Ainda ontem estávamos a regressar dos dias na praia, do sol dourado e do “dolce far niente” para mergulharmos de cabeça no mês de setembro, que é sempre exigente com o nosso tempo e nos obriga a superar os nossos limites de adaptação. Os primeiros dias são sempre uma canseira e de um saudosismo crescente daqueles dias abençoados, que carregamos com maior intensidade à medida que o dia vai avançando, contrastando com a nossa vontade em chegar ao anoitecer.
Sobrevivemos a setembro. Chegámos apreensivos, sem saber muito bem o que nos esperava, depois de um agosto que noticiava casos e mais casos de Covid nos jornais diários e que relatava surtos que pipocavam mesmo ao nosso lado. Recuperámos a confiança em nós próprios e, à boa maneira portuguesa, acreditámos que o pior estava para trás. Pouco a pouco, começamos a “sair da casca”, a arriscar, a ver com olhos de ver e a ser mais críticos. Não há nada melhor do que nos sentirmos impelidos a procurar a mudança e a deixar que o nosso espírito analítico decida em conformidade com aquilo que são as nossas perceções.
Outubro chegou para nos dar a força. Depois de um regresso às aulas sem sobressaltos, com o prestimoso contributo do Vice-Almirante Gouveia e Melo, que em boa hora veio refrear algum desnorte que se havia instalado; de umas eleições autárquicas surpreendentes nos resultados eleitorais, as quais revelaram que os portugueses não andam assim tão apáticos (com exceção para todos aqueles que não exerceram o seu direito de voto); com a reposição do funcionamento dos serviços públicos que estavam de portas fechadas há quase dois anos e que agora terão que alargar o seu horário de atendimento, face aos processos e pedidos que estão em atraso; eis que nas ruas se começa a sentir a vitalidade de uma economia que deseja, há muito, retomar o caminho que a pandemia interrompeu.
A terceira e última fase do desconfinamento teve início na passada sexta-feira, dia 1 de outubro. Ainda assim, as dúvidas são imensas e, por todo o lado, constata-se uma desorientação quanto às regras que se mantêm.
As boas notícias são o regresso dos espaços de diversão noturna, a ausência de limite máximo para os comensais partilharem uma mesa, mesmo que não seja em esplanada, a não exigência de certificados de vacinação ou de testes negativos para frequentar ginásios, a anulação da recomendação do teletrabalho, os estádios poderem voltar a encher as bancadas com os seus adeptos e a utilização de máscaras a manter-se obrigatória em espaços fechados e nos transportes públicos.
Boas notícias, há muito aguardadas. Nós, portugueses, podemos estar orgulhosos deste momento, mas, acima de tudo, não devemos esquecer tudo o que passámos para chegar até aqui. Com cerca de 85% da população vacinada, provámos que bem orientados somos cumpridores e sabemos contribuir para uma estratégia nacional que nos beneficie. Ficou, também, evidente que não toleramos mais avanços que impliquem recuos, e que não queremos compactuar com desnortes de quem não sabe o que fazer em momentos de crise.
Os portugueses estão confiantes em si próprios, sem receio de mudanças e com forças para arriscar num futuro que lhes possa ser favorável. É tudo o que queremos. Para isso, precisamos de um timoneiro, de um farol que aponte o caminho para nos fazer sair da tempestade e que acredite na nossa capacidade de regeneração, de iniciativa privada, de autonomia perante o poder paternalista do Estado.
O Estado somos todos nós, mas grande parte não vive às custas do Estado e ainda assim contribui para a grande máquina que serve todos os portugueses. Os que perderam mais com esta pandemia foram estes mesmos: os que não tinham uma rede de segurança chamada Estado e que todos os dias arriscam o que têm, sem que deixem de contribuir para os restantes. A minha última palavra é para estes sobreviventes e para os que não conseguiram resistir a este embate pandémico, encontrando-se, ainda hoje, sem receber qualquer apoio para se restabelecerem ou, simplesmente, para se manterem em atividade.
Novos tempos virão.
Escreve quinzenalmente