A China está empenhada em reduzir o vício dos jogos online, entre a população mais jovem. Para isso determinou que as crianças só podem jogar 3 horas por semana, em período escolar, e uma hora por dia, em tempo de férias. Estas medidas surgem no seguimento de um artigo publicado pelo jornal Economic Information Daily, pertencente ao Estado chinês, onde se pode ler que os jogos são como um “ópio espiritual” e que prejudicam as crianças, na medida em que as torna viciadas em jogos, afetando os estudos e a vida quotidiana.
O endurecimento destas regras comprova que o governo chinês tem vindo a exercer um maior controlo sobre a educação das gerações mais novas. Prova disso é que, a partir deste mês, em Xangai, está prevista a introdução de uma nova unidade curricular em todos os níveis de ensino, O Pensamento de Xi Jinping sobre o Socialismo com características chinesas para uma Nova Era, reforçando a crença marxista junto da população mais jovem e reiterando a confiança no caminho, na teoria, no sistema e na cultura do socialismo com características chinesas.
Por cá, as notícias das restrições das horas de jogo foram recebidas com alguma surpresa e geraram muita conversa entre pais e dentro da própria comunidade educativa. Análises políticas à parte, e o que realmente sobressaiu foi um certo espanto de ser o Estado chinês a ter que intervir naquilo que é considerado um excesso em várias geografias. Na Coreia do Sul e no Japão, os governos também já haviam criado dispositivos para limitar o uso excessivo dos jogos online, bem como a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a dependência em jogos eletrónicos como uma doença. No Reino Unido, nos Estados Unidos da América e no Brasil aumentam as clínicas privadas para o tratamento deste distúrbio, provocado pela crescente procura de ajuda por parte de pais desesperados e até mesmo de adultos que reconhecem a sua incapacidade para controlarem o vício instalado.
O vício em jogos online é caracterizado pelo tempo excessivo passado em frente a um ecrã a jogar, pela dificuldade em parar de jogar e pela substituição de atividades saudáveis pelos videojogos. Dito assim, quase todos nós temos uma criança destas em casa, que nos tira do sério e que nos leva à loucura sempre que começamos a dizer que é tempo de parar o jogo. Uma das preocupações transversais a muitos pais é o tempo que os seus filhos passam nas consolas, nos telemóveis e noutros gadgets. Um lamento que termina num suspiro de derrota, com o sentimento de uma rendição forçada a esta nova forma de estar e de passar o tempo que se instalou nas famílias e que parece não querer abandonar-nos nunca mais. A verdade é que eles não se fartam de jogar; e o dia em que terão consciência do mal que lhes faz e de como desperdiçam horas e dias da sua juventude tarda em chegar, apesar dos sermões que vão ouvindo e dos apelos incansáveis de muitos de nós.
Ainda assim, convém recordar os perigos que correm ao tornarem-se viciados nestes jogos que são responsáveis por uma pandemia tecnológica, para a qual ainda não há vacina. A este tipo de adição estão associados sintomas como a obesidade, problemas no rendimento escolar, diminuição do tempo de sono, dores nas articulações, má postura, problemas de audição, problemas de visão, dor de cabeça, irritação quando há privação do jogo, aumento de conflitos familiares…
Por vezes surge a ilusão de que o tempo que estas crianças passam no quarto a jogar evita que passem este tempo fora de casa, correndo o risco de cair noutras dependências ou meterem-se em sarilhos. É uma forma simpática de encontrarmos uma justificação para a nossa inércia e, muitas vezes, impotência em lidar com este problema. Há estudos norte-americanos que relatam uma média de 13 horas por dia gastas em videojogos, não incluindo o tempo que estas crianças passam nas aplicações sociais.
A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que até aos 2 anos não haja qualquer contacto com ecrãs ou com jogos – tolerância zero! Entre os 2 e os 5 anos, a criança pode ter uma hora de acesso e com a supervisão de um adulto. Dos 6 aos 11 anos, no máximo, permitir duas horas de ecrã e, de preferência, programas educativos. E a partir dos 12 anos, impor o limite diário de três horas, sendo que em circunstância alguma devem ser no período noturno, já que afeta gravemente a qualidade do sono.
A problemática dos jogos ainda está para durar e vai gerar muita discussão, não só pelos interesses das grandes empresas de jogos online que pagam estudos sobre os efeitos dos jogos nas crianças e inundam o espaço mediático com resultados que os favorecem, como as consequências para a saúde mental, social e comportamental só se revelarão a médio e a longo prazo.
Até lá, terá que nos valer a intuição enquanto pais e educadores. Termos sempre a consciência que cada hora passada a jogar online é uma hora perdida de empatia, de toque, de Sol, de ar livre, de troca de olhares, de saborear um gelado com todas as papilas gustativas, de uma história para contar e até de um joelho esfolado numa saída de bicicleta em família.
No meu tempo, tinha que pedir para ir brincar para a rua com as amigas e muitas vezes ouvia a resposta “não”, ora porque era tarde, ora porque já tinha ido, ora por qualquer outra razão que eu não questionava. Hoje, os meus filhos estranham ter que pedir para jogar online com os amigos… e para mim é o mesmo, ainda que três décadas depois.
Para nós, não pode deixar de ser curioso, enquanto cultores do demoliberalismo, que seja um país como a China, com um regime político que pouco ou nada tem nada a ver com o nosso, a tomar uma decisão desta natureza e a adiantar-se na preocupação com as gerações mais jovens e com a exposição desenfreada a estas novas tecnologias.
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