A ameaça existencial


2021 foi um ano de intensas tragédias para além da covid-19. Houve secas, fogos florestais, cheias e tempestades. Fenómenos mais violentos do que nunca em intensidade e frequência.


Há poucos momentos na história verdadeiramente capazes de ameaçar o modo de vida das nossas sociedades, pôr em causa o nosso bem-estar, as nossas economias e até a nossa própria existência como seres humanos.
A covid-19 foi um desses momentos – tal como o tinha sido, em certa medida, a ameaça de cataclismo nuclear durante a Guerra Fria.

Perante cada uma destas ameaças, a humanidade deu o melhor de si. A razão e a boa vontade foram mobilizadas para congelar a corrida às armas nucleares entre as grandes potências. A ciência e a vontade política generalizada uniram-se para derrotar o coronavírus. Espantosamente, continuamos a não fazer o que é preciso para neutralizar a maior e mais perene ameaça à nossa própria sobrevivência como espécie: as alterações climáticas. 

A opinião pública global tem de dizer basta à poluição desenfreada dos oceanos, à deflorestação selvagem, à delapidação da biodiversidade e às economias de ganância movidas a carvão. 

Com o mundo a olhar para Glasgow, onde decorre por estes dias a Cimeira do Clima das Nações Unidas, todos sabemos que palavras bonitas já não são suficientes – quanto muito, elas servirão como lembrança póstuma da nossa incapacidade coletiva. “Estamos a cavar a nossa própria sepultura”, avisa António Guterres. Tem toda a razão.  
2021 foi um ano de intensas tragédias para além da covid-19. Houve secas, fogos florestais, cheias e tempestades. Fenómenos mais violentos do que nunca em intensidade e frequência. Vivemos um ciclo de pandemias gémeas: a de saúde pública, por um lado, e a ambiental, por outro. Ambas matam. Ambas destroem os fundamentos da nossa sociedade. Ambas abalam os pilares das nossas economias e ameaçam a nossa identidade. 

Pela primeira vez na contemporaneidade, tivemos um inimigo comum: chama-se coronavírus. Respondemos com a força e o sentimento de uma humanidade comum, à escala planetária. A batalha ainda não está ganha – longe disso, números recentes mostram uma desigualdade confrangedora em que os países ricos já administraram mais terceiras doses em três meses do que os países pobres injetaram primeiras doses em todo o ano. Todavia, precisamos que o mesmo sentido de urgência, que o mesmo reconhecimento de perigo existencial, que a mesma força da resposta comum seja transportada para o combate à pandemia das alterações climáticas. 

A verdade, como escrevia esta semana a Economist, é muito óbvia: “O sonho de um planeta de quase oito mil milhões de pessoas vivendo em conforto material, é inalcançável se for baseado numa economia movida a carvão, petróleo e gás natural.”

Descarbonizar a nossa economia, cortar as emissões globais de co2 em 55% até 2030 para que o aumento temperatura da superfície terrestre não vá além dos 1.5 graus (comparativamente aos níveis pré-industriais), é uma tarefa de enorme magnitude e com profundos impactos económicos e sociais. Precisamos de dar um passo atrás agora para a seguir dar dois passos à frente. É necessária uma nova Revolução Industrial, na qual assente uma nova economia verde, capaz de entregar progresso e sustentabilidade para todos de forma justa e equilibrada. Nada que não esteja ao nosso alcance, porque os humanos são “os maiores solucionadores de problemas que alguma vez existiram na Terra” como nos lembrou em Glasgow o naturalista David Attenborough. 

Passo a passo, o consenso está formado. Mais do que em qualquer outro tempo recente, há hoje dois grupos de temas em cima da mesa dos decisores e cidadãos: as alterações climáticas e tudo o resto.   

Olhemos para as nações. Depois de se terem retirado dos Acordos de Paris, os Estados Unidos voltaram à mesa das negociações. 

A China, o maior poluidor do planeta, promete emissões zero em 2060 (embora tenha planos para mais 43 centrais a carvão) e a Índia, o terceiro maior contribuinte líquido de CO2 para a atmosfera, adia a meta para 2070. Mesmo dos lugares mais improváveis, como o potentado petrolífero da Arábia Saudita, vêm promessas de rápida convergência com a neutralidade carbónica e investimentos astronómicos na ordem dos 187 mil milhões de dólares até 2030.
A Europa, por seu turno, pode engordar o seu PIB em 400 mil milhões de euros por ano, entre 2050 e 2070, se mantiver o compromisso de liderar a nova economia verde. 

Também as empresas e corporações perceberam que a sustentabilidade é uma exigência dos consumidores – mais do que uma oportunidade de negócio.  

Até março deste ano, 20% das duas mil maiores empresas do mundo em capitalização bolsista assumiram compromissos públicos em direção ao net zero. Jeff Bezos, o multimilionário fundador da Amazon, garante que doará entre 500 milhões e 10 mil milhões de dólares para um fundo que assista o desenvolvimento dos países mais pobres na alteração do seu modelo energético do fóssil para o renovável. E Robert Gentz, o CEO da Zalando, uma das maiores etiquetas de moda na Europa, promete acabar com o modelo de negócio “fast fashion” (moda de consumo rápido) por óbvias razões de respeito pelos recursos. 

Entre os 20 mil participantes de 200 países que estão reunidos em Glasgow, está também um enviado de Cascais: a vereadora do ambiente Joana Pinto Balsemão. Temos metas ambiciosas para a neutralidade carbónica e para consolidar Cascais como um dos concelhos mais verdes e sustentáveis do país. Estamos a lançar as bases de uma nova economia e queremos chegar a 2030 com menos 55% das emissões de CO2. Mas não deixámos de estar na Escócia para aprender com os melhores, para partilhar a nossa história e, sim, para fazermos parte de um compromisso moral maior e mais abrangente com todos os povos do mundo. Acreditamos que, à nossa escala, temos de dar o exemplo. Temos o dever de agir. Pela mesma razão de que ninguém está a salvo dos efeitos das alterações climáticas, todos temos a obrigação de contribuir para salvar o planeta. A humanidade somos todos nós, em Cascais, em Glasgow ou nas ameaçadas Maldivas. 

A crise é existencial. E o mundo está a acordar para essa realidade. Não sabemos se conseguiremos em Glasgow os acordos para os mercados de carbono, para as metas de emissões ou para as regras de transparência e controlo. Mas sabemos que as declarações grandiloquentes já não são suficientes. 

O mundo está na sua hora decisiva: ou somos todos por todos, e podemos aspirar vencer a maior crise das nossas vidas, ou estaremos condenados ao maior e derradeiro falhanço da nossa condição.

 

Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira

A ameaça existencial


2021 foi um ano de intensas tragédias para além da covid-19. Houve secas, fogos florestais, cheias e tempestades. Fenómenos mais violentos do que nunca em intensidade e frequência.


Há poucos momentos na história verdadeiramente capazes de ameaçar o modo de vida das nossas sociedades, pôr em causa o nosso bem-estar, as nossas economias e até a nossa própria existência como seres humanos.
A covid-19 foi um desses momentos – tal como o tinha sido, em certa medida, a ameaça de cataclismo nuclear durante a Guerra Fria.

Perante cada uma destas ameaças, a humanidade deu o melhor de si. A razão e a boa vontade foram mobilizadas para congelar a corrida às armas nucleares entre as grandes potências. A ciência e a vontade política generalizada uniram-se para derrotar o coronavírus. Espantosamente, continuamos a não fazer o que é preciso para neutralizar a maior e mais perene ameaça à nossa própria sobrevivência como espécie: as alterações climáticas. 

A opinião pública global tem de dizer basta à poluição desenfreada dos oceanos, à deflorestação selvagem, à delapidação da biodiversidade e às economias de ganância movidas a carvão. 

Com o mundo a olhar para Glasgow, onde decorre por estes dias a Cimeira do Clima das Nações Unidas, todos sabemos que palavras bonitas já não são suficientes – quanto muito, elas servirão como lembrança póstuma da nossa incapacidade coletiva. “Estamos a cavar a nossa própria sepultura”, avisa António Guterres. Tem toda a razão.  
2021 foi um ano de intensas tragédias para além da covid-19. Houve secas, fogos florestais, cheias e tempestades. Fenómenos mais violentos do que nunca em intensidade e frequência. Vivemos um ciclo de pandemias gémeas: a de saúde pública, por um lado, e a ambiental, por outro. Ambas matam. Ambas destroem os fundamentos da nossa sociedade. Ambas abalam os pilares das nossas economias e ameaçam a nossa identidade. 

Pela primeira vez na contemporaneidade, tivemos um inimigo comum: chama-se coronavírus. Respondemos com a força e o sentimento de uma humanidade comum, à escala planetária. A batalha ainda não está ganha – longe disso, números recentes mostram uma desigualdade confrangedora em que os países ricos já administraram mais terceiras doses em três meses do que os países pobres injetaram primeiras doses em todo o ano. Todavia, precisamos que o mesmo sentido de urgência, que o mesmo reconhecimento de perigo existencial, que a mesma força da resposta comum seja transportada para o combate à pandemia das alterações climáticas. 

A verdade, como escrevia esta semana a Economist, é muito óbvia: “O sonho de um planeta de quase oito mil milhões de pessoas vivendo em conforto material, é inalcançável se for baseado numa economia movida a carvão, petróleo e gás natural.”

Descarbonizar a nossa economia, cortar as emissões globais de co2 em 55% até 2030 para que o aumento temperatura da superfície terrestre não vá além dos 1.5 graus (comparativamente aos níveis pré-industriais), é uma tarefa de enorme magnitude e com profundos impactos económicos e sociais. Precisamos de dar um passo atrás agora para a seguir dar dois passos à frente. É necessária uma nova Revolução Industrial, na qual assente uma nova economia verde, capaz de entregar progresso e sustentabilidade para todos de forma justa e equilibrada. Nada que não esteja ao nosso alcance, porque os humanos são “os maiores solucionadores de problemas que alguma vez existiram na Terra” como nos lembrou em Glasgow o naturalista David Attenborough. 

Passo a passo, o consenso está formado. Mais do que em qualquer outro tempo recente, há hoje dois grupos de temas em cima da mesa dos decisores e cidadãos: as alterações climáticas e tudo o resto.   

Olhemos para as nações. Depois de se terem retirado dos Acordos de Paris, os Estados Unidos voltaram à mesa das negociações. 

A China, o maior poluidor do planeta, promete emissões zero em 2060 (embora tenha planos para mais 43 centrais a carvão) e a Índia, o terceiro maior contribuinte líquido de CO2 para a atmosfera, adia a meta para 2070. Mesmo dos lugares mais improváveis, como o potentado petrolífero da Arábia Saudita, vêm promessas de rápida convergência com a neutralidade carbónica e investimentos astronómicos na ordem dos 187 mil milhões de dólares até 2030.
A Europa, por seu turno, pode engordar o seu PIB em 400 mil milhões de euros por ano, entre 2050 e 2070, se mantiver o compromisso de liderar a nova economia verde. 

Também as empresas e corporações perceberam que a sustentabilidade é uma exigência dos consumidores – mais do que uma oportunidade de negócio.  

Até março deste ano, 20% das duas mil maiores empresas do mundo em capitalização bolsista assumiram compromissos públicos em direção ao net zero. Jeff Bezos, o multimilionário fundador da Amazon, garante que doará entre 500 milhões e 10 mil milhões de dólares para um fundo que assista o desenvolvimento dos países mais pobres na alteração do seu modelo energético do fóssil para o renovável. E Robert Gentz, o CEO da Zalando, uma das maiores etiquetas de moda na Europa, promete acabar com o modelo de negócio “fast fashion” (moda de consumo rápido) por óbvias razões de respeito pelos recursos. 

Entre os 20 mil participantes de 200 países que estão reunidos em Glasgow, está também um enviado de Cascais: a vereadora do ambiente Joana Pinto Balsemão. Temos metas ambiciosas para a neutralidade carbónica e para consolidar Cascais como um dos concelhos mais verdes e sustentáveis do país. Estamos a lançar as bases de uma nova economia e queremos chegar a 2030 com menos 55% das emissões de CO2. Mas não deixámos de estar na Escócia para aprender com os melhores, para partilhar a nossa história e, sim, para fazermos parte de um compromisso moral maior e mais abrangente com todos os povos do mundo. Acreditamos que, à nossa escala, temos de dar o exemplo. Temos o dever de agir. Pela mesma razão de que ninguém está a salvo dos efeitos das alterações climáticas, todos temos a obrigação de contribuir para salvar o planeta. A humanidade somos todos nós, em Cascais, em Glasgow ou nas ameaçadas Maldivas. 

A crise é existencial. E o mundo está a acordar para essa realidade. Não sabemos se conseguiremos em Glasgow os acordos para os mercados de carbono, para as metas de emissões ou para as regras de transparência e controlo. Mas sabemos que as declarações grandiloquentes já não são suficientes. 

O mundo está na sua hora decisiva: ou somos todos por todos, e podemos aspirar vencer a maior crise das nossas vidas, ou estaremos condenados ao maior e derradeiro falhanço da nossa condição.

 

Presidente da Câmara Municipal de Cascais
Escreve à quarta-feira