No sistema prisional português, em 2020, contava-se um total de 889 reclusos com 60 ou mais anos de idade. Destes, atualmente, 202 ultrapassam os 70 anos. Esta faixa etária representa apenas 7,8% da população prisional total, mas o seu número tem vindo a aumentar significativamente ao longo dos últimos anos. Em 2008, por exemplo, contavam-se apenas 361 reclusos com 60 ou mais anos de idade, representando cerca de 3,3% da população prisional, naquele ano. Significa isto que a população ‘idosa’ nas prisões mais que duplicou, em cerca de 12 anos, segundo os dados da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP). Havia, em 2020, mais 528 reclusos com 60 ou mais anos do que em 2008, o que se traduz num aumento de 146%.
Neste momento, o recluso mais velho em Portugal tem 91 anos de idade, seguindo-se um com 89 e dois com 88 anos, todos eles detidos por crimes de homicídio qualificado. Aliás, explicou ao i fonte da DGRSP, “os crimes mais comummente cometidos por estes cidadãos [maiores de 60 anos] são os contra as pessoas, entre os quais prevalecem os de homicídio e os sexuais”.
Em conversa com o i, Carlos Rato, da Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR), começa por explicar as razões por trás do aumento signifi- cativo da população idosa nas prisões, especialmente desde o ano de 2008. quando, no seu entender, a culpa pas- sou pelo fim do “pouco que se fazia de reinserção através do Instituto de Rein- serção Social”.
“Muitos dos que entram e saem das prisões são os mesmos”, continua Carlos Rato, que recorreu a um estudo de António Dores, investigador do ISCTE, que “prova que mais de 50% dos reclu- sos são filhos de reclusos ou familiares”. “É um processo de bairro ou forma de vida”, lamenta o representante da APAR, que aponta o dedo às poucas iniciativas de reinserção aplicadas no país, e nas consequentes taxas de reincidência. “Entram e saem cerca de 5.000 reclusos por ano nas prisões, mais de 75% já é reincidente na prisão, embora possa não o ser no tipo de crime. Este ciclo só pode- rá ser reduzido quando se voltar a apos- tar a sério na formação profissional que permita dar aos reclusos ferramentas para poderem competir no mercado de trabalho quando saírem. De outra for- ma serão sempre excluídos”, conclui.
Saúde nas prisões Portugal foi recentemente palco de uma marcante história relacionada com a temática dos ido- sos nas prisões, quando a britânica Susan Clarke, de 72 anos de idade, morreu na prisão de Tires, na sequência de um can- cro da mama. Clarke estava, desde 2019, a cumprir pena em Portugal por ter tra- ficado, num cruzeiro, um milhão de libras em cocaína com o marido, Roger, que se encontrava a cumprir pena num outro Estabelecimento Prisional. A notícia foi revelada pelo diário britânico The Mir- ror. “Ela foi deixada para morrer numa prisão estrangeira sem ninguém por per- to. Há quatro semanas, teve uma última visita a Roger. Viram-se através de uma janela”, contou uma fonte ao diário, acres- centando que, enquanto Clarke estava “a lutar contra o cancro”, os médicos em Portugal “decidiram que não havia nada que pudessem fazer, então pararam o tratamento”.
Este é um dos principais temas abordados por Carlos Rato, que realça que “no tocante às condições de saúde, que para as pessoas mais velhas são ainda mais importantes – com o cuidado com os dentes, bem como o controlo de diabetes ou outras doenças – não existe um verdadeiro serviço de saúde nas prisões, e acabam por ser os que mais sofrem”.
Vida prisional A vida dos idosos nas prisões vive-se a um ritmo peculiar, diferente, mais lento e, muitas vezes, distante do da restante população presidiária. É este o panorama pintado por Carlos Rato, que denuncia “uma prática nas nossas prisões de olhar para reclusos com mais de 40 anos como irrecuperáveis”.
Mas há mais. “Os técnicos e funcionários deixam de apostar neles e são quase sempre excluídos das atividades (das poucas que existem) e de tentativas de algum investimento na formação destes homens e mulheres. São-lhes dados os trabalhos indiferenciados de limpeza ou tomar conta de bares, lavandarias, e assim”, relata, antes de acusar os Conselhos Técnicos de dar “ainda mais negativos a precárias ou saídas em liberdade condicional para reclusos com mais de 40 anos”.
Lá dentro, além dos referidos “trabalhos indiferenciados”, “os mais idosos passam dias a jogar às cartas, a ver televisão ou inativos”. Ainda assim, “pequenos trabalhos de limpeza dos corredores, e assistência aos refeitórios e lavandarias” são parte da sua rotina. “Apesar de tudo, são os que querem trabalhar, pelo menos para ter dinheiro para cigarros”, explica Carlos Rato, que acusa ainda a falta de investimento na formação profissional destes reclusos, muito graças à sua idade avançada. “Já ninguém investe neles para formação profissional de forma a que possam ter mais capacidades”, refere o membro da APAR. Os reclusos com idades mais avançadas acabam por ser “vistos como alguém para quem não vale a pena fazer esforço”.
Carlos Rato aponta ainda mais uma agravante das vidas dos reclusos idosos dentro dos Estabelecimentos Prisionais. Além dos ditos “trabalhos indiferenciados”, da televisão e das cartas, uma outra atividade acaba por ocupar a vida destes reclusos, que se refugiam no crime interno das prisões para fazer algum dinheiro. “Abandonados pela família, que já não tem laços com eles, têm de viver do pequeno tráfico ou expedientes para ganhar algum dinheiro”, acusa.
As diferenças de idade entre os membros da população prisional, e a maior vulnerabilidade dos reclusos idosos poderiam ser fatores de receio pela segurança dos mesmos, mas, questionada sobre esta temática, a DGRSP garantiu ao i que “não tem registo de conflitos geracionais no interior dos Estabelecimentos Prisionais, nem que as aproximações e afastamentos entre as pessoas se façam em função da idade de cada um”, negando também que haja qualquer exclusão dos ditos reclusos idosos na vida social das prisões. Já sobre a vida dos mesmos dentro dos estabelecimentos, a mesma fonte garantiu apenas que “o quotidiano dos reclusos com mais idade segue os horários e atividades previstas nos regulamentos, naturalmente adaptadas às condições de saúde e físicas das pessoas”.
Libertação e reinserção Em situação pandémica, uma das maiores preocupações da gestão dos estabelecimentos prisionais tem-se prendido com o cuidado dos reclusos em idades mais avançadas, mais vulneráveis em caso de infeção com o novo coronavírus. Como forma de diminuir a concentração de reclusos nos estabelecimentos prisionais, o Governo avançou com medidas “extraordinárias para conter a pandemia que, apenas num dos aspetos, incluíram a libertação reclusos particularmente vulneráveis à covid-19, designadamente os mais idosos, os doentes e os infratores de baixo risco”. Em junho de 2020, aliás, noticiava-se que Portugal foi o quarto país europeu a libertar mais reclusos, num total de 15% da população prisional.
Esta libertação, tanto em contexto pandémico como normal, é, ainda assim, um dos temas que tem contornos especiais quando se fala dos reclusos idosos. Carlos Rato debate-se especialmente sobre este assunto, e aproveita para listar as dificuldades por que passam alguns destes reclusos no momento da sua libertação. “Como não existe qualquer interesse em inserir ou inserir os reclusos, pelo menos desde 2008, a reincidência cresceu imenso porque , ao sair da porta da cadeia com 20 ou 100 euros, um cidadão mais velho tem poucas possibilidades de sobreviver cá fora das atividades criminosas”, resume o representante da APAR. “Principalmente se estiver marcado com o carimbo de ex-recluso”.