Lashana Lynch. A atriz que vai calçar as botas de James Bond

Lashana Lynch. A atriz que vai calçar as botas de James Bond


O novo filme de James Bond vai fazer história ao contar com uma atriz negra, Lashana Lynch, no papel de agente secreto 007.


Uma das teorias mais repetidas em torno do espião 007 é que James Bond é apenas um nome de código passado de agente em agente – após a sua morte ou, simplesmente, quando o seu detentor abandona o MI6. Isso explicaria o facto de atores como Sean Connery, George Lazenby, Roger Moore, Timothy Dalton, Pierce Brosnan e Daniel Craig terem interpretado versões diferentes do personagem e não hesitarem em revelar o seu nome, mesmo que isso possa colocá-los em risco.

Se qualquer agente pode ser um James Bond, por que não podemos imaginar o espião mais famoso do mundo com um género ou tom de pele diferente? Esta foi a questão colocada por Lashana Lynch, a atriz que, no filme 007: Sem Tempo Para Morrer, que vai estrear esta quinta-feira nas salas de cinema nacionais, vai ser a primeira mulher a interpretar o papel do agente.

“Vivemos numa época em que a indústria do cinema não está apenas a oferecer ao público aquilo que ele pensa que quer. Está efetivamente a oferecer aos espectadores o que eles verdadeiramente querem”, disse a atriz, em entrevista ao Guardian.

“Em relação ao Bond, ele pode ser um homem ou uma mulher. Pode ser branco, negro, asiático, ou uma mistura de raças. Pode ser jovem ou velho. No final do dia, mesmo que seja uma criança de dois anos a desempenhar o papel de Bond, todos vão a correr para o cinema para ver o que uma criança de dois anos consegue fazer”.

Apesar do entusiasmo de uns com o quebrar barreiras raciais e de género que esta opção de casting representa, a escolha de Lashana Lynch desencadeou ondas de críticas na internet, algo que já tinha acontecido quando a atriz participou em franchises como Star Wars, Ghost Busters ou o filme Captain Marvel. Face às vozes de protesto, Lynch declarou estar apenas preocupada em trilhar o seu próprio caminho – garante que não se preocupa com a opinião de desconhecidos online.

“Não tenho nada a dizer aos ‘trolls’ para além de que não tenho nada a ver com aquilo que vocês pensam. Vocês têm a liberdade para viver dentro da vossa verdade tal como eu tenho a liberdade para viver dentro da minha”, disse a nova estrela dos filmes do agente 007 ao Los Angeles Times.

A força da resiliência Lashana Rasheda Lynch nasceu a 27 de novembro de 1987 no distrito londrino de Hammersmith, no seio de uma família de segunda geração de jamaicanos, algo que moldou a sua personalidade.

“Existe uma certa atitude e confiança que surge de nascer numa família jamaicana”, disse a atriz ao Guardian. “Sabes como é que deves defender-te quase instantaneamente, assim que sais do útero estás automaticamente a tomar conta de ti”.

Desde muito jovem, Lynch mostrou curiosidade e vontade de experimentar as mais variadas artes e modalidades, como a dança ou a música, e foi jogadora de netball, um desporto famoso nos países da Commonwealth, semelhante ao basquetebol, de nível nacional, mas a tendência para a atuação sempre a acompanhou.

“O primeiro papel que tive foi o de Pinóquio numa peça de teatro da escola”, recordou. “Por isso, tive esta tendência para a diversificação desde muito cedo”, afirmou num tom bem-humorado.

Na adolescência, ingressou na Escola de Teatro Sylvia Young, primeiro como cantora, e só depois para estudar a representação. “Muitas pessoas costumavam falar comigo e aconselhavam-me: ‘Devias ter um plano B’. Mas para mim isso nunca existiu. Nunca tive um plano B”.

Esta resiliência da atriz de 33 anos foi importante especialmente no início da sua carreira, marcado por vários projetos falhados, nomeadamente Fast Girls, de 2012, o primeiro filme em que Lynch participou, sobre duas jovens que pretendem entrar na equipa de atletismo britânica para competir no Campeonato do Mundo, que não captou a atenção do público apesar de ter coincidido com as Olimpíadas de Londres; ou a série Still Star-Crossed, uma grande produção, sobre o que aconteceu após a morte de Romeu e Julieta, e que a atriz esperava que servisse de rampa de lançamento para a sua carreiram, mas acabou cancelada após uma única temporada.

Depois destes percalços, Lynch finalmente teria a sua grande oportunidade, graças aos estúdios da Marvel. Depois de anos a fazer audições para participar nos filmes deste universo cinematográfico, teve a oportunidade de desempenhar o papel de Maria Rambeau, uma piloto da força aérea e a melhor amiga de Carol Danvers, a super-heroína conhecida como Captain Marvel, que dá o nome ao filme de 2019, interpretada por Brie Larson. Juntas, as atrizes protagonizaram o primeiro filme de super-heróis a lucrar mais de mil milhões de dólares em todo o mundo.

Pouco tempo depois de conseguir este papel, Lynch seria contratada para o mais recente filme de James Bond, algo que a colocaria definitivamente nos radares dos fãs de cinema de Hollywood, pelas melhores ou piores razões.

Apesar da oportunidade de aparecer em 007: Sem Tempo Para Morrer, cujo lançamento foi adiado em cerca de um ano e meio devido à pandemia de covid-19, parecer uma “proposta irrecusável”, como diria Don Corleone, a atriz possuía reservas quanto a aceitar desempenhar o papel de Nomi, Agente 00, por temer que fosse apenas aparecer “atrás de um homem”, referindo-se ao James Bond de Daniel Craig, um 007 mais sério, realista e emocional quando comparado com os seus antecessores.

Contudo, depois de se reunir com a produtora Barbara Broccoli, o realizador Cary Joji Fukunaga e Phoebe Waller-Bridge, aclamada atriz e argumentista por trás de projetos como Fleabag, uma das responsáveis pelo guião do filme, percebeu que a sua personagem iria receber a devida atenção.

Tomada a decisão, a atriz tratou de garantir que a sua personagem fosse criada de uma forma credível e que pudesse representar a realidade do que é ser uma mulher negra.

“Uma personagem demasiado estilosa ou com uma figura impenetrável? Isso é completamente contra tudo aquilo que eu represento”, disse em entrevista à revista de moda Harpers Bazaar. “Não queria desperdiçar a oportunidade de mostrar aquilo que a Nomi podia representar”.

“Tentei garantir que existisse pelo menos um momento no guião onde os membros negros da audiência pudessem abanar as suas cabeças em concordância com o realismo e com o facto das suas vidas estarem representadas no ecrã”, explicou. “Em todos os projetos em que participo, independentemente do orçamento ou do estilo do filme, quero que a experiência negra que estou a apresentar seja 100 por cento autêntica”.