Foi uma revolução dentro do percurso de Portugal depois de 1974.
Começou por uma construção normativa de autonomia e liberdade, tendo como primeiro passo a consagração constitucional de um poder local sem constrangimentos na liberdade e na responsabilidade.
Uma efetiva devolução de poder aos cidadãos, agora eleitos pelo povo, não mais escolhidos em Lisboa pela sua fidelidade ao regime, mas votados pela sua capacidade de dedicação às comunidades, abrindo perspetivas de inserção das cidades, vilas e aldeias num novo mundo de ambição, progresso e desenvolvimento.
E se, com a criação de condições básicas de escolha de protagonistas e instrumentos operativos, se propôs uma nova era de vivência do municipalismo, a resposta do país foi exemplar.
Milhares de homens e mulheres responderam ao desafio e fizeram da escassez de meios a suficiência para multiplicarem respostas e problemas básicos e, depois, afirmarem a ambição de intervir no desenvolvimento económico e social.
Bairros de lata, estradas sem asfalto, casas sem água potável, ribeiras poluídas, industrias sem enquadramento em áreas próprias, cidades sem espaços culturais, sem jardins, sem iluminação decente, sem expansão proposta e programada, viram respostas esperadas há séculos.
Ganharam-se séculos em decénios de intervenção municipal.
Isto significa que seja qual for o ângulo de observação em que nos coloquemos, com as exceções que toda a realidade comporta, esta uma aquisição e ativo da democracia portuguesa de indiscutível credibilização deste período da história de Portugal.
Todavia …
Se toda a realidade comporta adaptação e mudanças ao tempo e às lições do tempo, a verdade é que, tal como se verifica na vida política em geral, no nosso país, o Poder local sofre da ausência de reformas que tornem a ação municipal mais operativa e eficaz.
Existe carência de desburocratização da decisão municipal em tantas vertentes do processo urbanístico, existe falta de um secretário-geral que assuma várias funções de execução deliberativa, de respeito pela mera formalidade legal, hoje inerentes a eleitos não predestinados para responsabilidades meramente formais e que, tantas das vezes são geradoras de contenciosos judiciais.
Por outro lado, consagrando o que já vem sendo detetado há tempo, percorre a presente campanha eleitoral, uma inusitada demagogia de promessas onde se justificava um tempo de sólido arrimar à realidade e uma reafirmação de maturidade dos candidatos, designadamente em municípios de governo de macro-dimensão.
O debate em Lisboa, que se julgaria tópico exemplar irradiante de uma certa cultura de solidez de Governo local e projeção de ambições de afirmação no seio das metrópoles europeias, não tem passado de um pobre enunciado de se saber quem promete mais casas baratas num mercado onde os preços/m2 escaldam, transportes grátis e outras prebendas próprias de uma quermesse eleitoral.
Nada disto ajuda ao planeamento de um sólido percurso na coerência e no rigor, de afirmação de uma capital europeia.
Mas a atenção ao resto do país não anda longe do vale tudo no engano do eleitor que assiste a mandatos onde nada ou pouco acontece durante quatro anos, para depois em campanha, assistir atónito, ao anúncio de fábricas, criação de empregos e chegada de milhões, onde se sabe prolifera a fantasia e o pecado da mentira.
Parques de lazer que desafiam a Disneylândia; candidaturas a cidades disto e daquilo; “colocações no mapa” por simples afirmação da personalidade deste ou daquele candidato são a prestidigitação e o pão nosso desta campanha eleitoral.
Chega-se mesmo a garantir futuros hospitais privados de 40 milhões de euros (Covilhã), a construir em taludes de inacessibilidade averiguada, tudo com base em protocolos assinados com intermediários de capital minguado de dezenas de milhares de euros, isto é, de valor zero, capazes de suscitar a risada pública, mas apresentados como coisa “séria” para eleitorados distraídos.
Esta a outra face do poder local, que quarenta e cinco anos depois da sua consagração constitucional, merecia não só uma reforma quanto a aspetos da sua vivência organizacional, como uma reforma do discurso eleitoral, menos básico no apelo à demagogia e mais concentrado em projetos de desenvolvimento programado e assente em metas quantificáveis para a afirmação num quadro de vida citadina europeia.
Jurista