Em pouco mais de uma semana, os cidadãos de nacionalidade portuguesa maiores de 18 anos serão chamados às urnas, para elegerem os seus representantes nas autarquias, aqueles que, em seu nome, gerirão a res publica: Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia. Pela experiência do passado recente, verificamos que os absurdos valores da abstenção vêm sendo os tristes heróis das noites eleitorais. E porquê?
O sistema de democracia representativa que temos hoje em Portugal é o produto inacabado e evolutivo proveniente dos conceitos de povo, justiça e liberdade, introduzidos na Antiguidade Clássica pelas reformas de Clístenes em 590 A.C., que se materializavam na democracia direta, aquela em que o povo livre exercia de forma permanente e direta o poder político, realizando diretamente suas próprias escolhas. Impensável de praticar nos dias de hoje, e influenciados pelos ideais iluministas e correntes de pensamento liberais, dos séculos XVIII e XIX, acolhemos transferir a representação do poder individual, que fundamentou a noção de soberania, para intermediários legitimados pelo povo que exercem as atribuições e competências institucionais através de mandatos eletivos, conferidos por sufrágios eleitorais.
Neste já longo caminho, foram vários os escolhos que encontrámos, alguns dos quais levantam cada vez mais alto a sua voz: arriscamos hoje fazer perigar uma certeza antiga, a isonomia, isto é, o princípio da igualdade política e perante a lei. Novas preocupações sociais e até de contexto, como sejam o atual estado pandémico ou a globalização, obrigam-nos a revisitar o atual sistema de representação política.
Estarão os eleitos a fazer o suficiente pelos que os elegeram? Deverá a tomada de decisão política ser construída de modo colaborativo com os eleitores? Terá o debate público uma influência positiva na construção das políticas públicas? Conseguiremos com a institucionalização da opinião pública evitar a cada vez mais perigosa falta de confiança nas instituições? A resposta a qualquer uma destas questões é sim. E como? Através da necessária evolução do atual sistema democrático para a denominada democracia participativa. Aproximar as aspirações dos eleitores, dos cidadãos, os objetivos da população à atuação política e pública garantirá paz social e permitirá ganhos substantivos no que à transparência dos processos e das decisões, diz respeito.
Através do fomento de uma cultura de participação e de cidadania ativa, instando os cidadãos a cocriarem com os seus representantes soluções, pelo diálogo permanente e escuta objetiva, direcionada para o interesse público e bem comum, utilizando, por exemplo, instrumentos como sejam os orçamentos participativos, alcançaremos níveis de transparência – esse elemento essencial à democracia – que impulsionará a redefinição da confiança que tem que existir entre representantes e representados. Teremos maior consciência cidadã, mais inclusão, melhor qualidade de vida, menos vulnerabilidade social, menos domínio de interesses privados e maior legitimidade social.
Como nos disse Hannah Arendt, “o sentido da política será sempre a liberdade” e compete-nos a nós operar o milagre: não deixar morrer a capacidade humana de gerar o novo, o espontâneo.
Aproveitemos, pois, mais esta oportunidade no dia 26 de setembro.