nas estradas é que as autoridades vieram regular o transito, e na digitalização do sistema monetário isso não é diferente.

Numa importante intervenção no Hoover Institution, da Universidade de Stanford, em Janeiro deste ano, Agustín Carstens[1], Director Geral do Banco de Compensações Internacionais (BIS) anunciava que os bancos centrais devem ser os emissores das moedas digitais (criptoactivos) e conceder acesso com base na identificação. Consistentemente com estas declarações vimos desde então aquela importante instituição financeira internacional apoiar o desenvolvimento das moedas digitais para uma emissão que responda às questões tecnológicas, jurídicas e económicas.

Mas já em Setembro de 2020 foi publicada uma Proposta de Regulamento, relativa aos mercados de criptoativos (designação europeia para activos virtuais ou digitais). Em Julho deste ano, o GAFI[2] actualizou a Nota interpretativa da recomendação 15 de AML/FT[3] quanto aos activos virtuais e aos prestadores de serviços de activos virtuais. Que também foi acolhida no pacote de propostas legislativas para reforçar as regras da UE contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo. Nomeadamente na PROPOSTA DE REGULAMENTO RELATIVO ÀS INFORMAÇÕES QUE ACOMPANHAM AS TRANSFERÊNCIAS DE FUNDOS E DE DETERMINADOS CRIPTOATIVOS, e visa alargar os requisitos aos prestadores de serviços de ativos virtuais, obrigando-os a recolher e tornar acessíveis os dados relativos aos iniciantes e destinatários das transferências de ativos virtuais ou criptoativos que realizam.

O que está em causa não é só o futuro do nosso dinheiro, mas também o da nossa liberdade e segurança – dois conceitos cada vez mais em confronto e aparentemente irreconciliáveis. É certo que o actual systema criptomonetario completamente desregulado oferece oportunidades anteriormente inimagináveis para todo o mundo criminoso. Sobretudo na fase de circulação (Layering) do processo de branqueamento de capitais os actuais cryptoactivos constituem um instrumento quase perfeito! Pablo Escobar hoje já não necessitaria de tantos contentores marítimos para esconder a sua fortuna.

Quando as nossas interacções sociais assentam cada vez mais em sistemas digitais globais não é um sistema judiciário arcaico, com 3 meses de férias judiciais que pode acompanhar.

Nas actuais condições com exércitos de funcionários mal-enquadrados, mal pagos, mal equipados e mal instruídos, parece que disconexas fúrias regulatórias apenas resultam numa autofagia burocrática.

Talvez acabemos por assistir cada vez mais a um reforço da autorregulação imposta pelos grandes operadores digitais privados e com isso libertar o tribunal de comarca para aquilo que sabe fazer: julgar o furto das galinhas do tio Chico.

Mas como escrevia Diogo Pereira Coelho no Jornal Económico em Junho cit.:“ ou assistiremos a uma nova era ou ao princípio de uma derrocada”.

[1] Digital currencies and the future of the monetary system Remarks by Agustín Carstens, https://www.bis.org/speeches/sp210127.pdf

[2] Second 12-Month Review of Revised FATF Standards – Virtual Assets and VASPs

[3] Prevenção do branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo

O admirável mundo novo da fraude financeira


“Não é de estranhar que a Moeda fiduciária, substituta do padrão-ouro, viesse também a conhecer os efeitos da digitalização – a moeda digital”


Em 1932, antecipava Aldous Huxley, no seu romance “Brave New World”, desenvolvimentos tecnológicos que viriam a mudar profundamente a nossa sociedade.

Entretanto já todos nos habituamos ao permanente estado revolucionário tecnológico, ao qual chamamos de digitalização.

Quando é necessário um cálculo verdadeiramente complexo, então confiamos essa tarefa ao algoritmo que sendo mais rápido e mais fiável. Máquinas a pensar por nós, chamamos de inteligência artificial.

Tradicionalmente era o mundo militar o precursor do desenvolvimento tecnológico, mas com a globalização comercial e financeira essa vantagem passou para o mundo financeiro e dos negócios. Há muito que a interacção humana nas salas de corretagem das bolsas cedeu o lugar à comunicação puramente digital e nenhum humano participa na definição das cotações.

Neste contexto, não é de estranhar que a Moeda fiduciária, substituta do padrão-ouro, viesse também a conhecer os efeitos da digitalização – a moeda digital.

Sabemos que só muito depois de haver automóveis a circular nas estradas é que as autoridades vieram regular o transito, e na digitalização do sistema monetário isso não é diferente.

Numa importante intervenção no Hoover Institution, da Universidade de Stanford, em Janeiro deste ano, Agustín Carstens[1], Director Geral do Banco de Compensações Internacionais (BIS) anunciava que os bancos centrais devem ser os emissores das moedas digitais (criptoactivos) e conceder acesso com base na identificação. Consistentemente com estas declarações vimos desde então aquela importante instituição financeira internacional apoiar o desenvolvimento das moedas digitais para uma emissão que responda às questões tecnológicas, jurídicas e económicas.

Mas já em Setembro de 2020 foi publicada uma Proposta de Regulamento, relativa aos mercados de criptoativos (designação europeia para activos virtuais ou digitais). Em Julho deste ano, o GAFI[2] actualizou a Nota interpretativa da recomendação 15 de AML/FT[3] quanto aos activos virtuais e aos prestadores de serviços de activos virtuais. Que também foi acolhida no pacote de propostas legislativas para reforçar as regras da UE contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo. Nomeadamente na PROPOSTA DE REGULAMENTO RELATIVO ÀS INFORMAÇÕES QUE ACOMPANHAM AS TRANSFERÊNCIAS DE FUNDOS E DE DETERMINADOS CRIPTOATIVOS, e visa alargar os requisitos aos prestadores de serviços de ativos virtuais, obrigando-os a recolher e tornar acessíveis os dados relativos aos iniciantes e destinatários das transferências de ativos virtuais ou criptoativos que realizam.

O que está em causa não é só o futuro do nosso dinheiro, mas também o da nossa liberdade e segurança – dois conceitos cada vez mais em confronto e aparentemente irreconciliáveis. É certo que o actual systema criptomonetario completamente desregulado oferece oportunidades anteriormente inimagináveis para todo o mundo criminoso. Sobretudo na fase de circulação (Layering) do processo de branqueamento de capitais os actuais cryptoactivos constituem um instrumento quase perfeito! Pablo Escobar hoje já não necessitaria de tantos contentores marítimos para esconder a sua fortuna.

Quando as nossas interacções sociais assentam cada vez mais em sistemas digitais globais não é um sistema judiciário arcaico, com 3 meses de férias judiciais que pode acompanhar.

Nas actuais condições com exércitos de funcionários mal-enquadrados, mal pagos, mal equipados e mal instruídos, parece que disconexas fúrias regulatórias apenas resultam numa autofagia burocrática.

Talvez acabemos por assistir cada vez mais a um reforço da autorregulação imposta pelos grandes operadores digitais privados e com isso libertar o tribunal de comarca para aquilo que sabe fazer: julgar o furto das galinhas do tio Chico.

Mas como escrevia Diogo Pereira Coelho no Jornal Económico em Junho cit.:“ ou assistiremos a uma nova era ou ao princípio de uma derrocada”.

[1] Digital currencies and the future of the monetary system Remarks by Agustín Carstens, https://www.bis.org/speeches/sp210127.pdf

[2] Second 12-Month Review of Revised FATF Standards – Virtual Assets and VASPs

[3] Prevenção do branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo