De dolmen preto e alamares e a medalha da Ordem do Banho, o general Craveiro Lopes sorria para a populaça. Os charameleiros da guarda da Rainha, com as capas recamadas de ouro e seda, faziam ouvir os seus instrumentos estridentes, capazes de afetar os sistemas auditivos mais sensíveis. Sentou-se, depois, num cadeirão forrado a veludo e oiro. Com um ligeiro encolher de ombros, predispôs-se a ouvir os discursos escritos em sua honra. Seria, estava certo, uma grandessíssima estucha. Mas, enfim, fazia parte do protocolo e o general estava ali para cumprir todos os protocolos.
O Evening News berrou em manchete: “Splendid Welcome!”. O Presidente de Portugal, de visita a Inglaterra, o mais antigo e mais cínico dos nossos aliados, era recebido com a pompa e circunstância digna da música de Elgar. O povo britânico, vá lá saber-se se movido pela curiosidade que lhe provocava o general vindo de um país estranho, ainda a branco e preto, se pelo empenho posto em prática pela imprensa local na tentativa de transformar a visita de um tal Craveiro Lopes que a grande maioria dos leitores nunca tinha ouvido falar, num espetáculo de estadão, deslocou-se ao Palácio de Buckingham para ver a delegação nacional entrar pelos portões de honra. Ou, se calhar, estavam mais interessados no desfile glorioso de oitenta automóveis de luxo, cada um com a sua bandeirinha espetadas junto aos retrovisores, bandeirinhas essas dos oitenta países cujos embaixadores foram apresentar cumprimentos ao general de poucos sorrisos.
Os ingleses têm um gosto especial pelas cerimónias longas e plenas de salamaleques. Craveiro Lopes não teve descanso. Nem ele nem a sua esposa, que se aprumou de forma a tentar espalhar charme pelo meio de tanto conde e duque e o diabo a quatro. As praxes seculares foram respeitadas por completo. Devem ter parecido infinitas ao casal presidencial português. Depois da fileira de “shake hands” promovida com os embaixadores, chegara a altura de transpor as fronteiras entre Westminster City e London City, com direção ao guildhall onde lhe caberia, em seguida, mais um ror de bacalhaus a distribuir pelos edis londrinos.
Transportado num Landau a céu aberto, para que todos os basbaques postados nas bermas das estradas pudessem ouvir o tilintar das suas medalhas, Craveiro Lopes foi espreitando, com comedido orgulho, as suas fotografias espalhadas pela Strand pela comunidade portuguesa emigrada no Reino Unido. Elementos de todas as forças armadas britânicas acompanhavam o cortejo, dando ao mesmo um ar marcial que não poderia ter deixado indiferente um militar da craveira de Craveiro.
Às voltinhas Antes da reunião com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Craveiro Lopes andou às voltas e voltinhas por Londres, desde a Fleet Street a Ludgate Circus, de Oxford Street a Lydgate Hill, de Cheapside e King Street sem esquecer a catedral de São Paulo.
Claro que era melhor andar de Landau do que no segundo andar aberto daqueles autocarros para turistas mas, a pouco e pouco, Craveiro Lopes não disfarçava o cansaço. O programa era pesado e foi-se atrasando, contrariando a tão famosa pontualidade britânica.
Não há sala em que o Presidente não entre que não esteja marcada pela luz intensa dos operadores de cinema. Preparava-se um longo documentário sobre esta viagem que deveria ficar marcada a letras douradas na história dos dois países.
A jantarada foi de arromba. Oitocentos convidados sentados em redor de vinte e três mesas. Bertha da Costa Ribeiro Arthur, a primeira dama, não deixou de confessar, em voz baixa, que já tinha a barriga a dar horas. A vasta sala de banquetes, com mais de cem metros de comprimento e trinta de largura, de grandes arcos ogivais, estava iluminada pela luz coada de vitrais. Lord Mayor pediu ao general que se sentasse a seu lado. Ouviu-se mais uma salva de palmas, longa e monótona. Todos os convidados sem exceção – até mesmo o grupo de jornalistas portugueses que acompanharam a viagem presidencial – tiveram direito a um menu lindíssimo, de capas impressas a oiro em relevo, com a figura de uma nau quinhentista e tendo por legenda os nomes do Infante D. Henrique, Bartolomeu Dias e Vasco da Gama. Deu-se bom uso ao garfo.
Para a noite, estava programada uma sessão de fogo-de-artifício. Como se o bom português passasse sem foguetório. Organizada pela Federação de Importadores de Vinhos do Porto, durante mais de meia hora o Tamisa refletiu as explosões que dominavam o céu de Londres…